MANÁGUA, Mar 12, 2021 / 12:30 pm
A Arquidiocese de Manágua denunciou a insegurança e violência generalizada na Nicarágua, expressou solidariedade aos presos por motivos políticos e exortou as autoridades a criar condições para que os migrantes e nicaraguenses se desenvolvam no país.
Em declarações a ACI Prensa – agência em espanhol do Grupo ACI – em 9 de março, uma fonte da Arquidiocese de Manágua indicou que "há um clima de insegurança e violência, triste em nossa pátria", pois existem grupos paramilitares que, protegidos por instituições de poder, carregam armas e cometem crimes constantemente na localidade.
A mesma fonte denunciou que durante os protestos civis contra o regime do presidente Daniel Ortega em 2018, o governo "distribuiu armas aos paramilitares" com as quais cometeram atos de repressão e fizeram com que muitas pessoas emigrassem da Nicarágua. Embora hoje essa situação "tenha se acalmado", esses grupos ainda mantêm suas armas e cometem crimes com elas.
Em 8 de março, a Arquidiocese de Manágua publicou uma mensagem da Comissão de Justiça e Paz, que apela às autoridades a aproveitarem a Quaresma para refletir sobre as mudanças de que a Nicarágua necessita com urgência.
Na sua mensagem intitulada "Veja, estamos subindo para Jerusalém e o Filho do Homem será entregue", a Comissão recorda que o tempo da Quaresma convoca todos e sobretudo as autoridades e os poderosos a se prepararem "para um novo estilo de vida, de mentalidade e de atitudes ".
Na Quaresma, "o amor misericordioso de Deus dá a todos, e nas atuais circunstâncias, especialmente aos atores sociais com responsabilidades, a oportunidade de meditar, refletir e mudar para o bem da sociedade nicaraguense, para erradicar os principais males como a violência generalizada e a insegurança em que vive cada cidadão", diz a carta.
"Então, o que a Comissão quer pedir é que aproveitem um ano eleitoral e o tempo da Quaresma, um novo chamado à consciência para quem tem poder, para quem tem autoridade para refletir e fazer bem as coisas, […] para que não se busque soluções violentas", assinalou.
Na carta, a Comissão recordou as "palavras do Papa Francisco sobre os mecanismos políticos que negam aos outros o direito de existir e opinar". A esse respeito, os membros da Comissão expressaram sua preocupação com o fato de que "vários irmãos de outros países que prestam serviços valiosos no nosso são afetados, limitando sua permanência na Nicarágua".
A fonte da Arquidiocese explicou a ACI Prensa que essas linhas se referem à condição em que se encontram os estrangeiros na Nicarágua. Muitos deles têm família e empresas e "ajudaram a construir a sociedade e o país", mas não conseguem fazer um projeto de vida porque a cada mês, ou três ou seis meses, são convocados pelas autoridades para avaliar se podem ficar no país ou se são expulsos, indicou.
"Parece-me uma forma grosseira e mal-educada de tratar as pessoas que colaboram em um país, sobretudo lendo a última carta Fratelli tutti, na qual o Papa Francisco fala da acolhida e criar condições para o migrante se desenvolva em qualquer país", sublinhou em o diálogo com ACI Prensa.
Na carta, a Comissão Justiça e Paz se solidariza "mais uma vez com as pessoas privadas de liberdade por motivos políticos, com suas famílias, com os meios de comunicação, com os jornalistas e com todas as pessoas afetadas e, em alguns casos, impedidas de emitir suas opiniões e oferecer informações objetivas e verdadeiras. Isso viola os direitos fundamentais à liberdade de pensamento e expressão".
A esse respeito, foi dito a ACI Prensa que, de acordo com organizações de direitos humanos, na Nicarágua haveria mais de 100 pessoas perseguidas e presas apenas por se manifestarem contra o governo. Indicou que a maioria são jornalistas e meios de comunicação e que a Igreja Católica também é afetada.
"Se você é opositor, no sábado ou no domingo você vai a uma reunião, chega a polícia e lhe prende; [isto é] saem à rua e não o deixam sair de casa. Da mesma forma, os jornalistas são trancados em suas casas e perseguidos ou colocam patrulhas atrás da pessoa por onde vá. É uma repressão aberta, vulgar, nunca antes vista em nosso país e é isso que tem nos escandalizado", denunciou-se durante o diálogo com ACI Prensa.
"É possível ver igrejas que a polícia chega e não permite a entrada, o estacionamento, ou estão tirando a placa de todos os carros que estão estacionados na igreja. E então tiram fotos, veem quem entra, quem sai, porque depois esses presos políticos são perseguidos seletivamente. Chegam à casa de determinado jovem, de determinada pessoa, e então o prendem e o acusam com provas falsas de ser traficante de drogas ou terrorista. Acusam-no, levam-no a julgamento e o colocam [na prisão]", acrescentou.
Além disso, "há sempre espionagem sobre o que um sacerdote diz, e [...] qualquer atividade que você vê que pode parecer se oposição [ao governo] em uma igreja. Imediatamente, a polícia está ali, fecha, fecha de forma agressiva".
Apesar do risco que os sacerdotes correm, a Arquidiocese afirmou que "ninguém saiu do país" e tentam estar ao lado do povo. Indicou que as denúncias da Igreja "incomodam o governo", porque "quer dar a impressão de que está tudo bem, mas por trás está perseguindo, está pressionando, está acusando".
"Graças a Deus, o clero daqui, apesar de ter sido perseguido nestes anos e acusado de ser terrorista, não foi preso", disse, mas recordou que uma vez "um sacerdote foi torturado".
A fonte da Arquidiocese afirmou que, diante da menor frequência dos fiéis aos templos devido à pandemia, o problema diminuiu "secretamente", mas disse que "a agressividade é mantida para com a Igreja". Sobre isso, lembrou o ataque com um coquetel molotov contra a capela da Catedral da Imaculada Conceição em Manágua, em 31 de julho de 2020.
Em 7 de dezembro de 2021, haverá eleições presidenciais na Nicarágua. No entanto, no ano passado, o presidente Ortega e o Congresso aprovaram uma série de políticas e leis que, segundo críticos internacionais, atentariam contra a liberdade de expressão.
O ex-guerrilheiro e líder da Frente Sandinista de Libertação Nacional, Daniel Ortega, teve um primeiro mandato como presidente entre 1985 e 1990. Em 2007, voltou a assumir a presidência e desde então está no poder, com reeleições cuja imparcialidade tem sido questionada pela oposição.
Entre as políticas aprovadas no ano passado estão a Estratégia Nacional de Cibersegurança e a Lei Especial de Crimes Ciberdelitos, que foi denunciada pelos opositores como a "Lei da Mordaça". Seus detratores dizem que o objetivo é censurar, mesmo sob pena de prisão, jornalistas independentes e usuários de redes sociais que expressem opiniões contrárias ao regime, e que o governo considere que se trata de informação "falsa" ou "deturpada", que poderia atentar contra a "segurança do Estado".
Há ainda a Lei de Regulamentação de Agentes Estrangeiros, que segundo os opositores iria contra a imprensa estrangeira, pois obriga toda pessoa e entidade que receba financiamento do exterior a se registrar no Ministério do Interior como "agente estrangeiro" e se abster de "participar" da "política interna".
Outra política é a Lei da Prisão Perpétua, que pune com até 30 anos de prisão quem comete "crimes de ódio". O presidente Ortega disse que a lei vai punir quem cometer "mais destruição do que provocaram em abril de 2018".
Em abril de 2018, eclodiram protestos que foram reprimidos com violência, provocando a morte de centenas de manifestantes. Nos meses seguintes, várias igrejas e bispos foram atacados por paramilitares ligados ao governo.
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Sobre esta questão, a Arquidiocese de Manágua assinalou a ACI Prensa que "é raro" que essas leis sejam lançadas em meio "à extraordinária situação econômica, social, política e sanitária que vivemos" e afirmou que "é uma ameaça para justificar a repressão de quem se oponha ao regime".
Sobre as próximas eleições, a Arquidiocese recordou que a Organização dos Estados Americanos (OEA) "deu prazo ao governo até o mês de maio para reformar a lei eleitoral e permitir observação internacional e nacional".
No entanto, disse que "o governo não dá o mínimo sinal de querer mudar, a repressão continua, e se seguirmos assim, como estamos agora, será novamente uma fraude eleitoral organizada por eles", a qual será seguida por reclamações, crítica internacional e resultará em uma questão "diplomática". "Se isso acontecer, seria uma grande surpresa, mas não. [...] As coisas estão tristes por aqui", acrescentou.
Na carta de 8 de março, a Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Manágua reiterou seu apelo à "mudança para o bem da sociedade nicaraguense". A este respeito, a Arquidiocese recordou a ACI Prensa que em maio de 2014 a Conferência Episcopal da Nicarágua escreveu uma carta ao presidente Ortega intitulada "Rumo a novos horizontes: a Nicarágua que queremos fazer", na qual indica o que deveria ser feito para recomeçar o país.
Durante a entrevista, a Arquidiocese recordou a ACI Prensa que o primeiro passo é que haja "liberdade de expressão dos meios de comunicação, liberdade de manifestação pública nas ruas, liberdade dos presos políticos" e que "a institucionalidade" volte, para que "as instituições realmente funcionem como deveriam e não sejam administradas [de forma] centralizada. Que cada instituição estadual cumpra sua função, e não fique apenas esperando o sinal de cima".
Assinalou que na Nicarágua "não há institucionalidade. Tudo aqui é administrado pelo presidente e pela vice-presidente" Rosario Murillo, que também é esposa de Ortega. Mas afirmou que o problema central vem há décadas, antes mesmo do início do governo do presidente Daniel Ortega, que está no poder há mais de 14 anos.
Disse que "os sistemas macroeconômicos, ideológicos, políticos e tudo mais, só vão em busca de interesses pessoais e não sociais". Explicou que as reformas do orçamento econômico da República da Nicarágua beneficiam apenas "o governo, o exército, a polícia", em detrimento do orçamento do setor de saúde ou educação.
Em sua carta de 8 de março, a Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese indica que "no atual contexto de preocupação em que vivemos e em que tudo parece frágil e incerto, falar de esperança pode parecer uma provocação. Mas, viver a Quaresma com esperança significa receber a esperança de Cristo que entrega sua vida na Cruz e que Deus ressuscitou ao terceiro dia".
A fonte assinalou a ACI Prensa que "temos mantido o nosso discurso religioso na nossa fé em Jesus Cristo, que ninguém pode nos separar do amor de Cristo, do amor de Deus, do perdão que Ele nos oferece, da vida nova, do Espírito Santo".
"Esse é o motivo de ilusão e de esperança, de que possamos construir uma vida nova e fazer uma vida nova. Com base nisso é que conclamamos as pessoas a permanecerem firmes na fé e na esperança de que possamos viver melhor no futuro", acrescentou.
Nesse sentido, a carta da Comissão Justiça e Paz convida a rogar "a São José, protetor do Povo de Deus, sua intercessão neste tempo de dificuldade".
Publicado originalmente em ACI Prensa. Traduzido e adaptado por Natalia Zimbrão.
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