18 de dezembro de 2024 Doar
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Papa critica os “novos direitos” surgidos após as revoltas de maio de 1968

Papa pronuncia seu discurso ante o Corpo Diplomático. | Vatican Media

Em seu tradicional discurso ante o Corpo Diplomático acreditado junto à Santa Sé, o Papa Francisco rechaçou os "novos direitos" surgidos ao longo dos últimos anos, em especial após as revoltas em Paris, de Maio de 1968, e que, em muitos casos, se contradizem entre si e contrariam os direitos humanos fundamentais.

O Santo Padre dedicou grande parte de seu discurso, pronunciado no Palácio Apostólico do Vaticano, a refletir sobre o respeito aos direitos humanos, por ocasião dos 70 anos da adoção, por parte de Assembleia Geral das Nações Unidas, da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que aconteceu em 10 de dezembro de 1948.

Afirmou que "o pressuposto de tais direitos deriva da natureza que acomuna objetivamente o gênero humano. E foram enunciados para remover os muros de separação que dividem a família humana e favorecer o que a doutrina social da Igreja designa como desenvolvimento humano integral".

Pelo contrário, "uma visão redutiva da pessoa humana abre o caminho à difusão da injustiça, da desigualdade social e da corrupção".

Entretanto, lamentou que, "ao longo dos anos – sobretudo depois das agitações sociais de 1968 –, se foi progressivamente modificando a interpretação de alguns direitos, a ponto de se incluir uma multiplicidade de 'novos direitos', não raro contrapondo-se entre si".

A pretensão de impor esses novos direitos "nem sempre favoreceu a promoção de relações amigas entre as nações, porque se afirmaram noções controversas dos direitos humanos que contrastam com a cultura de muitos países, que, por isso mesmo, não se sentem respeitados nas suas próprias tradições socioculturais, antes veem-se transcurados nas necessidades reais que têm de enfrentar".

Pelo contrário, a Declaração Universal dos Direitos Humanos busca a "afirmação da dignidade de toda a pessoa humana, cujo desprezo e desrespeito levam a atos de barbárie que ofendem a consciência da humanidade".

"Para a Santa Sé, falar de direitos humanos significa, antes de mais nada, repropor a centralidade da dignidade da pessoa, enquanto querida e criada por Deus à sua imagem e semelhança".

Nesse sentido, indicou que "segundo a perspectiva cristã, há uma significativa relação entre a mensagem evangélica e o reconhecimento dos direitos humanos, lidos no espírito dos compiladores da Declaração Universal dos Direitos do Homem".

Francisco também advertiu sobre o "o risco – de certa forma paradoxal – de que, em nome dos próprios direitos humanos, se venham a instaurar formas modernas de colonização ideológica dos mais fortes e dos mais ricos em detrimento dos mais pobres e dos mais fracos".

Por outro lado, indicou que, após 70 anos de desenvolvimento da Declaração Universal, "faz pena assinalar como muitos direitos fundamentais são violados ainda hoje. E, primeiro dentre eles, o direito à vida, à liberdade e à inviolabilidade de cada pessoa humana".

"A lesá-los, não são apenas a guerra ou a violência. No nosso tempo, há formas mais sutis: penso antes de mais nada nas crianças inocentes, descartadas ainda antes de nascer; às vezes não queridas, apenas porque doentes ou malformadas ou pelo egoísmo dos adultos".

"Penso nos idosos, também eles muitas vezes descartados, sobretudo se estão doentes, porque considerados um peso. Penso nas mulheres, que muitas vezes sofrem violências e prepotências, mesmo no seio das suas famílias. Penso depois em todos aqueles que são vítimas do tráfico de pessoas, que viola a proibição de toda e qualquer forma de escravatura".

Além disso, recordou que "defender o direito à vida e à integridade física significa também tutelar o direito à saúde da pessoa e dos seus familiares".

Nessa perspectiva, "espero que se trabalhe, nos fóruns internacionais competentes, por favorecer, antes de tudo, um fácil acesso para todos aos cuidados e tratamentos sanitários".

Famílias

O Papa Francisco também dedicou uma parte de seu discurso a falar das famílias, "o direito de formar uma família".

"É sabido – lamentou – como a família, sobretudo no Ocidente, seja considerada, infelizmente, uma instituição superada. Em vez da estabilidade de um projeto definitivo, preferem-se hoje ligações fugazes. Ora não se mantém de pé uma casa construída sobre a areia de relacionamentos frágeis e volúveis; mas é preciso a rocha, sobre a qual assentar bases sólidas. E a rocha é precisamente aquela comunhão de amor, fiel e indissolúvel, que une o homem e a mulher, comunhão essa que tem uma beleza austera e simples, um caráter sacro e inviolável e uma função natural na ordem social".

Por esse motivo, o Papa considerou urgente "que se adotem políticas efetivas em apoio da família, da qual aliás depende o futuro e o desenvolvimento dos Estados".

"Sem ela, de fato, não se podem construir sociedades capazes de enfrentar os desafios do futuro. E a falta de interesse pela família traz consigo outra consequência dramática – particularmente atual em algumas regiões – que é a queda da natalidade. Vive-se um verdadeiro inverno demográfico! Isto é sinal de sociedades que sentem dificuldade em enfrentar os desafios do presente, tornando-se, por conseguinte, cada vez mais temerosas do futuro e acabando por se fechar em si mesmas".

Ao mesmo tempo, "não se pode esquecer a situação de famílias dilaceradas por causa da pobreza, das guerras e das migrações".

Migrações

"Hoje, fala-se muito de migrantes e migrações, por vezes só para suscitar temores ancestrais", advertiu Francisco.

Destacou que "não devemos esquecer que sempre existiram as migrações. Na tradição judaico-cristã, a história da salvação é, essencialmente, uma história de migrações. Nem devemos esquecer que a liberdade de movimento, como a de deixar o país próprio e a ele regressar, pertence aos direitos humanos fundamentais. Por isso é necessário sair de uma generalizada retórica sobre o assunto e partir da consideração essencial de que se encontram diante de nós, antes de mais nada, pessoas".

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Liberdade religiosa

"Entre os direitos humanos que gostaria de lembrar hoje, está também o direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião, que inclui a liberdade de mudar de religião", continuou.

Mostrou seu pesar pelo fato de que "o direito à liberdade religiosa seja muitas vezes menosprezado não sendo raro que a religião se torne quer ocasião para justificar ideologicamente novas formas de extremismo quer pretexto para a marginalização social, senão mesmo perseguição, dos crentes".

"A construção de sociedades inclusivas requer como condição uma compreensão integral da pessoa humana, que pode sentir-se verdadeiramente acolhida quando é reconhecida e aceite em todas as dimensões que constituem a sua identidade, incluindo a dimensão religiosa".

Direito ao trabalho

Em seu discurso, o Pontífice realizou uma defesa do direito ao trabalho: "Não há paz nem desenvolvimento, se o homem está privado da possibilidade de contribuir pessoalmente, através da sua atividade, para a edificação do bem comum".

"É doloroso, porém, constatar como o trabalho constitua, em muitas partes do mundo, um bem escassamente disponível. Poucas são as oportunidades, especialmente para os jovens, de encontrar trabalho. Muitas vezes é fácil perdê-lo não só em consequência da alternância dos ciclos econômicos, mas também pelo progressivo recurso a tecnologia e maquinaria cada vez mais perfeitas e precisas capazes de substituir o homem".

Distribuição desigual das oportunidade de trabalho e a tendência a exigir dos trabalhadores ritmos cada vez mais estressantes também esteve no centro das preocupações do Papa em seu discurso. "As exigências de lucro, ditadas pela globalização, levaram a uma progressiva redução dos tempos e dos dias de repouso, pelo que se perdeu uma dimensão fundamental da vida – a do descanso – que serve para regenerar, física e espiritualmente, a pessoa".

Finalmente, Francisco condenou o trabalho infantil que, em muitos casos acaba se tornando escravidão. "O flagelo do trabalho infantil continua a afetar seriamente o desenvolvimento psicofísico das crianças, privando-as das alegrias da infância, ceifando vítimas inocentes".

"Não se pode pensar em projetar um futuro melhor, nem esperar construir sociedades mais inclusivas, se se continua a manter modelos econômicos orientados meramente para o lucro e a exploração dos mais fracos, como as crianças", concluiu.

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