LOS ANGELES, Oct 11, 2011 / 12:09 pm
O Prefeito da Congregação para o Clero no Vaticano, o Cardeal Mauro Piacenza, explicou em entrevista exclusiva concedida ao grupo ACI a “crise” do sacerdócio católico que os meios seculares pretendem apresentar, assim como o que cada presbítero deve viver para ser fiel à sua vocação.
Pelo seu cargo, o Cardeal Piacenza é o principal encarregado na Santa Sé, depois do Papa, de promover iniciativas para a santidade e a formação do clero: sacerdotes diocesanos e diáconos. Também se encarrega da formação religiosa de todos os fiéis, especialmente da catequese. E tem ademais um trabalho menos conhecido de conservar e administrar os bens temporais da Igreja.
O Cardeal Piacenza nasceu no dia 15 de setembro de 1944 em Gênova na Itália. Foi ordenado sacerdote no dia 21 de dezembro de 1969. Tem um doutorado em direito canônico. Foi designado Presidente da Comissão Pontifícia para os Bens Culturais da Igreja em 13 de outubro de 2003 e recebeu a ordenação episcopal no dia 15 de novembro desse mesmo ano.
Foi nomeado secretário da Congregação para o Clero e elevado à dignidade de Arcebispo no dia 7 de maio de 2007. Em seguida foi nomeado Prefeito da mesma Congregação no dia 7 de outubro de 2010 tendo sido criado Cardeal em 20 de novembro desse mesmo ano.
A seguir publicamos na íntegra a entrevista exclusiva concedida ao grupo ACI na cidade de Los Angeles (Estados Unidos) onde o Cardeal Piacenza realizou diversas atividades, e entre elas, um encontro com os sacerdotes diocesanos desta diocese, a maior do país norte-americano.
Grupo ACI: Uma conjunção de fatos e de sobreexposição na imprensa secular criou uma “crise”, por assim dizê-lo, da imagem do sacerdote católico. Como resgatar esta imagem para o bem da Igreja?
Cardeal Piacenza: Na teologia católica, imagem e realidade jamais se separam. A imagem é curada ao curar a interioridade. Devemos curar sobre tudo “por dentro”. Não devemos preocupar-nos muito por “aparentar por fora”, mas por “ser realmente”. É fácil individualizar as regras que movem ao exterior e os conseguintes interesses entrecruzados; nós não devemos jamais esconder-nos, mas, onde seja necessário, devemos reconhecer com humildade e verdade os erros, com a capacidade de reparar, seja humanamente, seja espiritualmente, confiando mais no Senhor que nas nossas pobres forças humanas.
Assim vem o resgate! Se o sacerdote for aquilo que deve ser: homem de Deus, homem do sagrado, homem de oração e, por isso, totalmente ao serviço dos demais homens, da fé deles, do seu bem autêntico e integral, seja espiritual ou material, e do bem da comunidade como tal.
Grupo ACI: Como fazer que tantos católicos desiludidos que vêem o chamado “escândalo sexual” da Igreja entendam que isto não define em absoluto o sacerdócio ministerial nem a Igreja?
Cardeal Piacenza: É humanamente compreensível, como o Santo Padre referiu na entrevista durante o vôo da sua última viagem apostólica à Alemanha, que alguns possam pensar que não podem reconhecer-se em uma Igreja na qual acontecem certos atos infames. Entretanto, o próprio Bento XVI, naquela ocasião, convidava com claridade a ir ao fundo da natureza da Igreja, que é o Corpo vivente de Cristo ressuscitado, que prolonga no tempo sua existência e ação salvífica.
O horrível pecado de alguns não deslegitima o bom proceder de muitos, nem muda a natureza da Igreja. Certamente debilita enormemente sua credibilidade e, por isso, estamos chamados a obrar incessantemente pela conversão de cada um e por aquela radicalidade evangélica e fidelidade, que sempre devem caracterizar um autêntico Ministro de Cristo. Recordemos que para ser verdadeiramente acreditáveis é necessário crer verdadeiramente.
Grupo ACI: Alguns acreditam que esta “crise” seja ainda um argumento mais para as “reformas exigidas” sobre o modo de viver o sacerdócio. Fala-se, por exemplo, de sacerdotes casados como uma solução tanto para a solidão dos sacerdotes como para a falta de vocações sacerdotais. O que significa verdadeiramente a “reforma do clero” no pensamento e magistério do Santo Padre Bento XVI?
Cardeal Piacenza: Se aqueles que argumentam isto fossem seguidos, criariam um crack inaudito. Os remédios sugeridos agravariam terrivelmente os males e seguiriam a lógica inversa do Evangelho. Fala-se de solidão? Mas por quê? Acaso Cristo é um fantasma? A Igreja é um cadáver ou está viva? Os Santos sacerdotes dos séculos passados foram homens anormais? A santidade é uma utopia, um assunto para poucos predestinados, ou uma vocação universal, como nos recordou o Concílio Vaticano II?
Não se deve baixar e sim elevar o tom: esse é o caminho. Se a subida for árdua devemos tomar vitaminas, devemos reforçar-nos e, fortemente motivados, sobe-se com muita alegria no coração.
Vocação significa “chamada” e Deus segue chamando, mas é necessário poder escutar e, para escutar, é necessário não ter as orelhas tampadas, é necessário fazer silêncio, é necessário poder ver exemplos e sinais, é necessário olhar a Igreja como o Corpo, no qual ocorre sempre o acontecimento do Encontro com Cristo.
Para ser fiéis é necessário estar apaixonados. Obediência, castidade no celibato, dedicação total no serviço pastoral sem limite de calendário ou de horário, se estamos realmente apaixonados, não são percebidos como constrições, mas como exigências do amor que constitutivamente não poderia não doar-se. Não são tantos “nãos” mas um grande “sim” como aquele da Santa Virgem na Anunciação.
A reforma do clero? É o que eu invoco desde que era seminarista e logo um jovem sacerdote (falo dos anos 1968 -1969) e me enche de alegria escutar como o Santo Padre invoca continuamente tal reforma como uma das mais urgentes e necessárias na Igreja. Mas recordemos que a reforma da qual se fala não é “mundana” e sim católica!
Acredito que, em uma extrema síntese, pode-se dizer que o Papa considera muito importante um clero seguro e humildemente orgulhoso da própria identidade, completamente identificado com o dom de graça recebido e pelo qual, conseguintemente, seja clara a distinção entre “Reino de Deus” e mundo. Um clero não secularizado, que não sucumbe às modas passageiras nem aos costumes do mundo.
Um clero que reconheça, viva e proponha a primazia de Deus e, de tal primazia, saiba fazer descender todas as conseqüências. Mais simplesmente a reforma consiste em ser o que devemos ser e procurar cada dia chegar a ser o que somos. Trata-se então de não confiar tanto nas estruturas, nas programações humanas, mas sim e sobre tudo na força do Espírito.
Grupo ACI: Fala-se com freqüência também do “sacerdócio feminino”. De fato existe nos Estados Unidos um movimento que pretende e exige o sacerdócio e a ordenação de bispas mulheres, e que afirmam ter recebido tal mandato dos sucessores dos Apóstolos.
Cardeal Piacenza: A Tradição Apostólica, neste sentido, é de uma claridade absolutamente inequívoca. A grande e ininterrupta Tradição eclesiástica sempre reconheceu que a Igreja não recebeu de Cristo o poder de conferir a ordenação às mulheres.
Qualquer outra reivindicação tem o sabor da auto-justificação e é, histórica e dogmaticamente, infundada. Em qualquer sentido, a Igreja não pode “inovar” simplesmente porque não tem o poder para fazê-lo neste caso. A Igreja não tem um poder superior ao de Cristo!
Onde vemos comunidades não católicas guiadas por mulheres, não devemos nos maravilhar porque onde não é reconhecido o sacerdócio ordenado, a guia obviamente é confiada a um fiel leigo e, em tal caso, que diferença existe se esse fiel for homem ou mulher? A preferência de um sobre outro seria só um dado sociológico e portanto mutável, em evolução. Se fossem apenas homens então seria discriminador. A questão não é entre homens e mulheres mas entre fiéis ordenados e fiéis leigos, e a Igreja é hierárquica porque Jesus Cristo a fundou assim.
O Sacerdócio ordenado, próprio da Igreja Católica e das Igrejas Ortodoxas, está reservado aos homens e isto não é discriminação à mulher mas simplesmente conseqüência da insuperável historicidade do evento da Encarnação e da teologia paulina do corpo místico, no qual cada um tem seu próprio papel e se santifica e produz fruto em coerência com o próprio lugar.
Se logo depois tudo isto for interpretado em chave de poder, então estamos completamente fora do caminho, porque na Igreja só a Beata Virgem Maria é “onipotência suplicante”, como nenhum outro o é, pelo qual uma mulher é bastante mais poderosa que São Pedro. Mas Pedro e a Virgem têm papéis diferentes e ambos essenciais. Eu escutei muito isto também em não poucos ambientes da Comunhão anglicana.
Grupo ACI: Do ponto de vista das cifras e da qualidade, como aparece a Igreja Católica hoje, em comparação com seu passado recente, e como se vê no futuro?
Cardeal Piacenza: Em geral, a Igreja Católica está crescendo no mundo, sobre tudo graças à enorme contribuição dos continentes asiático e africano. Essas jovens Igrejas aportam sua fundamental contribuição em ordem à frescura da fé.
Nas últimas décadas –se me concede a expressão– estivemos jogando rugby com a fé, colidindo, e às vezes machucando-nos muito, e ao final ninguém chegou a lugar nenhum. Houve e há problemas na Igreja, mas é necessário olhar para frente com grande esperança! Nem tanto em nome de um ingênuo ou superficial otimismo, mas em nome da magnífica esperança que é Cristo, concretizada na fé cada um, na santidade de cada um e na perene autêntica reforma da Igreja.
Se o grande evento do Concílio Ecumênico Vaticano II foi um vento do Espírito que entrou pelas janelas da Igreja abertas ao mundo, é necessário reconhecer que, com o Espírito, entrou também não pouco vento mundano, gerou-se uma corrente e as folhas voaram pelos ares. Está tudo, nada se perdeu, entretanto é necessário, com paciência, voltar a pôr ordem.
Ordena-se sobre tudo afirmando com força o primado de Cristo Ressuscitado, presente na Eucaristia. Há uma grande batalha pacífica a ser feita e é a da Adoração eucarística perpétua, para que o mundo inteiro faça parte de uma rede de oração que, unida ao Santo Rosário, vivido como ruminação dos mistérios salvíficos de Cristo, junto a Maria, seja gerado e desenvolvido um movimento de reparação e penetração.
Sonho com um tempo próximo no qual não exista uma só diocese na qual não haja uma igreja ou pelo menos uma capela na qual dia e noite se adore o Amor sacramentado. O Amor deve ser amado! Em cada diocese, e melhor ainda se também em cada cidade e povoado, houvesse mãos elevadas ao céu para implorar uma chuva de misericórdia sobre todos, próximos e longínquos, então tudo mudaria.
Recordam o que acontecia quando Moisés tinha as mãos elevadas e o que acontecia quando as deixava cair? Jesus veio para trazer o fogo e seu desejo é que arda em todo lugar para exista a civilização do amor.
Este é o clima da reforma católica, o clima para a santificação do clero e para o crescimento de santas vocações sacerdotais e religiosas, este é o clima para o crescimento de famílias cristãs verdadeiras igrejas domésticas, eis o clima para a colaboração de fiéis leigos e clérigos.
Sim, porém é preciso acreditar em tudo isto verdadeiramente e nos Estados Unidos sempre houve e ainda há muitos recursos prometedores. Adiante!
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