26 de dezembro de 2024 Doar
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TEXTO: Homilia do Papa Francisco em Ciudad Juárez, sua última Missa no México

Papa Francisco | Foto Captura do Youtube

A última atividade do Papa Francisco no México antes de voltar para Roma foi uma multitudinária Missa celebrada nesta cidade fronteiriça, onde se vê com ênfase a dura realidade dos migrantes. A seguir, a homilia completa do Papa Francisco:

A glória de Deus é a vida do homem: dizia Santo Ireneu, no século II; uma afirmação, que continua a ressoar no coração da Igreja. A glória do Pai é a vida dos seus filhos. Não há maior glória para um pai do que ver a realização dos seus; não há maior satisfação do que vê-los avançar, vê-los crescer e desenvolver-se. Assim o atesta a primeira Leitura que escutámos e nos falava de Nínive, uma grande cidade que se estava autodestruindo em consequência da opressão e degradação, da violência e injustiça. A grande capital tinha os dias contados, pois não era mais tolerável a violência nela gerada. Então aparece o Senhor movendo o coração de Jonas; aparece o Pai convidando e enviando o seu mensageiro. Jonas é chamado para receber uma missão: Vai lá! Porque, «dentro de quarenta dias, Nínive será destruída» (Jn 3, 4). Vai! Ajuda-os a compreender que, com esta forma de comportar-se, regular-se, organizar-se, a única coisa que estão a gerar é morte e destruição, sofrimento e opressão. Faz-lhes ver que não há vida para ninguém, nem para o rei nem para o súbdito, nem para os campos nem para o gado. Vai e anuncia que eles se habituaram de tal maneira à degradação, que perderam a sensibilidade perante o sofrimento. Vai e diz-lhes que a injustiça se apoderou do seu olhar. Por isso, Jonas parte; Deus envia-o para pôr em evidência o que estava a acontecer; envia-o para despertar um povo inebriado de si mesmo.

Neste texto, encontramo-nos perante o mistério da misericórdia divina. A misericórdia sempre rejeita o mal, tomando muito a sério o ser humano; sempre faz apelo à bondade adormecida, anestesiada, de cada pessoa. Longe de aniquilar, como muitas vezes pretendemos ou queremos fazê-lo, a misericórdia aproxima-se de cada situação para a transformar a partir de dentro. Isto é precisamente o mistério da misericórdia divina: aproxima-se e convida à conversão, convida ao arrependimento; convida a ver o dano que está a ser causado a todos os níveis. A misericórdia sempre entra no mal para o transformar.

O rei ouviu, os habitantes da cidade reagiram e foi decretado o arrependimento. A misericórdia de Deus entrou no coração, revelando e manifestando algo que será a nossa certeza e a nossa esperança: há sempre a possibilidade de mudar, estamos a tempo de reagir e transformar, modificar e alterar, converter aquilo que nos está a destruir como povo, o que nos está a degradar como humanidade. A misericórdia anima-nos a olhar o presente e confiar naquilo que, de são e bom, está escondido em cada coração. A misericórdia de Deus é o nosso escudo e a nossa fortaleza.

Jonas ajudou a ver, a tomar consciência. Que se passa depois? O seu apelo encontra homens e mulheres capazes de se arrependerem, capazes de chorar: deplorar a injustiça, deplorar a degradação, deplorar a opressão. São as lágrimas que podem abrir o caminho à transformação; são as lágrimas que podem abrandar o coração, são as lágrimas que podem purificar o olhar e ajudar a ver a espiral de pecado em que muitas vezes se está enredado. São as lágrimas que conseguem sensibilizar o olhar e a atitude endurecida, e sobretudo adormecida, perante o sofrimento alheio. São as lágrimas que podem gerar uma ruptura capaz de nos abrir à conversão.

Hoje esta palavra ressoa vigorosamente no meio de nós; esta palavra é a voz que clama no deserto e nos convida à conversão. Neste Ano da Misericórdia, quero implorar convosco neste lugar a misericórdia divina, quero pedir convosco o dom das lágrimas, o dom da conversão.

Aqui em Ciudad Juárez, como noutras áreas fronteiriças, concentram-se milhares de migrantes da América Central e doutros países, sem esquecer tantos mexicanos que procuram também passar para «o outro lado». Uma passagem, um caminho carregado de injustiças terríveis: escravizados, sequestrados, objetos de extorsão, muitos irmãos nossos acabam vítimas do tráfico humano.

Não podemos negar a crise humanitária que, nos últimos anos, levou à migração de milhares de pessoas, quer por via ferroviária ou rodoviária quer mesmo a pé atravessando centenas de quilómetros de montanhas, desertos, caminhos inóspitos. Hoje, esta tragédia humana que é a migração forçada, tornou-se um fenómeno global. Esta crise que se pode medir em números, queremos medi-la por nomes, por histórias, por famílias. São irmãos e irmãs que partem, forçados pela pobreza e a violência, pelo narcotráfico e o crime organizado. No meio de tantas lacunas legais, estende-se uma rede que apanha e destrói sempre os mais pobres. À pobreza que já sofrem, vem juntar-se o sofrimento destas formas de violência. Uma injustiça que se radicaliza ainda mais contra os jovens: como «carne de canhão», eles veem-se perseguidos e ameaçados quando tentam sair da espiral de violência e do inferno das drogas.

Peçamos ao nosso Deus, o dom da conversão, o dom das lágrimas. Peçamos-Lhe a graça de ter o coração aberto, como os Ninivitas, ao seu apelo no rosto sofredor de tantos homens e mulheres. Não mais morte nem exploração! Há sempre tempo para mudar, há sempre uma via de saída e uma oportunidade, é sempre tempo para implorar a misericórdia do Pai.

Hoje, como sucedeu no tempo de Jonas, também apostamos na conversão; há sinais que se tornam luz no caminho e anúncio de salvação. Conheço o trabalho de muitas organizações da sociedade civil em favor dos direitos dos migrantes. Estou a par também do trabalho generoso de muitas irmãs religiosas, de religiosos e sacerdotes, de leigos votados ao acompanhamento e à defesa da vida. Prestam ajuda na vanguarda, muitas vezes arriscando a própria vida. Com a sua vida, são profetas de misericórdia, são o coração compreensivo e os pés da Igreja que acompanha, que abre os seus braços e apoia.

É tempo de conversão, é tempo de salvação, é tempo de misericórdia. Por isso, juntamente com o sofrimento de tantos rostos, digamos: «Pela vossa imensa compaixão e misericórdia, Senhor, tende piedade de nós (...), purificai-nos dos nossos pecados e criai em nós um coração puro, um espírito novo» (cf. Sal 51/50, 3.4.12).

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