OTTAWA, Feb 20, 2020 / 08:00 am
Um novo estudo alertou às pessoas com doenças mentais sobre a expansão do acesso à eutanásia no Canadá. O Expert Advisory Group (EAG) divulgou, na quinta-feira, um relatório sobre a Medical Assistance in Dying (MAiD), "assistência médica para morrer", o qual sugere várias salvaguardas que o governo do Canadá deveria adotar para proteger as populações vulneráveis.
O relatório do EAG foi redigido em 13 de fevereiro em resposta às recomendações do grupo Halifax, intituladas "Legislação MAiD em uma encruzilhada: Pessoas com transtornos mentais como a única condição médica subjacente". O relatório foi publicado pelo Instituto de Pesquisa em Políticas Públicas, em 30 de janeiro.
No Canadá, o MAiD é o termo legal para se referir ao procedimento comumente chamado de eutanásia ou suicídio assistido.
"Ao contrário de outras condições médicas com um desenvolvimento conhecido e previsível, as evidências mostram que as doenças mentais nunca podem ser previstas como irremediáveis", diz o relatório intitulado 'Canadá em uma encruzilhada: Recomendações para a MAiD e pessoas com doenças mentais'.
A principal recomendação do relatório é que "as políticas e a legislação do MAiD devem reconhecer explicitamente que, até a data, as doenças mentais não podem ser determinadas como irremediáveis e irreversíveis; por isso, as solicitações da MAiD que tenham uma doença mental como a única condição médica subjacente, não atendem aos requisitos de elegibilidade".
Dr. K. Sonu Gaind, psiquiatra de Toronto e coordenador de EAG, disse que "a evidência mostra que é impossível prever que uma doença mental seja irremediável", afirmar isso manipularia a opinião pública sobre a MAiD e levaria a práticas discriminatórias.
"A sociedade pensaria que as pessoas são ajudadas a morrer com a MAiD para aliviar o sofrimento de uma doença irremediável, mas, na realidade, estaríamos acabando com nossas vidas por causa da solidão, pobreza e todo esse tipo de sofrimento na vida", disse Gaind no lançamento da pesquisa.
Diferentemente de uma doença como câncer terminal ou distúrbios neurológicos degenerativos, é possível melhorar de uma condição como a solidão, acrescentou.
"Eu não acho que os canadenses apoiam esse tipo de discriminação", afirmou.
Ao contrário do grupo Halifax, formado por membros do Conselho de Academias Canadenses, o EAG procurou incluir aqueles que tiveram experiências com doenças mentais. Nenhum dos membros do Halifax Group atendeu a esse critério, que o EAG considerou uma "omissão chave".
Mark Henick, um membro do EAG que viveu com uma doença mental e depressão por duas décadas, disse em uma coletiva de imprensa que, obviamente, teria escolhido acabar com a sua vida através do MAiD se tivesse a opção disponível.
"Meu 'eu suicida' do passado não acreditaria em meu 'eu curado' do presente", disse, "mas é exatamente por isso que estou tão contente por não ter tido acesso a uma solução imediata para o meu sofrimento. Eu teria perdido tanto do que nunca imaginei que um dia seria possível, mas agora sou muito, muito grato pela vida", disse.
"Todo mundo merece uma chance", disse Henick.
"O relatório EAG refutou a afirmação do grupo Halifax que argumenta que negar a eutanásia às pessoas com doenças seria discriminatório".
"De fato, afirmar que o MAiD é fornecido para uma condição irremediável enquanto se permite a sua aplicação em transtornos mentais que não podem ser determinados como irremediáveis, seria a forma definitiva de discriminação", diz o relatório.
Em setembro, o Superior Tribunal de Quebec estabeleceu que a MAiD não deveria se restringir a pessoas com doenças terminais ou que tenham "uma morte razoavelmente previsível". O Governo Federal do Canadá anunciou que não pretende recorrer da decisão, mas deixará que siga seu curso. A lei entrará em vigor em março.
Antes dessa decisão, um canadense deveria ser adulto com uma "morte razoavelmente previsível" para poder ter acesso à "morte assistida". Não há requisitos legais para um paciente ter um prognóstico de certo número de meses ou semanas restantes na vida para receber "morte assistida".
O relatório da EAG alertou que essas mudanças que estão por vir farão com que o Canadá se torne a jurisdição mais permissiva do mundo para o MAiD, com a menor quantidade de salvaguardas contra mortes indesejadas, a menos que sejam introduzidas salvaguardas adicionais.
Em outros países, assinala o relatório, os pacientes são solicitados a mostrar uma "falta de alternativas razoáveis" antes de serem aprovados para a eutanásia. O Canadá seria a única jurisdição que careceria dessa proteção.
O EAG recomenda que "seja requerido um critério de não ambivalência para realizar a MAiD em situações em que a morte não seja razoavelmente previsível", assim como um critério para "a falta de alternativas razoáveis" para pacientes potenciais de MAiD que não tenham uma morte razoavelmente previsível.
Aproximadamente 1,1% de todas as mortes no Canadá durante os primeiros 10 meses foram resultado de eutanásia. Ao contrário dos Estados Unidos, onde o suicídio assistido exige que os pacientes se auto-administrem os medicamentos, um paciente pode optar por ter um médico que lhe administre o medicamento letal e a grande maioria dos canadenses que se inscrevem no MAiD não se auto-administram.
Se uma média semelhante de mortes fosse registrada nos Estados Unidos, aproximadamente 30 mil pessoas poderiam morrer a cada ano nas mãos de um médico ou uma enfermeira que administre essas doses, número equivalente ao total de mortes por ferimento a tiro a cada ano.
Publicado originalmente em CNA. Traduzido e adaptado por Nathália Queiroz.
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