NAGASAKI, Nov 24, 2019 / 08:17 am
O Papa Francisco visitou o Epicentro da Bomba Atômica lançada em 9 de agosto de 1945 em Nagasaki (Japão) e pediu orações "pela conversão das consciências e pelo triunfo de uma cultura da vida, da reconciliação e da fraternidade; uma fraternidade que saiba reconhecer e garantir as diferenças na busca dum destino comum".
"Com a convicção de que é possível e necessário um mundo sem armas nucleares, peço aos líderes políticos para não se esquecerem de que as mesmas não nos defendem das ameaças à segurança nacional e internacional do nosso tempo", disse o Santo Padre.
A seguir, a mensagem pronunciada pelo Papa Francisco:
Queridos irmãos e irmãs!
Este lugar torna-nos mais conscientes do sofrimento e do horror que nós, seres humanos, somos capazes de nos infligir. A cruz bombardeada e a estátua de Nossa Senhora, recentemente descobertas na Catedral de Nagasaki, lembram-nos mais uma vez o horror indescritível que sofreram na própria carne as vítimas e suas famílias.
Um dos anseios mais profundos do coração humano é o desejo de paz e estabilidade. A posse de armas nucleares e outras armas de destruição de massa não é a melhor resposta a este desejo; antes, parecem pô-lo continuamente à prova. O nosso mundo vive a dicotomia perversa de querer defender e garantir a estabilidade e a paz com base numa falsa segurança sustentada por uma mentalidade de medo e desconfiança, que acaba por envenenar as relações entre os povos e impedir a possibilidade de qualquer diálogo.
A paz e a estabilidade internacional são incompatíveis com qualquer tentativa de as construir sobre o medo de mútua destruição ou sobre uma ameaça de aniquilação total. São possíveis só a partir duma ética global de solidariedade e cooperação ao serviço dum futuro modelado pela interdependência e a corresponsabilidade na família humana inteira de hoje e de amanhã.
Aqui nesta cidade, que é testemunha das catastróficas consequências humanitárias e ambientais dum ataque nuclear, nunca serão demais as tentativas de erguer a voz contra a corrida aos armamentos. Esta desperdiça recursos preciosos que poderiam, ao contrário, ser utilizados em benefício do desenvolvimento integral dos povos e para a proteção do meio ambiente natural. No mundo atual, onde milhões de crianças e famílias vivem em condições desumanas, o dinheiro gasto e as fortunas obtidas no fabrico, modernização, manutenção e venda de armas, cada vez mais destrutivas, são um atentado contínuo que brada ao céu.
Um mundo em paz, livre de armas nucleares, é aspiração de milhões de homens e mulheres em toda a terra. Tornar realidade este ideal requer a participação de todos: as pessoas, as religiões, a sociedade civil, os Estados que possuem armas nucleares e os que não as possuem, os setores militares e privados, e as organizações internacionais. A nossa resposta à ameaça das armas nucleares deve ser coletiva e concertada, baseada na construção, árdua mas constante, duma confiança mútua que rompa a dinâmica de difidência que prevalece atualmente. Em 1963, o Papa São João XXIII, na Encíclica Pacem in terris, solicitando também a proibição das armas atómicas (cf. n. 112), afirmou que «a verdadeira paz entre os povos não se baseia em tal equilíbrio [em armamentos], mas sim e exclusivamente na confiança mútua» (n. 113).
É necessário romper a dinâmica de desconfiança que prevalece atualmente e que faz correr o risco de se chegar ao desmantelamento da arquitetura internacional de controle dos armamentos. Estamos a assistir a uma erosão do multilateralismo, agravada ainda mais com o desenvolvimento das novas tecnologias das armas; esta abordagem é bastante incoerente no contexto atual caraterizado pela interconexão e constitui uma situação que requer atenção urgente e dedicação por parte de todos os líderes.
Por sua vez, a Igreja Católica está irrevogavelmente empenhada com a decisão de promover a paz entre os povos e as nações: é um dever ao qual se sente obrigada diante de Deus e perante todos os homens e mulheres desta terra. Não podemos jamais cansar-nos de trabalhar e insistir com diligência no apoio aos principais instrumentos jurídicos internacionais de desarmamento e não proliferação nuclear, incluindo o Tratado sobre a Proibição de Armas Nucleares. Em julho passado, os bispos do Japão lançaram um apelo à abolição das armas nucleares e anualmente, em agosto, a Igreja japonesa realiza dez dias de oração pela paz. Oxalá a oração, a busca incansável de promover acordos, a insistência no diálogo sejam as «armas» em que deponhamos a nossa confiança e também a fonte de inspiração dos esforços para construir um mundo de justiça e solidariedade que forneça reais garantias para a paz.
Com a convicção de que é possível e necessário um mundo sem armas nucleares, peço aos líderes políticos para não se esquecerem de que as mesmas não nos defendem das ameaças à segurança nacional e internacional do nosso tempo. É preciso ter em consideração o impacto catastrófico do seu uso, sob o ponto de vista humanitário e ambiental, renunciando ao aumento dum clima de medo, desconfiança e hostilidade, promovido pelas doutrinas nucleares. O estado atual do nosso planeta exige, por sua vez, uma reflexão séria sobre o modo como todos estes recursos poderiam ser utilizados, relativamente à complexa e difícil implementação da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável e, deste modo, alcançar objetivos como o desenvolvimento humano integral. Assim o sugeriu o Papa São Paulo VI em 1964, quando propôs ajudar os mais deserdados através dum Fundo Mundial alimentado com uma parte das despesas militares (cf. Discurso aos jornalistas, Bombaim, 4/XII/1964; Enc. Populorum progressio, 26/III/1967, 51).
Por tudo isto, é crucial criar instrumentos que garantam a confiança e o desenvolvimento mútuo e poder contar com líderes que estejam à altura das circunstâncias. Mas é uma tarefa que nos envolve e interpela a todos. Ninguém pode ficar indiferente perante o sofrimento de milhões de homens e mulheres que ainda hoje continuam a bater à porta das nossas consciências; ninguém pode ficar surdo ao grito do irmão ferido que chama; ninguém pode ficar cego diante das ruínas duma cultura incapaz de dialogar.
Peço-vos para nos unirmos em oração diária pela conversão das consciências e pelo triunfo duma cultura da vida, da reconciliação e da fraternidade; uma fraternidade que saiba reconhecer e garantir as diferenças na busca dum destino comum.
Sei que alguns dos presentes não são católicos, mas tenho a certeza de que todos podemos fazer nossa esta oração pela paz atribuída a São Francisco de Assis:
Senhor, fazei de mim um instrumento da vossa paz.
Onde há ódio, que eu leve o amor;
Onde há ofensa, que eu leve o perdão;
Onde há dúvida, que eu leve a fé;
Onde há desespero, que eu leve a esperança;
Onde há trevas, que eu leve a luz;
Onde há tristeza, que eu leve a alegria.
Neste lugar de memória, que nos comove e não pode deixar-nos indiferentes, é ainda mais significativo confiar em Deus, para que nos ensine a ser instrumentos eficazes de paz e a trabalhar para não cometer os mesmos erros do passado.
Possais vós, vossas famílias e toda a nação experimentar as bênçãos da prosperidade e da harmonia social!
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