A Quaresma é o tempo de uma particular solicitude de Deus
1. Tem início hoje, com a austera cerimónia da imposição das cinzas, o itinerário penitencial da Quaresma. Este ano ele é marcado de modo particular pelo apelo à misericórdia divina: com efeito, estamos no Ano do Pai, que imediatamente nos prepara para o Grande Jubileu do Ano 2000.
«Pai, pequei contra ti...» (Lc 15, 18). Estas palavras, no período da Quaresma, suscitam singular emoção, sendo este um tempo em que a Comunidade eclesial é convidada à profunda conversão. Se é verdade que o pecado fecha o homem a Deus, ao contrário, a sincera confissão dos pecados abre-lhe a consciência à acção regeneradora da Sua graça. Com efeito, o homem não encontrará de novo a amizade com Deus enquanto não brotarem dos seus lábios e do seu coração as palavras: «Pai, pequei». O seu esforço, então, torna-se eficaz pelo encontro de salvação que se verifica graças à morte e ressurreição de Cristo. É no mistério pascal, coração da Igreja, que o penitente recebe como dom o perdão das culpas e a alegria do renascimento para a vida imortal.
2. À luz desta extraordinária realidade espiritual, adquire uma imediata eloquência a parábola do filho pródigo, com a qual Jesus quis falar-nos da terna misericórdia do Pai celeste. Três são os momentos-chave na história deste jovem, com o qual cada um de nós, num certo sentido, se identifica quando cede à tentação e cai no pecado.
O primeiro momento: o afastamento. Afastamo-nos de Deus, como aquele filho do seu pai, quando, esquecendo que os bens e os talentos que possuímos foram dados por Deus como uma tarefa, os desperdiçamos com grande leviandade. O pecado é sempre um desperdício da nossa humanidade, esbanjamento de valores mais do que nunca preciosos, tais como a dignidade da pessoa e a herança da graça divina.
O segundo momento é o processo de conversão. O homem, que com o pecado se afastou voluntariamente da casa paterna, ao verificar quanto perdeu, amadurece em si mesmo o passo decisivo do retorno: «Levantar-me-ei e irei ter com meu pai» (Lc 15, 18). A certeza de que Deus «é bom e me ama» é mais forte do que a vergonha e o desânimo: com uma luz nova ilumina o sentido da culpa e da própria indignidade.
Enfim, o terceiro momento: o retorno. Uma coisa é importante para o pai: o filho foi reencontrado. O abraço entre ele e o filho pródigo torna-se a festa do perdão e da alegria. Comovedora é esta cena evangélica, que manifesta em cada pormenor a atitude do Pai do Céu, «rico em misericórdia» (cf. Ef 2, 4).
3. Quantos homens de todos os tempos reconheceram nesta parábola os traços fundamentais da sua história pessoal! O caminho que, depois da triste experiência do pecado, reconduz à casa do Pai passa através do exame de consciência, do arrependimento e do firme propósito de conversão. É um processo interior que muda o modo de avaliar a realidade, faz tocar com a mão a própria fragilidade e impele o crente a abandonar-se entre os braços de Deus. Quando o homem, sustentado pela graça, percorre no íntimo do seu espírito estas etapas, nasce nele a necessidade viva de se encontrar consigo mesmo e com a dignidade de filho, no abraço do Pai.
Esta parábola, tão querida à tradição da Igreja, descreve assim, de modo simples e profundo, a realidade da conversão, oferecendo a expressão mais concreta da obra da misericórdia divina no mundo humano. O amor misericordioso de Deus «reavalia, promove e sabe tirar o bem de todas as formas de mal existentes no mundo e no homem... constitui o conteúdo fundamental da mensagem messiânica de Cristo e a força constitutiva da sua missão» (cf. Dives in misericordia, 6).
4. No início da Quaresma é importante preparar o nosso espírito para receber em abundância o dom da misericórdia divina. A palavra de Deus exorta-nos a converter-nos e a crer no Evangelho, e a Igreja indica-nos na oração, na penitência e no jejum, assim como na generosa ajuda aos irmãos os meios, através dos quais podemos entrar no clima da autêntica renovação interior e comunitária. É-nos concedido, desse modo, experimentar a superabundância do amor do Pai celeste, que em plenitude foi dado à humanidade inteira no mistério pascal. Poderíamos dizer que a Quaresma é o tempo duma particular solicitude de Deus ao perdoar e remir os nossos pecados: é o tempo da reconciliação. Por este motivo, ela é mais do que nunca período propício para que nos aproximemos, de maneira frutuosa, do sacramento da Penitência.
Caríssimos Irmãos e Irmãs, conscientes de que a nossa reconciliação com Deus se efectua graças a uma autêntica conversão, percorramos a peregrinação quaresmal com o olhar fixo em Cristo, nosso único Redentor.
A Quaresma ajudar-nos-á a cair em nós mesmos, a abandonar com coragem tudo o que nos impede de seguir o Evangelho com fidelidade. Contemplemos, de maneira especial nestes dias, o ícone do abraço entre o Pai e o filho que retornou à casa paterna, que bem simboliza o tema deste ano que nos introduz no Grande Jubileu do Ano 2000. O abraço da reconciliação entre o Pai e a inteira humanidade pecadora aconteceu no Calvário. O Crucificado, sinal do amor de Cristo que Se imolou pela nossa salvação, suscite, no coração de cada homem e de cada mulher do nosso tempo, aquela mesma confiança que animou o filho pródigo a dizer: «Levantar-me-ei e irei ter com meu pai, e dir-lhe-ei: Pai, pequei!». Ele recebeu como dom o perdão e a alegria.