Terceira Parte: A Evangelização na Igreja da América latina

Comunhão e Participação

563 Na América Latina, Deus nos chama para uma vida em Cristo Jesus. Urge anunciá-la a todos os irmãos. Esta missão incumbe à Igreja evangelizadora: pregar a conversão, libertar o homem e impulsioná-lo rumo ao mistério de comunhão com a Trindade e comunhão com todos os irmãos, transformando-os em agentes e cooperadores do desígnio de Deus. Como deve a Igreja viver a sua missão?

564 Cada batizado sente-se atraído pelo Espírito de Amor, que o impele a sair de si mesmo, a abrir-se para os irmãos e a viver em comunidade. Na união entre nós torna-se presente o Senhor Jesus Ressuscitado, que celebra sua Páscoa na América Latina.

565 Vejamos como se realiza de modo excelente o dom maravilhoso da vida nova em cada Igreja particular e também, numa escala crescente, na família, em pequenas comunidades e nas paróquias.A partir desses centros de evangelização, o Povo de Deus na História vai crescendo em graça e santidade, pelo dinamismo do Espírito e participação dos cristãos. Em seu seio surgem carismas e serviços.Como se diversificam entre si e se integram na vida eclesial os ministros hierárquicos, as mulheres e homens consagrados ao Senhor e, por fim, todos os membros do Povo de Deus, em sua missão evangelizadora?

566 Por que meios atuam os batizados? A ação do Espírito se faz sentir na oração e ao escutar a Palavra de Deus; aprofunda-se na catequese, celebra-se na liturgia, testemunha-se na vida, comunica-se na educação e compartilha-se no diálogo, que busca oferecer a todos os irmãos a vida nova que, sem merecimento da nossa parte, recebemos na Igreja como operários da primeira hora.


CONTEÚDO

Capítulo I: Centros de comunhão e participação
Capítulo II: Agentes de comunhão e participação
Capítulo III: Meios de comunicação e participação
Capítulo IV: O diálogo para a comunhão e participação.


CAPÍTULO I
CENTROS DE COMUNHÃO E PARTICIPAÇÃO


567 O mistério da Igreja, como comunidade fraterna de caridade teologal, fruto do encontro da Palavra de Deus e da celebração do Mistério Pascal de Cristo Salvador na eucaristia e nos demais sacramentos, confiada ao colégio apostólico presidido por Pedro para evangelizar o mundo, chega a enraizar-se e tende a desenvolver o seu dinamismo transformador da vida humana, tanto pessoal como social, em diversos níveis e circunstâncias, que constituem centros ou lugares preferenciais de evangelização, cujo intuito é edificar a Igreja e promover sua irradiação missionária.

Conteúdo

1. A família
2. As comunidades eclesiais de base (CEB), a paróquia e a Igreja particular.

A FAMÍLIA

568 Para chegar a ser realmente centro de comunhão e participação, a família latino-americana deve encontrar caminhos de renovação interna e de comunhão com a Igreja e o mundo.

569 Apraz-nos abordar tema da família como sujeito e objeto de evangelização. Conscientes de sua complexidade, mas dóceis à voz do Senhor tornada presente na palavra do Santo Padre em sua homilia sobre a família (Puebla, 28 de janeiro de 1979), desejamos, unindo-nos à sua preocupação, ajudá-la a ser fiel à sua missão evangelizadora na hora atual.

1. FAMÍLIA

A família, sujeito e objeto de evangelização, centro evangelizador de comunhão e participação.

1.1. Introdução

570 Os Padres da Conferência de Medellin perceberam um traço primordial da cultura latino-americana no grande senso de família que anima os nossos povos. "Passados dez anos, a Igreja da América Latina sente-se feliz por tudo o que logrou realizar em favor da família.Reconhece porém com humildade quanto lhe falta por fazer, quando percebe que a pastoral familiar, longe de ter perdido o seu caráter prioritário, revela-se hoje ainda mais urgente, como elemento sobremaneira importante da evangelização".

1.2. Situação da família na América. Latina

571 A família é uma das instituições em que mais influiu o processo de mudança dos últimos tempos.

572 A Igreja tem consciência - nos recordou o Papa - de que na família "repercutem os frutos mais negativos do subdesenvolvimento: índices verdadeiramente deprimentes de insalubridade, pobreza e até miséria, ignorância e analfabetismo, condições desumanas de moradia, subalimentação crônica e tantas outras realidades não menos confrangedoras" (João Paulo II, Homilia Puebla, 3-AAS, LXXI, p. 184).

573 Além disso, é preciso reconhecer que a realidade da família já não é uniforme, pois em cada família influem de maneira diversa - independentemente da classe social - fatores sujeitos a mudanças, como sejam: fatores sociológicos (injustiça social, principalmente) , culturais (qualidade de vida), políticos (dominação e manipulação), econômicos (salários, desemprego, pluriemprego), religiosos (influência secularista) entre tantos outros.

574 A família apresenta-se outrossim como vítima dos que convertem em ídolos o poder, a riqueza e o sexo.Para isto contribuem as estruturas injustas, sobretudo os meios de comunicação, não só com suas mensagens de sexo, lucro, violência, poder, ostentação, mas também pondo em destaque elementos que contribuem para propagar o divórcio, a infidelidade conjugal e o aborto ou a aceitação do amor livre e das relações pré-matrimoniais.Não poucas vezes, a desorientação das consciências se deve à falta de unidade de critério entre sacerdotes, na aceitação e aplicação da doutrina pontifícia acerca de importantes aspectos da moral familiar e social.

575 A família rural e suburbana sofrem particularmente os efeitos dos compromissos internacionais dos governos, no que respeita o planejamento familiar, traduzidos em imposição antinatalista e experiências que não levam em consideração a dignidade da pessoa nem o autêntico desenvolvimento dos povos.

576 Nesses setores populares, a situação de desemprego crônica e generalizada afeta a estabilidade familiar, já que a necessidade de trabalho força à emigração, ao absenteísmo dos pais, à dispersão dos filhos.

577 Em todos os níveis sociais, a família também sofre o impacto deletério da pornografia, do alcoolismo, das drogas, da prostituição e tráfico de brancas, assim como o problema das mães solteiras e das crianças abandonadas. Diante do fracasso dos anticoncepcionais químicos e mecânicos, passou-se à esterilização humana e ao aborto provocado, em cuja propaganda se lança mão de campanhas insidiosas.

578 Urge um acendrado esforço pastoral para evitar os males provenientes da falta de educação no amor, da falta de preparação para o matrimônio, do descuido na evangelização da família e na formação dos esposos para a paternidade responsável. Além disso, não podemos ignorar que grande número de famílias do nosso continente não recebeu o sacramento do matrimônio.Não obstante, muitas famílias dessas vivem em certa unidade, fidelidade e responsabilidade. Tal situação desperta interrogações teológicas e exige um adequado acompanhamento pastoral.

579 Pelo contrário, é satisfatório verificar que são cada dia mais numerosos os cristãos que procuram viver sua fé dentro do ambiente familiar e a partir dele, dando um valioso testemunho evangélico e educando outrossim com dignidade uma família razoavelmente numerosa.Não poucos são também os noivos que se preparam com seriedade para o matrimônio e tratam de dar à celebração deste um sentido verdadeiramente cristão. Nota-se também o empenho em revigorar a pastoral familiar e adaptá-la aos desafios e circunstâncias da vida moderna.

580 Em todos os países têm surgido iniciativas dignas de nota, orientadas a fortalecer os valores e a espiritualidade da família como Igreja doméstica, numa participação e compromisso com a Igreja particular. Nisso tudo revela-se o fruto da ação silenciosa e constante dos movimentos cristãos em prol da família.

581 Em toda a América, é dado visitar "casas onde não faltam o pão e o bem estar, mas talvez faltem a concórdia e a alegria; casas onde as famílias vivem antes modestamente e na insegurança do futuro, ajudando-se mutuamente a levar uma existência difícil, porém digna; habitações pobres das periferias de nossas cidades, onde há muito sofrimento escondido, embora exista dentro delas a singela alegria dos pobres; humildes choças de camponeses, de indígenas, de emigrantes, etc." (João Paulo II, Homilia Puebla, 4 - AAS, LXXI, p.186).

Concluiremos frisando que os mesmos fatos que acusam a desintegração da família "acabam pondo em destaque, de diversas maneiras, a índole autêntica dessa instituição" (GS 47) "que não foi abolida nem pela sanção do pecado original, nem pelo castigo do dilúvio" (Liturgia do Matrimônio), mas continua sofrendo os efeitos da dureza do coração humano.

1.3. Reflexão teológica sobre a família

582 A família é imagem de Deus, que "no mais íntimo do seu mistério não é uma solidão, mas uma família" (João Paulo II, Homilia Puebla, 2 - AAS, LXXI, p. 184). É uma aliança de pessoas, à qual se chega por vocação amorosa do Pai, que convida os esposos a uma "íntima comunidade de vida e de amor" (GS 48), cujo modelo é o amor de Cristo por sua Igreja. A lei do amor conjugal é comunhão e participação, não dominação.É uma exclusiva, irrevogável e fecunda entrega à pessoa amada, sem perder a própria identidade. Um amor assim compreendido em sua rica realidade sacramental, é mais do que um contrato; possui as características da aliança.

583 O casal santificado pelo sacramento do matrimônio é um testemunho da presença pascal dó Senhor. A família cristã cultiva o espírito de amor e serviço. Quatro relações fundamentais da pessoa encontram seu pleno desenvolvimento na vida da família: paternidade, filiação, irmandade, nupcialidade. Essas mesmas relações compõem a vida da Igreja: experiência de Deus como Pai, experiência de Cristo como irmão, experiência de filhos em, com e pelo Filho, experiência de Cristo como esposo da Igreja. A vida em família reproduz essas quatro experiências fundamentais e as compartilha em miniatura: são quatro facetas do amor humano.

584 Cristo, ao nascer, assumiu a condição das crianças: nasceu pobre e sujeito a seus pais. Toda criança - imagem de Jesus que nasce - deve ser acolhida com carinho e bondade. Ao transmitir a vida a um filho, o amor conjugal produz uma pessoa nova, singular, única e irrepetível. Neste momento começa para os pais o ministério da evangelização.Nisso devem eles fundar sua paternidade responsável: nas circunstâncias sociais, econômicas, culturais, demográficas em que vivemos, estariam os esposos capacitados para educar e evangelizar em nome de Cristo mais um filho? A resposta dos pais sensatos será fruto do reto discernimento e não da opinião estranha de pessoas, da moda, ou dos impulsos.Desta sorte, o instinto e o capricho cederão lugar à disciplina consciente e livre da sexualidade, por amor a Cristo, cujo rosto transparece no rosto da criança que se deseja e se traz livremente à vida.

585 A lenta e prazeirosa educação da família sempre importa em sacrifício, recordação da cruz redentora. Mas a íntima felicidade que dá aos pais, recorda-lhes também a ressurreição. Neste espírito de páscoa, evangelizam os pais a seus filhos e são por eles evangelizados .O reconhecimento das faltas e a sincera manifestação do perdão são elementos de conversão permanente e de permanente ressurreição. O ambiente de páscoa floresce em toda a vida cristã e se converte em profetismo, em contato com a divina Palavra. Mas evangelizar não é só ler a Bíblia, mas, a partir dela, trocar palavras de admiração, consolo, correção, luz, segurança.

586 A estabilidade nas relações entre pais e filhos é contagiante. Quando as demais famílias vêem como eles se amam, nasce o desejo e a prática dum amor que une as famílias entre si, como sinal da unidade do gênero humano .Cresce ali a Igreja mediante a integração das famílias pelo batismo que a todos torna irmãos. Onde a catequese robustece a fé, todos se enriquecem pelo testemunho das virtudes cristãs. Um sadio ambiente de união de famílias é lugar ímpar de se nutrirem e fortalecerem física e mentalmente os filhos em seus primeiros anos.Ali, os pais são mestres, catequistas e os primeiros ministros da oração e do culto a Deus. Renova-se a imagem de Nazaré: "Jesus crescia em sabedoria, tamanho e graça diante de Deus e dos homens" (Lc 2,52).

587 A sociedade, para que funcione, requer as mesmas exigências do lar: formar pessoas conscientes, unidas em comunidade de fraternidade para fomentar o desenvolvimento comum.A oração, o trabalho e a atividade educadora da família, como célula social, devem pois orientar-se a trocar as estruturas injustas pela comunhão e participação entre os homens e pela celebração da fé na vida cotidiano. "Na interpelação recíproca que se estabelece no decorrer dos tempos entre o Evangelho e a vida concreta pessoal e social" (EN 29), a família sabe ler e viver a mensagem explícita sobre os direitos e deveres da vida familiar. Por isso, denuncia e anuncia, compromete-se na transformação do mundo em sentido cristão e contribui para o progresso, a vida comunitária, o exercício da justiça distributiva, a paz.

588 Na eucaristia, a família encontra sua plenitude de comunhão e participação. Prepara-se para ela pelo desejo e busca do Reino, purificando a alma de tudo o que aparta de Deus.Em atitude de ofertório, exerce o sacerdócio comum e participa da eucaristia, para prolongá-la na vida pelo diálogo em que partilha a palavra, as preocupações, os planos, aprofundando-se com isto a comunhão familiar.Viver a eucaristia é reconhecer e compartilhar os dons que, por Cristo, recebemos do Espírito Santo.É aceitar a acolhida que os outras nos oferecem e deixa-los que entrem em nós mesmos. Com isso, ressurge o espírito da aliança: deixar que Deus entre em nossa vida e dela se sirva segundo sua vontade. Surge, então, no centro da vida familiar, a imagem forte e suave de Cristo, morto e ressuscitado.

589 Surge daí a missão da família. Esta Igreja doméstica, convertida pela força libertadora do Evangelho em "escola do mais rico humanismo" (GS 52) sabendo-se peregrina com Cristo e comprometida com Ele no serviço da Igreja particular, lança-se rumo ao futuro, disposta a superar as falácias do racionalismo e da sabedoria mundana que desorientam o homem moderno. Percebendo a realidade e atuando sobre ela, como Deus a vê e governa, busca maior fidelidade ao Senhor, para não adorar ídolos, e sim ao Deus vivo do amor.

1.4. Opções pastorais

590 Opção básica: Tendo em consideração os ensinamentos de Medellin, de Paulo VI e o recente magistério de João Paulo II acerca da família: "Envidai todos os esforços para que haja uma pastoral da família.ai assistência a um campo tão prioritário, na certeza de que, no futuro, a evangelização depende em grande parte da Igreja doméstica (Discurso Inaugural, IV a) - AAS, LXXI, p. 204), ratificamos a prioridade da pastoral familiar dentro da pastoral orgânica na América Latina.

Propomos um esquema elementar da pastoral familiar:

591 a) A pastoral familiar insere-se admiravelmente na pastoral de toda a Igreja: é evangelizadora, profética e libertadora.

592 * Anuncia o Evangelho do amor conjugal e familiar, como experiência pascal vivida na Eucaristia.

593 * Denuncia as falácias e corruptelas que embargam ou ensombram o Evangelho do amor conjugal e familiar.

594 * Procura caminhos para que os casais e as famílias possam progredir na sua vocação ao amor e em sua missão de formar pessoas, educar na fé, contribuir para o desenvolvimento. Nos casos tão freqüentes de famílias incompletas, devem-se buscar caminhos pastorais para sua devida assistência.

595 * Acolhe os casais e famílias, seja qual for a situação concreta de cada uma, e as acompanha com passos de bom Pastor que lhes compreende a fraqueza, ao ritmo de sua pobreza humana e de sua ignorância.

596 b ) Agentes desta pastoral são aqueles que se comprometem a viver o Evangelho da família e promovem comunidades eclesiais familiares, reduzidas ou amplas.

597 c) Oportunidades para desenvolver a pastoral familiar:

* nas ocasiões ricas de graça salvífica, que sobrevêm aos casais e nas famílias: noivado, casamento, paternidade e educação dos filhos, aniversários, batizados, primeiras comunhões, festas e celebrações familiares, sem excluir as crises da convivência familiar, horas. dolorosas como a enfermidade e a morte.

598 * Intimamente relacionado com a pastoral social está:

* o trabalho em prol da criação de estruturas e ambientes que tornem possível a vida em família;

* o lazer, providenciando ambientes seguros e construtivos para os filhos e para todos os jovens;

* a cultura, comunicando valores recebidos da história familiar e da história local;

* o apostolado, unindo-se em comunidades intimamente relacionadas com a hierarquia e comprometidas com a Igreja particular.

599 d) Baseando-se na Palavra, oferece princípios e modelos para a ação: preferência do "ser mais" sobre a tendência a possuir, poder, saber "mais", sem servir mais. Dar mais do que receber.

600 e) A pastoral familiar desenvolve-se:

* em atmosfera de confiança na verdade;

* na, integração dos valores naturais da família com a fé;

* com um discernimento cristão das circunstâncias, em vista da tomada de decisões.

Linhas de ação

601 a) Enriquecer e sistematizar a teologia da família, para lhe facilitar o conhecimento e o aprofundamento como "Igreja doméstica" , com o objetivo de iluminar as novas situações das famílias latino-americanas.

602 b) Afirmamos que, em toda pastoral familiar, deverá considerar-se a família como sujeito e agente insubstituível de evangelização e como base da comunhão na sociedade.

603 c) Promover no seio das famílias um profundo espírito de comunhão entre seus membros, com expressões de abertura e generoso serviço mútuo, procurando assim a realização da Boa Nova.

604 d) Repisar na necessidade duma educação de todos os membros da família na justiça e no amor, de tal sorte que passam ser agentes responsáveis, solidários e eficientes para promover soluções cristãs da complexa problemática social latino-americana.

605 e) Considerar a catequese pré-sacramental e sua celebração litúrgica como ocasiões privilegiadas para o anúncio do Evangelho do amor conjugal e familiar e resposta ao mesmo.

606 f ) Promover, como parte importante da educação progressiva no amor, a educação sexual, que deve ser oportuna e integral, e que faro descobrir a beleza do amor e o valor humano do sexo.

607 g) Acompanhar os esposos, para ajuda-los crescer na fé e aprofundar-se no mistério d0 matrimônio cristão. Assim, serão ajudados a ser felizes, ensinando-se-lhes a cultivar o amor, a entrar em diálogo, a trocar delicadezas e atenções, a centrar no lar todos os interesses da vida.

608 h) Atenda-se, numa atitude pastoral profundamente evangélica e com profundo senso de compreensiva prudência, ao doloroso problema das uniões matrimoniais de fato e das famílias incompletas.

609 i) Eduquem-se de preferência os esposos para uma paternidade responsável que os capacite não só para uma honesta regulação da fecundidade e para incrementar o gozo de sua complementariedade, mas também para fazer dela bons formadores de seus filhos.

610 j) Frente às campanhas antinatalistas, de origem governamental ou promovidas por outros países, proporcionem-se às famílias conhecimentos suficientes sobre os múltiplos efeitos negativos das técnicas imperantes nas filosofias neomaltusianas e proceda-se à aplicação integral das normas éticas clara e repetidas mente enunciadas pelo magistério.

611 Para conseguir uma honesta regulação da fecundidade, requer-se promover a existência de centros onde se ensinem cientificamente os métodos naturais, por meio de pessoal qualificado. Esta alternativa humanista evita os convenientes éticos e sociais da anticoncepção e da esterilização, que foram, historicamente passos prévios à legalização do aborto.

612 k) A pastoral do respeito ao direito básico à vida não deve ser circunscrita ao crime abominável do aborto, mas estender-se à defesa da integridade e saúde nos demais períodos e circunstâncias da existência humana.

613 l) Siga-se fielmente esta recomendação: "Em defesa da família... a Igreja se compromete a prestar sua ajuda e convida os governos a que estabeleçam como ponto-chave de sua ação uma política sócio-familiar inteligente, audaz, perseverante, reconhecendo que nisto se cifra indubitavelmente o porvir - a esperança - do Continente" (João Paulo II, Homilia Puebla., 3 - AAS, LXXI, p. 185).

614 m) Tanto nos seminários como nos institutos religiosos e outros centros, ministrar uma suficiente formação em pastoral familiar e, posteriormente, na formação permanente dos sacerdotes e demais agentes da evangelização.

615 n) Promovam-se e consolidem-se os movimentos e outras formas do apostolado familiar, respeitando seus próprios carismas dentro da pastoral de conjunto.

616 o) Para assegurar o bom êxito dessas linhas de ação, criem-se ou dinamizem-se centros de coordenação diocesana, nacional e latino-americana, para a pastoral familiar, com participação dos pais de família.

COMUNIDADES ECLESIAIS DE BASE, PARÓQUIA, IGREJA PARTICULAR

617 Além da família cristã, que é o primeiro centro de evangelização, o homem vive sua vocação fraterna no seio da Igreja particular, em comunidades que tornam presente e operante o desígnio salvífico do Senhor, vivido na comunhão e na participação.

618 Assim, dentro da Igreja particular, devem-se considerar as paróquias, as comunidades eclesiais de base e outros grupos eclesiais.

2. COMUNIDADES ECLESIAIS DE BASE, PARÓQUIA, IGREJA PARTICULAR

618 A Igreja é o Povo de Deus, que manifesta sua vida de comunhão e serviço evangelizador em diversos níveis e sob diversas formas históricas.

2.1. Situação

619 Em geral: em nossa Igreja da América Latina, há grande anseio de relações mais profundas e estáveis na fé, amparadas e animadas pela Palavra de Deus. Intensificaram-se a oração em comum e o esforço do povo por participar mais consciente e frutuosamente na liturgia.

620 Verificamos um crescimento na co-responsabilidade dos fiéis, tanto na organização como na ação natural.

621 Há uma consciência e um exercício mais amplos dos direitos e deveres que competem aos leigos como membros da comunidade.

622 Percebe-se um grande anseio de justiça e um sincero sentimento de solidariedade, num ambiente social caracterizado pelo avanço do secularismo e pelos demais fenômenos próprios duma sociedade em transformação.

623 Pouco a pouco, a Igreja foi-se desligando daqueles que detêm o poder econômico ou político, libertando-se de dependências e prescindindo de privilégios.

624 A Igreja na América Latina quer continuar dando um testemunho de serviço desinteressado e abnegado, em face de um mundo dominado pelo afã do lucro, pela ânsia do poder e pela exploração.

625 Numa linha de maior participação, surgem ministérios ordenados, como o diaconato permanente não ordenado e outros serviços, como os de proclamadores da Palavra, animadores de comunidades. Nota-se também uma melhoria na colaboração entre sacerdotes, religiosos e leigos.

626 Manifesta-se mais claramente em nossas comunidades, como fruto do Espírito Santo, um novo estilo de relacionamento entre bispos e presbíteros e destes com seu povo, caracterizado por maior simplicidade, compreensão e amizade no Senhor.

627 Tudo isso é um processo no qual ainda há amplos setores que manifestam alguma resistência e requerem compreensão e estímulo, assim como grande docilidade ao Espírito Santo. São precisas ainda maior abertura do clero para com a ação dos leigos, superação do individualismo pastoral e da auto-suficiência. Por outro lado, a influência do ambiente secularizado tem produzido, por vezes, tendências centrífugas com respeito à comunidade e perda do autêntico senso eclesial.

628 Nem sempre se encontraram os meios eficazes para superar a escassez de educação do nosso povo na fé, permanecendo este indefeso ante a difusão de doutrinas teológicas inseguras, em face do proselitismo sectário e dos movimentos pseudo-espirituais.

Em particular

629 Está comprovado que as pequenas comunidades, sobretudo as comunidades eclesiais de base criam maior inter-relacionamento pessoal, aceitação da Palavra de Deus, revisão de vida e reflexo sobre a realidade, à luz do Evangelho; nelas acentua-se o compromisso com a família, com o trabalho, o bairro e a comunidade local. Destacamos com alegria, como fato eclesial relevante e caracteristicamente nosso e como "esperança da Igreja" (EN 58), a multiplicação das pequenas comunidades.Esta expressão eclesial nota-se mais na periferia das grandes cidades e no campo. Constituem elas ambiente propício para o surgimento de novos serviços leigos. Nelas se tem difundido muito a catequese familiar e a educação dos adultos na fé, de forma mais adequada ao povo simples.

630 Todavia, não se deu suficiente atenção à formação de líderes educadores da fé e de cristãos responsáveis nos organismos intermediários do bairro, do mundo operário e agrário. Quem sabe, por isso mesmo não hajam faltado membros de comunidades ou comunidades inteiras que, atraídos por instituições puramente leigas ou ideologicamente radicalizadas, vão perdendo o autêntico senso eclesial.

631 A paróquia está conseguindo diversas formas de renovação, adequadas às mudanças desses últimos anos.Há mudança de mentalidade entre os pastores; os leigos são chamados para os conselhos de pastoral e demais serviços; constante atualização da catequese, maior presença, do presbítero no meio do povo, principalmente graças a uma rede de grupos e comunidades.

632 Na linha da Evangelização, a paróquia apresenta uma dupla relação de comunicação e comunhão pastoral: em nível diocesano, as paróquias se integram em regiões, vicariatos, decanatos; no interior de si mesmas, a pastoral se diversifica segundo os diferentes setores e se abre à criação de comunidades menores.

633 Contudo, ainda subsistem atitudes que obstam a este dinamismo de renovação: primazia do administrativo sobre o pastoral, rotina, falta de preparação para os sacramentos, autoritarismo de certos sacerdotes e fechamento da paróquia sobre si mesma, sem considerar as graves urgências apostólicas do conjunto.

634 Na Igreja particular, observa-se um notável esforço para adaptar o território em função de maior atendimento ao povo de Deus, com a criação de novas dioceses.Há empenho por dotar as Igrejas de organismos que promovam a co-responsabilidade, mediante canais. adequados para o diálogo, tais como conselhos presbiterais, conselhos de pastoral, comissões diocesanas, que promovem uma pastoral mais orgânica e adaptada à realidade peculiar de cada diocese.

635 Também há, por parte das comunidades religiosas e dos movimentos leigos, maior consciência da necessidade de inserir-se, com espírito eclesial, na missão da Igreja particular.

636 Em nível nacional, é notável o esforço em favor dum melhor exercício da colegialidade no seio das conferências episcopais, cada dia mais bem organizadas e dotadas de organismos subsidiários.Menção especial merece o desenvolvimento e a eficácia do serviço que o CELAM oferece à comunhão eclesial em todo o âmbito da América Latina.

637 Em nível universal, destacam-se as relações de intercâmbio fraterno por meio do envio de pessoal apostólico e da ajuda econômica, mantidas com os episcopados da Europa e da América do Norte, com o apoio da CAL, cuja confirmação e aprofundamento ensejam mais amplas oportunidades de participação intereclesial, sinal eminente de comunhão universal.

2.2. Reflexão doutrinal

638 O cristão vive em comunidade sob a ação do Espírito Santo, princípio invisível de unidade e comunhão, como também da unidade e variedade de estados de vida, ministérios e carismas.

639 O batizado, na Igreja doméstica que é sua família, é chamado à primeira experiência de comunhão na fé, no amor e no serviço ao próximo.

640 Nas pequenas comunidades, mormente nas mais bem constituídas, cresce a experiência de novas relações interpessoais na fé, o aprofundamento da palavra de Deus, a participação na eucaristia, a comunhão com os pastores da Igreja particular e um maior compromisso com a justiça na realidade social dos ambientes em que se vive. Pergunta-se quando é que uma pequena comunidade pode ser considerada verdadeira comunidade eclesial de base na América Latina?

641 A comunidade eclesial de base, enquanto comunidade, integra famílias, adultos e jovens, numa íntima relação interpessoal na fé.Enquanto eclesial, é comunidade de fé, esperança e caridade; celebra a palavra de Deus e se nutre da eucaristia, ponto culminante de todos os sacramentos; realiza a palavra de Deus na vida, através da solidariedade e compromisso com o mandamento novo do Senhor e torna presente e atuante a missão eclesial e a comunhão visível com os legítimos pastores, por intermédio do ministério de coordenadores aprovados.É de base por ser constituída de poucos membros, em forma permanente e à guisa de célula da grande comunidade. "Quando merecem o seu título de eclesialidade, elas podem reger, em solidariedade fraterna, sua própria existência espiritual e humana" ( EN 58 ).

642 Os cristãos unidos em comunidade eclesial de base, fomentando sua adesão a Cristo, procuram uma vida mais evangélica no seio do povo, colaboram para questionar as raízes egoístas e de consumismo da sociedade e explicitam a vocação para a comunhão com Deus e com os irmãos, oferecendo um valioso ponto de partida para a construção duma nova sociedade, "a civilização do amor".

643 As comunidades eclesiais de base são expressão de amor preferencial da Igreja pelo povo simples; nelas se expressa, valoriza e purifica sua religiosidade e se lhe oferece possibilidade concreta de participação na tarefa eclesial e no compromisso de transformar o mundo.

644 A paróquia realiza uma função de Igreja em certo sentido integral, já que acompanha as pessoas e famílias no decorrer de toda a sua existência, na educação e crescimento na, fé.É centro de coordenação e animação de comunidades, grupos e movimentos. Aqui, amplia-se mais o horizonte de comunhão e participação. A celebração da eucaristia e demais sacramentos torna presente de maneira mais clara a totalidade da Igreja.O seu vínculo com a comunidade diocesana é garantido pela união com o bispo, que confia a seu representante ( normalmente o pároco ) o cuidado pastoral da comunidade.A paróquia vem a ser para o cristão o lugar de encontro, de fraterna comunicação de pessoas e de bens, superando as limitações próprias às pequenas comunidades. Na paróquia se assume, de fato, uma, série de serviços que não estão ao alcance das comunidades menores, sobretudo em nível missionário e na promoção da dignidade da pessoa humana, atingindo-se, assim, os migrantes mais ou menos estáveis, os marginalizados, os separados, os não-crentes e, em geral, os mais necessitados.

645 Na Igreja particular, constituída à imagem da Igreja universal, encontra-se e opera verdadeiramente a Igreja de Cristo que é una, santa, católica e apostólica .Ela .é uma parte do povo de Deus, definida por um contexto sócio-cultural mais amplo, onde se encarna. Sua primazia no conjunto das comunidades eclesiais deve-se ao fato de ser presidida pelo bispo, dotado de forma plena e sacramental do tríplice ministério de Cristo, cabeça do corpo místico, profeta, sacerdote e pastor. O bispo é, em cada Igreja particular, princípio e fundamento de unidade da mesma.

646 Por serem sucessores dos apóstolos, os bispos tornam presente a apostolicidade de toda a Igreja através de sua comunhão com o colégio episcopal e, de maneira especial, com o Romano Pontífice; garantem a fidelidade ao Evangelho; realizam a comunhão com a Igreja universal e promovem a colaboração do seu presbitério e o crescimento do povo de Deus, confiado a seus cuidados.

647 Responsabilidade do bispo será discernir os carismas e incentivar os ministérios indispensáveis para que a diocese cresça até a maturidade, como comunidade evangelizada e evangelizadora, de tal sorte que seja luz e fermento da sociedade, sacramento da unidade e de libertação integral, apta para o intercâmbio com as demais Igrejas particulares, animada de espírito missionário, que a faça irradiar a riqueza evangélica amealhada em seu interior.

2.3. Linhas pastorais

648 Como pastores, queremos resolutamente promover, orientar e acompanhar as comunidades eclesiais de base, de acordo com o espírito de Medellin e os critérios da Evangelii Nuntiandi, 58; favorecer o descobrimento e a formação gradual de animadores para elas. Em especial, é preciso procurar como possam as pequenas comunidades, que se multiplicam sobretudo na periferia e nas zonas rurais, adaptar-se também à pastoral das grandes cidades do nosso Continente.

649 Nas paróquias, é preciso prosseguir no esforço de renovação, superando os aspectos meramente administrativos; buscando maior participação dos leigos, mormente no conselho pastoral; dando prioridade aos apostolados organizados e formando os seculares para que assumam, como cristãos, suas responsabilidades na. comunidade e no ambiente social.

650 Deve-se insistir numa opção mais decidida em favor da pastoral de conjunto, especialmente com a colaboração das comunidades religiosas, promovendo grupos, comunidades e movimentos; animando-as a um esforço constante de comunhão, fazendo da paróquia o centro de promoção e dos serviços que as comunidades menores não podem assegurar.

651 Devem-se incentivar as experiências para desenvolver a ação pastoral de todos os agentes nas paróquias e animar a pastoral vocacional dos ministérios consagrados, dos serviços leigos e da vida religiosa.

652 Digno de especial reconhecimento e duma palavra de animação são os presbíteros e outros agentes de pastoral, a quem a comunidade diocesana deve dar apoio, estímulo e solidariedade, também no que se refere ao necessário sustento e segurança social, dentro do espírito de pobreza.

653 Dentre os presbíteros, queremos ressaltar a figura do pároco, como pastor à semelhança de Cristo, promotor de comunhão com Deus e entre os irmãos, a cujo serviço se dedica junto com seus coirmãos presbíteros em torno do bispo: atento a discernir os sinais dos tempos com o seu povo; animador de comunidades.

654 No âmbito da Igreja particular, procure-se garantir a constante formação e renovação dos agentes de pastoral, promovendo a espiritualidade e os cursos de capacitação, mediante centros de retiro e dias de oração. Urge que as cúrias diocesanas cheguem a ser centros mais eficazes de promoção pastoral em seus três níveis, de catequese, liturgia e serviços de justiça e caridade, reconhecendo o valor pastoral do serviço administrativo.Deve-se intentar com especial empenho a integração dos conselhos diocesanos de pastoral e outros organismos diocesanos que, embora apresentem algumas dificuldades, são instrumentos indispensáveis de planejamento, implementação e constante acompanhamento da ação pastoral na vida da diocese.

655 A Igreja particular dará maior relevo a seu caráter missionário e à comunhão eclesial, partilhando valores e experiências, bem como favorecendo o intercâmbio de pessoas e bens.

656 Através de seus pastores, pela colegialidade episcopal e união com o Vigário de Cristo, a comunidade diocesana deve intensificar sua estreita comunhão com o centro de unidade da Igreja e sua aceitação leal do serviço que ele oferece, por seu magistério, na fidelidade ao Evangelho e na vivência da caridade. Nisto vai incluída a colaboração na ação - em nível continental - por meio do CELAM e de seus programas.

657 Nós nos empenhamos para que esta colegialidade, da qual Puebla, com as duas Conferências Gerais que a precederam, constitui um momento privilegiado, seja o sinal mais eficaz de credibilidade do anúncio e serviço do evangelho, em favor da comunhão fraterna em toda a América Latina.

Nossa missão é a verdade. Junte-se a nós!

Sua doação mensal ajudará nossa equipe a continuar relatando a verdade, com justiça, integridade e fidelidade a Jesus Cristo e sua Igreja.