BAGDÁ, Mar 5, 2021 / 12:15 pm
Antes de encerrar o primeiro dia de sua viagem apostólica ao Iraque, nesta sexta-feira, 5 de março, o Papa Francisco se reuniu na Catedral Sírio-Católica de Nossa Senhora da Salvação, em Bagdá, com bispos, sacerdotes, religiosos e religiosas, seminaristas e catequistas. Em seu discurso, recordou os 48 mortos e 70 feridos em um atentado terrorista do Estado Islâmico em 31 de outubro de 2010.
A seguir, o discurso completo do Papa Francisco:
Beatitudes, Excelências Reverendíssimas,
Amados Sacerdotes e Religiosos,
Queridos irmãos e irmãs!
Com paterno afeto, vos abraço a todos. Sinto-me agradecido ao Senhor que, na sua providência, permitiu encontrar-nos hoje. Agradeço a Sua Beatitude o Patriarca Ignace Youssif Younan e a Sua Beatitude o Cardeal Louis Sako as palavras de boas-vindas. Estamos reunidos nesta Catedral de Nossa Senhora da Salvação, abençoados pelo sangue dos nossos irmãos e irmãs que aqui pagaram o preço extremo da sua fidelidade ao Senhor e à sua Igreja. Que a recordação do seu sacrifício nos inspire a renovar a nossa confiança na força da Cruz e da sua mensagem salvífica de perdão, reconciliação e renascimento. Na verdade, o cristão é chamado a testemunhar o amor de Cristo em todo o tempo e lugar. Este é o Evangelho que se deve proclamar e encarnar também neste amado país.
Todos vós, como bispos e sacerdotes, religiosos e religiosas, catequistas e responsáveis leigos, compartilhais as alegrias e os sofrimentos, as esperanças e as angústias dos fiéis de Cristo. As carências do povo de Deus e os árduos desafios pastorais que enfrentais diariamente, agravaram-se neste tempo de pandemia. Há uma coisa, porém, que nunca deve ser bloqueada nem reduzida: o zelo apostólico, que hauris de raízes muito antigas, da presença ininterrupta da Igreja nestas terras desde os primeiros tempos (cf. BENTO XVI, Exort. ap. pós-sinodal Ecclesia in Medio Oriente, 5). Sabemos como é fácil ser contagiado pelo vírus do desânimo que às vezes parece difundir-se ao nosso redor. Mas o Senhor deu-nos uma vacina eficaz contra este vírus mau: é a esperança, que nasce da oração perseverante e da fidelidade diária ao nosso apostolado. Com esta vacina, podemos prosseguir com energia sempre nova, para partilhar a alegria do Evangelho como discípulos missionários e sinais vivos da presença do Reino de Deus, Reino de santidade, justiça e paz.
Quanta necessidade tem o mundo ao nosso redor de ouvir esta mensagem! Não esqueçamos jamais que Cristo é anunciado sobretudo com o testemunho de vidas transformadas pela alegria do Evangelho. Como vemos pela antiga história da Igreja nestas terras, uma fé viva em Jesus é «contagiosa», pode mudar o mundo. O exemplo dos Santos mostra-nos que seguir Jesus Cristo «não é algo apenas verdadeiro e justo, mas também belo, capaz de cumular a vida de um novo esplendor e de uma alegria profunda, mesmo no meio das provações» (FRANCISCO, Exort. ap. Evangelii gaudium, 167).
As dificuldades fazem parte da experiência diária dos fiéis iraquianos. Nas últimas décadas, vós e os vossos concidadãos tivestes de enfrentar os efeitos da guerra e das perseguições, a fragilidade das infraestruturas básicas e uma luta contínua pela segurança econômica e pessoal, que muitas vezes levou a deslocamentos internos e à migração de muitos, inclusive cristãos, para outras partes do mundo. Agradeço-vos, irmãos bispos e sacerdotes, por terdes permanecido junto do vosso povo, apoiando-o, esforçando-vos por satisfazer as carências das pessoas e ajudando cada um a fazer a sua parte ao serviço do bem comum. O apostolado educativo e o sociocaritativo das vossas Igrejas Particulares constituem um recurso precioso para a vida quer da comunidade eclesial quer da sociedade inteira. Animo-vos a perseverar neste compromisso, a fim de garantir que a Comunidade Católica no Iraque, apesar de pequena como um grão de mostarda (cf. Mt 13, 31-32), continue a enriquecer o caminho do país no seu conjunto.
O amor de Cristo pede-nos para colocar de lado qualquer tipo de egocentrismo e competição; impele-nos à comunhão universal e chama-nos a formar uma comunidade de irmãos e irmãs que se acolhem e cuidam mutuamente (cf. FRANCISCO, Carta enc. Fratelli tutti, 95-96). Vem-me ao pensamento a imagem familiar de um tapete. As diversas Igrejas presentes no Iraque, cada qual com o seu secular patrimônio histórico, litúrgico e espiritual, são como tantos fios de variegadas cores que, entrelaçados conjuntamente, compõem um único belíssimo tapete, que não só atesta a nossa fraternidade, mas remete também para a sua fonte, pois o próprio Deus é o artista que idealizou este tapete, que o tece com paciência e prende cuidadosamente querendo-nos sempre bem entrelaçados entre nós, como seus filhos e filhas. Esteja sempre no nosso coração esta exortação de Santo Inácio de Antioquia: «Nada haja entre vós que possa dividir-vos (...), mas fazei tudo em comum: uma só oração, uma só prece, uma só alma, uma só esperança na caridade e na santa alegria» (Ad Magnesios, 6-7: PL 5, 667). Como é importante este testemunho de união fraterna num mundo que se vê frequentemente fragmentado e dilacerado pelas divisões! Todo o esforço feito para construir pontes entre comunidades e instituições eclesiais, paroquiais e diocesanas aparecerá como gesto profético da Igreja no Iraque e como resposta fecunda à oração de Jesus para que todos sejam um só (cf. Jo 17, 21; Ecclesia in Medio Oriente, 37).
Pastores e fiéis, sacerdotes, religiosos e catequistas partilham – embora de maneira diferente – a responsabilidade de continuar a missão da Igreja. Às vezes é possível que surjam incompreensões e podem-se experimentar tensões: são os nós que dificultam a tecedura da fraternidade. E trazemo-los dentro de nós mesmos; aliás somos todos pecadores. Mas estes nós podem ser desenlaçados pela graça, por um amor maior; podem ser desenvencilhados pelo perdão e o diálogo fraterno, carregando pacientemente os fardos uns dos outros (cf. Gal 6, 2) e animando-se mutuamente nos momentos de provação e dificuldade.
Agora, gostaria de dizer uma palavra especial aos meus irmãos bispos. Gosto de pensar no nosso ministério episcopal em termos de proximidade: a necessidade que temos de permanecer com Deus na oração, junto dos fiéis confiados aos nossos cuidados e dos nossos sacerdotes. De modo particular permanecei vizinhos aos vossos sacerdotes. Que não vos vejam como administradores ou gerentes, mas como pais preocupados por que os filhos estejam bem, prontos a dar-lhes apoio e ânimo de coração aberto. Acompanhai-os com a vossa oração, o vosso tempo, a vossa paciência, reconhecendo o seu trabalho e guiando o seu crescimento. Sereis, assim, para os vossos sacerdotes sinal visível de Jesus, o Bom Pastor que conhece as suas ovelhas e dá a vida por elas (cf. Jo 10, 14-15).
Amados sacerdotes, religiosos e religiosas, catequistas, seminaristas que vos preparais para o futuro ministério: todos vós ouvistes a voz do Senhor nos vossos corações e respondestes como o jovem Samuel: «Eis-me aqui» (1 Sam 3, 4). Esta resposta, que vos convido a renovar todos os dias, leve cada um de vós a partilhar a Boa Nova com entusiasmo e coragem, vivendo e caminhando sempre à luz da Palavra de Deus, que temos o dom e o dever de anunciar. Sabemos que o nosso serviço inclui também uma componente administrativa, mas isto não significa que devemos passar todo o nosso tempo em reuniões ou atrás de uma escrivaninha. É importante sair para o meio do nosso rebanho e oferecer a nossa presença e acompanhamento aos fiéis nas cidades e nas aldeias. Penso em todos aqueles que correm o risco de ficar para trás: nos jovens, nos idosos, nos doentes e nos pobres. Quando servimos o próximo com dedicação, como vós fazeis, com espírito de compaixão, humildade, gentileza, com amor, estamos realmente servindo a Jesus, como Ele mesmo nos disse (cf. Mt 25, 40). E servindo a Jesus nos outros, descobrimos a verdadeira alegria. Não vos afasteis do santo povo de Deus, onde nascestes. Não vos esqueçais das vossas mães e das vossas avós, que vos «amamentaram» na fé, como diria São Paulo (cf. 2 Tim 1, 5). Sede pastores servidores do povo, e não funcionários de Estado: sempre no povo de Deus, nunca separados como se fôsseis uma classe privilegiada. Não renegueis esta nobre «estirpe» que é o santo povo de Deus.
Gostaria de retornar agora aos nossos irmãos e irmãs que morreram no atentado terrorista de há dez anos nesta Catedral e cuja causa de beatificação está em andamento. A sua morte lembra-nos fortemente que o incitamento à guerra, os comportamentos de ódio, a violência e o derramamento de sangue são incompatíveis com os ensinamentos religiosos (cf. FRANCISCO, Carta enc. Fratelli tutti, 285). E quero recordar todas as vítimas de violências e perseguições, pertencentes a qualquer comunidade religiosa. Amanhã, em Ur, encontrarei os líderes das tradições religiosas presentes neste país, para proclamarmos mais uma vez a nossa convicção de que a religião deve servir a causa da paz e da unidade entre todos os filhos de Deus. Nesta tarde, quero agradecer-vos pelo vosso empenho de serdes operadores de paz dentro das vossas comunidades e com os crentes de outras tradições religiosas, espalhando sementes de reconciliação e convivência fraterna que possam levar a um esperançoso renascimento para todos.
Penso de modo particular nos jovens. São portadores de promessas e de esperança em toda a parte, e sobretudo neste país. Na realidade, aqui não existe apenas um patrimônio arqueológico inestimável, mas também uma riqueza incalculável para o futuro: são os jovens! São o vosso tesouro e é preciso cuidar deles, alimentando os seus sonhos, acompanhando o seu caminho, aumentando a sua esperança. Com efeito, apesar de jovens, a sua paciência já se viu colocada duramente à prova pelos conflitos destes anos. Lembremo-nos de que eles, juntamente com os idosos, são a ponta de diamante do país, os frutos mais saborosos da árvore: cabe-nos cultivá-los no bem e irrigá-los de esperança.
Irmãos e irmãs, através do Batismo e da Confirmação, através da Ordenação ou da Profissão Religiosa, fostes consagrados ao Senhor e enviados para ser discípulos missionários nesta terra tão estreitamente ligada à história da salvação. Sede parte desta história, testemunhando fielmente as promessas de Deus, que nunca falham, e procurando construir um futuro novo. Que o vosso testemunho, amadurecido nas adversidades e fortalecido pelo sangue dos mártires, seja uma luz que resplandece dentro e fora do Iraque, para anunciar a grandeza do Senhor e fazer exultar o espírito deste povo em Deus nosso Salvador (cf. Lc 1, 46-47).
De novo dou graças por nos termos podido encontrar. Nossa Senhora da Salvação e o apóstolo São Tomé intercedam por vós e vos protejam sempre. De coração abençoo a cada um de vós e vossas comunidades. E peço-vos, por favor, que rezeis por mim. Obrigado!
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