ROMA, 5 de ago de 2015 às 15:20
Sim à anticoncepção, aos atos homossexuais e à comunhão para os divorciados em nova união: todos estes casos devem ser considerados segundo as circunstâncias. Estes não devem ser aceitos como atos intrinsecamente perversos. Esta é a posição que defenderam os apresentadores no chamado “Sínodo paralelo”, um evento a portas fechadas realizado no dia 25 de maio, em uma universidade jesuíta em Roma (Itália), um evento liderado pelos bispos alemães, do qual participaram diversos bispos e teólogos.
Nesse dia, 50 representantes especialmente escolhidos das conferências episcopais da Alemanha, Suíça e França se reuniram na Pontifícia Universidade Gregoriana, em um encontro a portas fechadas, eles refletiram sobre as bases bíblicas e teológicas da família e debateram suas metas para o Sínodo da Família a ser realizado no Vaticano em outubro deste ano.
Somente alguns jornalistas foram convidados a participarem do encontro com a condição de que não divulgassem o que ouvissem ali. Um dos participantes disse ao Grupo ACI que não era permitido fazer entrevistas, pois “pediram confidencialidade com relação ao debate que realizariam”.
Entretanto, no dia 17 de julho, aproximadamente dois meses depois do evento, a Conferência Episcopal Alemã difundiu o conteúdo das intervenções em francês, alemão e italiano; embora não fosse divulgado o discurso final do Cardeal Reinhard Marx, Arcebispo de Munich e Freising.
A introdução do documento explica que o evento foi dividido em três partes: uma reflexão sobre as palavras de Cristo a respeito do matrimônio e do divórcio; a sexualidade como expressão do amor e “uma teologia do amor”; o dom da vida e uma “teologia narrativa”: uma teologia baseada na experiência pessoal.
As posturas expostas durante este evento são contrárias ao conteúdo do Catecismo da Igreja Católica.
A “teologia narrativa”, baseada nas experiências pessoais e nas consequências de assumi-la, é a verdadeira novidade deste “Sínodo paralelo”.
O sacerdote jesuíta, Pe. Alain Thomasset, introduziu-a em sua intervenção no encontro a portas fechadas. Este presbítero belga é professor de Teologia Moral no Centre Sèvres dos jesuítas, em Paris (França).
Sua exposição foi intitulada “Tendo em vista a história e os desenvolvimentos biográficos da vida moral e a atenção pastoral da família” e, nela, rejeitou a noção de que um ato possa ser intrinsecamente perverso.
O sacerdote afirmou durante sua exposição que “a interpretação da doutrina dos atos conhecidos como ‘intrinsecamente perversos’ é provavelmente uma das principais fontes de dificuldade que atualmente estão na atenção pastoral às famílias, pois determina amplamente a condenação da anticoncepção artificial, os atos sexuais dos divorciados em nova união e dos casais homossexuais, inclusive quando são uniões estáveis”.
Assumir alguns atos como intrinsecamente perversos, disse, “parece incompreensível para muitos e parece pastoralmente contraproducente”. Enquanto isso, “insiste justamente em pontos de referência como objetivos da vida moral, nega precisamente a dimensão biográfica da existência e das condições específicas de cada caminho pessoal”, acrescentou o sacerdote.
O Pe. Thomasset indicou ainda que “uma perspectiva narrativa e biográfica nos obriga a acreditar que a avaliação moral não cobre os atos isolados, mas os atos humanos incluídos em uma história” e, então, “não podemos avaliar um ato sexual ou anticoncepcional como intrinsecamente perverso!”
Em seguida, o sacerdote jesuíta fez menção a uma forma particular de entender a primazia da consciência afirmando que “as referências éticas objetivas proporcionadas pela Igreja são somente um aspecto (essencial, certamente, mas não o único) do discernimento moral que deve existir dentro da consciência pessoal”.
“Como vamos considerar a diferença entre um ato de adultério e outro de relações sexuais dentro de um casal estável de pessoas em nova união?”, questionou.
Logo, indicou que “seria muito benéfico para a elaboração de normas morais e medidas pastorais se se escutasse mais a experiência e o sensus fidei dos casais que desejam viver da melhor forma seu chamado à santidade”. Disse ainda que “a comunicação divina e sua recepção por parte do crente individual são cooriginantes”.
Pe. Thomasset logo propôs uma interpretação dos atos morais humanos “dentro do contexto da tradição católica que poderia gerar diversas consequências”.
A primeira delas, disse o sacerdote, é que “em certos casos, pelas circunstâncias particulares, os atos sexuais de pessoas em nova união já não são considerados como moralmente culpados. Isto lhes permitiria o acesso aos sacramentos da Reconciliação e da Eucaristia”. Para justificar esta afirmação, aludiu um ensaio de 1972, do então Pe. Joseph Ratzinger, do qual, há algum tempo, o autor se retratou e repudiou.
A outra consequência: o uso de anticoncepcionais não seria moralmente mau enquanto o casal continue casado e “permaneça aberto” a receber a vida; e que a “responsabilidade moral subjetiva” dos atos sexuais entre homossexuais em uma relação estável e fiel “diminuiria ou seria eliminada”.
“Isto seria uma maneira de ajudar as pessoas à vivência humanamente possível em um caminho de crescimento para o desejável”, escreveu o Pe. Thomasset.
A primeira parte do “Sínodo paralelo” contou com a exposição dos teólogos Anne-Marie Pellettier e Thomas Soeding, os quais defenderam um “desenvolvimento” na compreensão do matrimônio como indissolúvel, a nível eclesial.
A teóloga Pellettier ressaltou que as palavras de Cristo sobre o divórcio no Evangelho segundo São Mateus, capítulo 19 (“mas não foi assim desde o princípio”) devem ser contextualizadas no mundo judeu ao qual Ele falava e devem ser lidas através e uma antropologia e não de uma declaração jurídica.
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“Na verdade, a tradição católica de indissolubilidade está baseada em uma interpretação disciplinadora deste texto, apesar do seu conteúdo querigmático”, disse Pellettier, pois este é “o laço conjugal nos termos pelos quais Jesus o expressa e que está ligado diretamente à vocação daqueles que, através do batismo, serão submersos na morte e na ressurreição de Cristo”.
A teóloga francesa remarcou ainda que “os desafios atuais são uma prolongação da experiência da Igreja Católica no decorrer de uma história, na qual não deixaram de afirmar decididamente a indissolubilidade, enquanto os costumes ocorreram amplamente no princípio aceito pelas sociedades cristãs”.
Em seguida, Pellettier disse que “a atual situação antropológica de secularização é totalmente nova e provavelmente requer um desenvolvimento teológico”.
Pellettier fez alusão ao fruto do Sínodo da Família de 1980, a Familiaris Consortio publicada por São João Paulo II, pois esta ressalta o tema de que “para a Igreja, os esposos são então a permanente lembrança do que aconteceu na Cruz”.
Entretanto, acrescentou a teóloga, “não deve parecer que o mistério pascal fracassou, quando os casais cristãos se separam” e que um novo desafio é apresentado por aqueles batizados que “iniciam – por razões inseparáveis a suas histórias, sempre únicas – uma segunda união”.
“Na verdade, a vida conjugal está repleta de grandes dificuldades, estas vão além das quais são aceitadas pela teologia do matrimônio”, assinalou Pellettier.
Durante a exposição, o teólogo Thomas Soeding disse que “enquanto o matrimônio for indissolúvel, o Sínodo da Família a ser realizado em outubro deve desenvolver, com fidelidade à vontade de Jesus, a doutrina, moral e lei do matrimônio. A chave está em uma teologia do matrimônio e da família que renove em laço entre fé e amor, graça e liberdade, ética e lei. Quanto mais atrativo e claro for o modelo de matrimônio cristão, mais imediatamente será possível encontrar caminhos para aquelas pessoas que não podem celebrar tal matrimônio, para que estas vivam dentro da Igreja como um casal feliz”.
Eberhard Schokenhoff, professor de Teologia Moral na Universidade de Friburgo, falou também sobre a “teologia do amor” e propôs uma perspectiva claramente sociológica, usando algumas frases do psicanalista Erich Fromm e do sociólogo marxista Theodor Adorno.
Durante sua exposição, Schokenhoff denunciou a dificuldade de viver a vida cristã na sociedade atual, através da qual já não existe espaço para a transcendência. “Em primeiro lugar, é necessário admitir que o amor pode, de fato, terminar. Por este motivo, “se duas pessoas tomarem a decisão definitiva de um projeto de vida comum, isto não significa que não possam avaliar sua escolha”.
A irrevogabilidade da ação de casar-se está, de acordo ao teólogo Schockenhoff, “fundada de fato no que o amor quer. Desta maneira, a indissolubilidade do matrimônio não é um aspecto disposto que vem de fora; mas um pedido que os esposos fazem quando confiam em seu amor”.
François-Javier Amherdt, professor da Universidade de Friburgo, ressaltou que um ato sexual que ocorre fora do matrimônio “permanece incompleto” e a “fecundidade é necessária para exercitar plenamente a sexualidade”. Então, “o que devemos fazer com as relações sexuais que acontecem fora do matrimônio?’”.
Amherdt considerou ainda que alguém deve discernir “de acordo com cada situação… temos que pronunciar uma palavra antes de buscar a condenação, de acordo com a atenção pastoral do acompanhamento” e afirmou que nem todas as situações de convivência são iguais e que “a partir de uma perspectiva moral e pastoral” estas relações não podem ser “completamente desacreditadas como deficiências. Além disso, alguns casos ocorrem devido às pressões de contexto e a falta de referências na educação dos sentimentos”.
A teóloga Eva-Maria Faber logo desenvolveu a “teologia da biografia” mencionando que tradicionalmente a Igreja centralizou o tema do matrimônio como uma vida de comunhão que, “às vezes, leva os esposos a serem considerados somente como um casal. A pessoa individual, com sua biografia individual respectiva tende a permanecer excluída”.
Faber falou sobre o tema dos indivíduos e de suas ambições pessoais e além do matrimônio, enfatizou que “é deplorável que inclusive a teologia do matrimônio religioso com frequência não permite uma atenção suficiente dada à individualidade dos esposos no matrimônio”.
Logo, sugeriu que “uma perspectiva biográfica do matrimônio, adaptada a situações reais que levam para a espiritualidade correspondente do estado entre os esposos, também informaria a linguagem da Igreja”.
Tal perspectiva significaria que “o âmbito doutrinal e normativo não pode ser considerado em todas as situações individuais, em vez disso deve permanecer aberta a dignidade e a unicidade das pessoas individuais e da situação”, ressaltou Faber. Na sua opinião também deve existir uma “prática (desenvolvida) de reconhecer os casais” que “não se encaixam nas regras” da indissolubilidade do matrimônio.
Durante o debate, que começou depois das exposições, remarcou-se que “é incorreto” chamar “pecado permanente” as segundas núpcias e que a reconciliação é “irrenunciavelmente um caminho para todos os homens e para todas as situações da vida”.
“O fato de que para os divorciados em nova união… que são sexualmente ativos, não exista possibilidade de reconciliação, é uma rua sem saída”, conclui o grupo. “Esta situação deve ser superada, caso contrário a credibilidade da Igreja no tema da importância da reconciliação estará em perigo”.
Os participantes do encontro também sublinharam o papel da Eucaristia como “terapia e consolo” que não pode ser escurecida por seu “simbolismo de unidade da Igreja”.
Para terminar este encontro, a proposta dos bispos alemães e daqueles que os apoiam, está centrada em uma teologia humana que muda com o “espírito” dos tempos e que aceita todas as situações e opções difundidas atualmente, uma perspectiva que é totalmente contrária à doutrina da Igreja Católica.