27 de dezembro de 2024 Doar
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Cardeal Pell pede mais responsabilidade econômica da Santa Sé

Cardeal George Pell. Crédito: Daniel Ibáñez | ACI Prensa

O cardeal australiano George Pell, prefeito emérito da Secretaria para a Economia da Santa Sé, pediu que haja maior responsabilidade econômica na Santa Sé, em uma entrevista recente à CNA, a agência de língua inglesa do Grupo ACI.

O cardeal, de 80 anos, agradeceu os meios de comunicação por terem noticiado investimentos e transações questionáveis da Secretaria de Estado da Santa Sé, incluindo o investimento em um imóvel de luxo em Londres, no qual se perderam cerca de 100 milhões de dólares.

"Até que ponto isso é incompetência grosseira, ou conspiração deliberada, ou até que ponto há atividade criminosa envolvida, isso é algo que eu simplesmente não sei, mas é bom que saia na imprensa", disse Pell. "O mais importante é que os procedimentos de investimento sejam padronizados e que investimentos desastrosos como esse não voltem a acontecer".

O cardeal George Pell falou com a CNA no dia 21 de maio, após a publicação do segundo volume de seu diário da prisão, intitulado "The State Court Rejects the Appeal" (O tribunal estatal nega o recurso).  Na obra, que abrange o período de 14 de julho a 30 de novembro de 2019, o cardeal reflete sobre o tempo passado na prisão, meditações sobre a fé, acontecimentos da atualidade, e os escândalos financeiros na Santa Sé.

Como prefeito da Secretaria para a Economia, Pell tinha a missão de fiscalizar os assuntos financeiros e administrativos da Santa Sé. Em 2017, ele foi acusado de ter abusado de dois meninos do coral da catedral de Melbourne, na Austrália, em 1996 e 1997. Para se defender das acusações, voltou para a Austrália. No primeiro julgamento, o júri não chegou a uma conclusão. Mas, na segunda sentença, foi declarado culpado por unanimidade e condenado a seis anos de prisão por abuso sexual infantil. Em agosto de 2019, o tribunal de apelações do estado de Victoria, na Australia, manteve a sentença contra ele, por dois votos a um. O cardeal passou 404 dias sozinho, em uma prisão de segurança máxima. Mas foi libertado quando as acusações contra ele foram rejeitadas pela corte suprema da Austrália, em 7 de abril de 2020.

O segundo volume de seu diário, publicado pela Ignatius Press, foi lançado em 3 de maio, em inglês.

O cardeal Pell disse à CNA que, ao publicar seu diário, ele espera que "as pessoas ouçam minha afirmação de que o pacote cristão funciona", incluindo "os ensinamentos de Cristo sobre a fé, o perdão e especialmente sobre o sofrimento redentor".

Em seu diário, o cardeal expressa, entre outras coisas, a sua preocupação com os déficits anuais da Santa Sé, que podem gerar graves problemas financeiros para os futuros papas.

Em outubro de 2019, o jornal Financial Times foi o primeiro a informar que as autoridades da Santa Sé estavam investigando um investimento de US$ 200 milhões feito em 2014, pela Secretaria de Estado da Santa Sé, através do fundo Athena Capital. O investimento financiou parte de um projeto de construção de apartamentos de luxo em Londres.

Em 2018, a Secretaria de Estado fez um investimento de 50 milhões de dólares na mesma propriedade. No final das contas, a Santa Sé chegou a perder cerca de 100 milhões de dólares.

O empresário italiano Gianluigi Torzi, intermediário do contrato original, foi preso em Londres, no dia 11 de maio, depois que um juiz italiano emitiu uma ordem contra ele por lavagem de dinheiro e fraude. A Santa Sé está investigando seu papel na intermediação dos negócios em Londres.

Em seu diário, o cardeal Pell fala sobre o polêmico investimento, comentando que é "apenas um entre muitos desastres, uma parte importante de uma crise muito maior" na Santa Sé.

"Temo pelo futuro financeiro", escreveu ele em 24 de outubro de 2019. "As galinhas vão para casa dormir, mas uma Igreja mais pobre e falida não pode fazer nada de material para ajudar os pobres", acrescentou.

Na entrevista à CNA, o cardeal Pell falou que, quando a imprensa noticiou sobre o investimento em Londres, "eu não sabia muito bem em que direção estava indo a notícia".

"Mas não estou nem um pouco triste com que a notícia tenha sido publicada, porque a Santa Sé acabou de perder uma grande quantidade de dinheiro. O papa me disse que achava que eram 150 milhões de dólares, não estou seguro. E o juiz do caso Torzi, na Inglaterra, não soube calcular o montante das perdas", disse.

O cardeal Pell também pediu à Santa Sé que melhorasse a investigação dos crimes financeiros.

Em 2020, o Vaticano já havia prendido Torzi por acusações de desvio de dinheiro, fraudes, extorsão e lavagem de dinheiro, alegando que ele fazia parte de uma conspiração para fraudar a Secretaria de Estado por milhões de euros.

Em março, um juiz britânico reverteu as acusações do Vaticano, afirmando que as "não-divulgações e deturpações" fornecidas pela Santa Sé "são tão ruins que a sanção final" foi reverter a apreensão de bens. Ele acrescentou que não havia "nenhuma causa razoável" para acreditar que Torzi "lucrou" com atos criminosos no caso.

O cardeal Pell se referiu ao caso para solicitar melhores promotores no Vaticano.

"Acho que a única palavra que eu lembro sobre isso é ´terrível´", disse o cardeal sobre as declarações do juiz. "Então eu disse a uma ou duas pessoas importantes aqui no Vaticano: 'Pelo amor de Deus, consigam alguns bons advogados para que eles possam prosseguir com o caso de uma forma competente e justa".

Em seu diário, o cardeal adverte que os déficits financeiros anuais da Santa Sé são um dos dois "principais desafios" que a Santa Sé enfrenta. Para ele, os futuros papas "enfrentarão enormes desafios financeiros" se este problema não for resolvido.

"O Vaticano tem ativos de apenas três ou quatro bilhões (de euros), mas seja o que for, eles não podem continuar perdendo 50, ou mesmo 20 milhões de euros por ano", disse o cardeal australiano à CNA. Ele acrescentou que as despesas com fundos de pensão podem chegar a centenas de milhões de euros em uma década.

"Portanto, você tem que enfrentar e lidar com isso porque, como costumo dizer, podemos não saber quantos irão para o céu ou para o inferno, mas sabemos que estamos perdendo dinheiro", disse ele.

Em março, a Secretaria de Economia da Santa Sé publicou o orçamento de 2021, evidenciando um déficit de quase US$ 60 milhões.

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Sobre o futuro do Óbolo de São Pedro, a arrecadação anual para a caridade do papa e da cúria romana, o cardeal Pell disse ter esperanças de que seu sucessor possa fiscalizar o fundo.

"Sei que meu sucessor, padre (Juan Antonio) Guerrero, é um homem competente e honesto. Acho que os desafios particulares do Óbolo de San Pedro são claramente visíveis, algo não menos importante do que a diminuição das doações. E, com o favor de Deus, isso será enfrentado", garantiu.

Em outra passagem de seu diário, o cardeal fala sobre o valor do sofrimento redentor, sobre alguns personagens da Sagrada Escritura e da história da Igreja às quais ele se aproximou durante o tempo na prisão, e sobre suas reflexões sobre o futuro da Igreja.

Sobre o sofrimento redentor, "citei Karl Marx, que sofreu um terrível ataque de furúnculos e lamentou o fato de não ter nenhum deus a quem oferecer seu sofrimento. Ele sabia o que estava faltando. Se Deus não existe, não há sentido no sofrimento", indicou o cardeal Pell.

"Mas se você segue uma religião na qual acredita que a redenção foi afetada e gerada pelo sofrimento e morte de um jovem, Deus, 2.000 anos atrás, e que você pode unir nosso sofrimento ao dele, então há uma diferença radical", afirmou.

O cardeal australiano também comentou que, em seu tempo na prisão, se aproximou a alguns personagens católicos históricos e bíblicos, como o profeta Elias: "Ele salvou o monoteísmo numa época em que se experimentavam problemas desesperadores. Como símbolo e salvaguarda de nosso tempo e do mundo ocidental, seu papel é muito, muito óbvio".

O cardeal Pell também se referiu ao falecido cardeal vietnamita Francis Xavier Nguyen Van Thuan como um modelo para ele. O cardeal Van Thuan passou 13 anos na prisão, incluindo nove anos em confinamento solitário, sob o regime comunista no Vietnã.

O cardeal Pell também fala sobre São João Fisher e São Tomás Morus como pessoas com as quais ele aprendeu, assim como o padre americano Walter Ciszek, que passou 23 anos em prisões e campos de trabalhos forçados na União Soviética.

Sobre a impossibilidade de celebrar a missa em seu tempo na prisão, o cardeal Pell disse à CNA que "foi doloroso. E senti isso mais forte em algumas ocasiões do que em outras, como durante as grandes festas como a Páscoa, o Pentecostes e o Natal".

"Eu também sabia que Deus não tinha me abandonado porque eu não podia celebrar a missa", acrescentou, destacando que tinha permissão para usar o seu breviário, ou livro de orações, e assistir às missas de domingo de manhã e alguns serviços da prisão.

Sua experiência sem missa foi um "paralelo exato" com o que muitos católicos sofreram com as igrejas fechadas durante a pandemia do coronavírus, disse ele.

Em seu diário, o cardeal Pell também fala sobre a queda no comparecimento às missas na Igreja e alerta sobre a substituição da doutrina católica por "ensinamentos pagãos".

"Não temos sido suficientemente explícitos sobre Deus. Não falamos do amor de Deus, da importância disso, de Deus como criador, de Deus como juiz", disse o cardeal, acrescentando que "a dimensão vertical se enfraqueceu".

Diante deste problema, o cardeal propõe a adoração eucarística como antídoto.

"Eu acho que essa é uma das razões pelas quais a adoração perante o Santíssimo Sacramento é tão importante. E acho que uma das razões pelas quais é tão popular entre os jovens católicos é precisamente porque os abre para a transcendência, para se moverem na direção de Deus quando muitos na sociedade, ao seu redor, estão distraídos e permanecem horizontais", afirmou o cardeal Pell.

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