22 de dezembro de 2024 Doar
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Discurso do Papa Francisco no Memorial da Paz, em Hiroshima

Papa Francisco pronuncia seu discurso. | Captura Youtube

O Papa Francisco presidiu o Encontro pela Paz na cidade de Hiroshima, junto ao Memorial da Paz, que homenageia as vítimas da bomba atômica lançada sobre esta cidade e sobre Nagasaki no final da Segunda Guerra Mundial.

Ao chegar, e após assinar o livro de honra do Memorial, o Pontífice pronunciou um discurso no qual reiterou que "o uso da energia atômica para fins de guerra é, hoje mais do que nunca, um crime não só contra o homem e a sua dignidade, mas também contra toda a possibilidade de futuro na nossa casa comum. O uso da energia atômica para fins de guerra é imoral. Seremos julgados por isso".

A seguir, o discurso do Papa Francisco:

«Por amor dos meus irmãos e amigos, proclamarei: "A paz esteja contigo!"» (Sal 122/121, 8).

Deus de misericórdia e Senhor da história, para Vós erguemos os nossos olhos a partir deste lugar, encruzilhada de morte e vida, derrota e renascimento, sofrimento e compaixão.

Aqui, de tantos homens e mulheres, dos seus sonhos e esperanças, no meio dum clarão de relâmpago e fogo, nada mais ficou além de sombra e silêncio. Num instante apenas, tudo foi devorado por um buraco negro de destruição e morte. Daquele abismo de silêncio, ainda hoje continua a ouvir-se forte o grito daqueles que já cá não estão. Provinham de lugares diversos, tinham nomes diferentes, alguns deles falavam outras línguas. Ficaram todos unidos por um mesmo destino, numa hora tremenda que marcou para sempre não só a história deste país, mas também o rosto da humanidade.

Aqui, faço memória de todas as vítimas e inclino-me perante a força e a dignidade das pessoas que, tendo sobrevivido àqueles primeiros momentos, suportaram nos seus corpos durante muitos anos os sofrimentos mais agudos e, nas suas mentes, os germes da morte que continuaram a consumir a sua energia vital.

Senti o dever de vir a este lugar como peregrino de paz, para me deter em oração, recordando as vítimas inocentes de tanta violência e trazendo no coração também as súplicas e anseios dos homens e mulheres do nosso tempo, especialmente dos jovens, que desejam a paz, trabalham pela paz, sacrificam-se pela paz. Vim a este lugar cheio de memória e futuro, trazendo comigo o grito dos pobres, que são sempre as vítimas mais indefesas do ódio e dos conflitos.

Quereria, humildemente, ser a voz daqueles cuja voz não é escutada e que olham, com preocupação e angústia, as tensões crescentes que permeiam o nosso tempo, as desigualdades inaceitáveis e injustiças que ameaçam a convivência humana, a grave incapacidade de cuidar da nossa casa comum, o contínuo e espasmódico recurso às armas, como se estas pudessem garantir um futuro de paz.

Desejo reiterar, com convicção, que o uso da energia atómica para fins de guerra é, hoje mais do que nunca, um crime não só contra o homem e a sua dignidade, mas também contra toda a possibilidade de futuro na nossa casa comum. O uso da energia atómica para fins de guerra é imoral. Seremos julgados por isso. As novas gerações erguer-se-ão como juízes da nossa derrota por havermos falado de paz, mas não a termos realizado com as nossas ações entre os povos da terra. Como podemos falar de paz, enquanto construímos novas e tremendas armas de guerra? Como podemos falar de paz, enquanto justificamos certas ações ilegítimas com discursos de discriminação e ódio?

Estou convencido de que a paz não passa dum «som de palavras», se não se fundar na verdade, se não se construir segundo a justiça, se não se animar e consumar no amor, e se não se realizar na liberdade (cf. SÃO JOÃO XXIII, Pacem in terris, 37).

A construção da paz na verdade e na justiça significa reconhecer que «subsistem muitas vezes entre os seres humanos consideráveis diferenças de saber, de virtude, de capacidade inventiva e de recursos materiais» (Ibid., 87), mas isso nunca poderá justificar a pretensão de impor aos outros os próprios interesses particulares. Pelo contrário, tudo isso pode constituir um motivo de maior responsabilidade e respeito. De modo análogo, as comunidades políticas, que podem legitimamente distinguir-se umas das outras em termos de cultura ou desenvolvimento económico, são chamadas a comprometer-se na «obra de comum ascensão dos povos» (Ibid., 88), para o bem de todos.

De fato, se realmente queremos construir uma sociedade mais justa e segura, devemos deixar cair as armas das nossas mãos: «Não se pode amar com armas ofensivas nas mãos» (SÃO PAULO VI, Discurso às Nações Unidas, 4/X/1965, 5). Quando nos rendemos à lógica das armas e afastamos da prática do diálogo, esquecemo-nos tragicamente que as armas, antes mesmo de causar vítimas e ruínas, têm a capacidade de provocar pesadelos, «exigem enormes despesas, detêm os projetos de solidariedade e de útil trabalho, falseiam a psicologia dos povos» (Ibid., 5). Como podemos propor a paz, se usamos continuamente a intimidação bélica nuclear como recurso legítimo para a resolução de conflitos? Que este abismo de sofrimento evoque os limites que jamais se deveriam ultrapassar. A verdadeira paz só pode ser uma paz desarmada! Além disso, «a paz não é ausência de guerra; (...) nunca se alcança duma vez para sempre, antes deve estar constantemente a ser edificada» (CONC. ECUM. VAT. II, Gaudium et spes, 78). É fruto da justiça, do desenvolvimento, da solidariedade, da solicitude pela nossa casa comum e da promoção do bem comum, aprendendo com as lições da história.

Recordar, caminhar juntos, proteger: são três imperativos morais que adquirem, precisamente aqui em Hiroshima, um significado ainda mais forte e universal e são capazes de abrir um verdadeiro caminho de paz. Consequentemente não podemos permitir que as atuais e as novas gerações percam a memória do que aconteceu, memória que é garantia e estímulo para construir um futuro mais justo e fraterno; memória expansiva, capaz de despertar as consciências de todos os homens e mulheres, particularmente de quantos hoje desempenham um papel especial no destino das nações; memória viva, que ajude a dizer de geração em geração: nunca mais!

Por isso mesmo, somos chamados a caminhar unidos, com um olhar de compreensão e perdão, abrindo o horizonte à esperança e proporcionando um raio de luz no meio das numerosas nuvens que hoje obscurecem o céu. Abramo-nos à esperança, tornando-nos instrumentos de reconciliação e de paz. Isto será possível sempre, se formos capazes de nos proteger e reconhecer como irmãos num destino comum. O nosso mundo, interligado não só agora pela globalização mas desde sempre por uma terra comum, reclama, mais do que noutros tempos, que sejam suplantados os interesses exclusivos de certos grupos ou setores, a fim de se atingir a grandeza daqueles que lutam corresponsavelmente para garantir um futuro comum.

Numa única súplica, aberta a Deus e a todos os homens e mulheres de boa vontade, em nome de todas as vítimas dos bombardeamentos, das experimentações atómicas e de todos os conflitos, elevemos juntos um grito: Nunca mais a guerra, nunca mais o fragor das armas, nunca mais tanto sofrimento! Sobrevenha a paz em nossos dias, neste nosso mundo. Ó Deus, Vós no-lo prometestes: «O amor e a fidelidade vão encontrar-se. Vão beijar-se a justiça e paz. Da terra vai brotar a verdade e a justiça descerá do céu» (Sal 85/84, 11-12).

Vinde, Senhor, que anoitece! E onde abundou a destruição, possa hoje superabundar a esperança de que é possível escrever e realizar uma história diferente. Vinde, Senhor, Príncipe da paz, fazei de nós instrumentos e reflexos da vossa paz!

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