Roma, 25 de mar de 2017 às 08:00
“O grande circo midiático” que gira continuamente ao redor dos homens com imagens e sons sedutores para afastá-los de si mesmo e da realidade não deve motivar o cristão a “fechar-se em uma torre inacessível”, mas a assumir o desafio de mostrar a presença ativa de Deus também no mundo de hoje, afirmou o sacerdote jesuíta Benjamín González Buelta.
“Nosso desafio não é fugir da realidade, mas aproximarmos dela com todos os nossos sentidos bem abertos para olhar e contemplar, para dissolver as escórias das aparências sedutoras, e ver, sentir e provar a realidade, percebendo no mais profundo dela a presença ativa de Deus que nos ama com uma criatividade infinita, para que nos encontremos com ele e trabalhemos juntos por seu reino”, assinalou.
O sacerdote, autor de vários livros, fez esta exortação em seu artigo intitulado “A sedução do mundo e a sedução de Deus”, publicado no número 4002 da revista jesuíta La Civiltà Cattolica.
Em seu texto, o Pe. González Buelta indicou que, de acordo com os sociólogos, “vivemos em uma cultura da sedução”; e que depois da queda das grandes utopias da época moderna – capitalismo e socialismo –, um “sentido de desilusão encheu os espaços da sociedade pós-moderno”.
“Diante do vazio interior e da perda da dimensão transcendente da vida, que nos fazem sentir órfãos, surgiram dois grandes projetos para encantar de novo o mundo: 1) o consumismo e 2) a diversão”, advertiu.
“O consumismo é uma formidável invenção que chega a cada parte do mundo onde há alguém com um pouco de dinheiro no bolso”, e com seus símbolos – como os centros comerciais –, parece a terra prometida e a libertação de nossas necessidades, assinalou.
“O segundo grande projeto é a diversão, o passatempo, a distração” 24 horas por dia com espetáculos e “os novos deuses da cultura atual”, como as celebridades que ocupam um espaço surpreendente nos meios de comunicação.
O Pe. González afirmou que ambos os projetos são estudados minuciosamente por seus promotores para deslumbrar os homens. “Nada é deixado ao azar”, advertiu.
“Nossa cultura nos induz a viver sempre com pressa, a adiar a satisfação de nossas necessidades profundas (...), conta somente o que os sentidos percebem e, por isso, cultivam-se as aparências, antepõe-se o parecer ao ser”, expressou.
Por isso, assegurou, a sociedade tem necessidade “não somente de profetas que denunciem os males que nos afligem, mas de místicos que revelam onde Deus está criando algo novo, para proclamar esta Boa Nova”.
“É necessário não só afirmar vagamente que Deus ama este mundo, mas também assinalar onde e como Ele atua, reelaborando a trama da vida momento por momento. A sociedade precisa de pessoas que, com sua sensibilidade mística, possam se encontrar com Deus nas realidades mais secularizadas e mais arruinadas pela deterioração pessoal, pela injustiça e por todo tipo de exclusão”, assinalou.
O sacerdote recordou os primeiros jesuítas, que encontravam Deus “nas ruas ruidosas da cidade”; e que, em seus exercícios espirituais, Santo Inácio de Loyola propõe a contemplação para alcançar o amor e “convida a observar toda a realidade, para ver Deus que trabalhar nela por nós”.
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“E este é o dom que nos é oferecido: ver o reino de Deus hoje em meio a nós”, acrescentou.
Entretanto, esclareceu que “não se trata apenas de saber que o reine de Deus se manifesta de modo concreto, às vezes em um modo muito simples”, mas que “é necessário percebê-lo e, então, a alegria do dom de Deus entra em nosso coração”.
“Para fascinar verdadeiramente o mundo, é preciso não só acolher o belo, o que está ordenado, o que brilha, mas também assumir a fragilidade humana, o realismo dos infernos pessoais e sociais, nos quais milhões de pessoas estão se dissolvendo como água no mundo líquido”, expressou.
O sacerdote advertiu que há “muitas celebrações” que fazem com que o homem se extravie, com as drogas ou até mesmo os espetáculos musicais; entretanto, “a verdadeira celebração, como faz a Eucaristia, toma a vida humana em sua cotidianidade de prazeres e erros e a conduz da aspereza da cruz à transfiguração da vida na ressurreição”.
Por isso, afirmou que, ante a cultura da sedução, “necessitamos libertar nossos sentidos do modo imposto de perceber a realidade e dos conteúdos que temos até agora percebido e interiorizado”. “Podemos estar cegos sem nos darmos conta” e não ver a realidade “como Deus a contempla”, advertiu o sacerdote.
“Não contemplamos a realidade de longe, de um palco privilegiado, mas implicando-nos nela, na proximidade com as pessoas, dentro das situações, nos trabalhos cotidianos. Para encontrar Deus que trabalha sempre, nós também devemos trabalhar para unir a nossa ação à sua”, afirmou.
“Através do processo que descrevemos – indicou –, vemos como nossos sentidos podem se transformar. Diante de uma paisagem, um pintor verá todas as cores, um engenheiro verá o traçado de uma possível urbanização, um ecologista verá as espécies que se deve salvar (...). Um contemplativo verá a dimensão última da realidade, onde Deus trabalha continuamente, para que a vida que Jesus levou possa ser vivida em plenitude”.
O Pe. González afirmou que “este modo de perceber a realidade pode despertar em nós extraordinários dinamismos de vida, em vez de nos deixar imóveis e tristes pela desilusão”.
“Santo Inácio, nos exercícios espirituais, nos propõe contemplar como Jesus se aproximava da realidade com os cinco sentidos. Jesus revelou, na realidade desarticulada de seu tempo, que o reino de Deus estava em meio ao povo. Este processo que descrevemos nos permite nascer de novo para ver o reino de Deus”, assegurou.
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