Cidade do México, Jun 21, 2021 / 10:24 am
No dia 21 de junho de 1929 terminou oficialmente a Guerra Cristera no México, com a assinatura dos acordos entre o arcebispo mexicano Leopoldo Ruiz y Flóres, delegado apostólico do papa Pio XI, e o então presidente do país, Emilio Portes Gil.
Foi o fim de um conflito de três anos entre o governo mexicano e grupos de fiéis católicos, denominados "cristeros" que se rebelaram diante das medidas governamentais contra a Igreja e o culto religioso. Estima-se que morreram mais de 60 mil soldados defendendo o governo e 25 mil milicianos cristeros.
O lema principal dos rebeldes católicos era "Viva Cristo Rei e Nossa Senhora de Guadalupe".
Grupo de cristeros. Crédito: Museu Nacional Cristero / Domínio público.
Em declarações à ACI Prensa em junho de 2018, Jorge Adame Goddard, jurista, doutor em história e pesquisador do Instituto de Pesquisas Jurídicas da Universidade Nacional Autônoma do México, explicou que a origem do conflito remonta à Constituição do México de 1917, que "ignorava os direitos da Igreja e sua personalidade jurídica, limitava o número de sacerdotes e determinava restrições importantes ao culto público".
Segundo o historiador, as tensões aumentaram com a chegada ao poder do presidente Plutarco Elias Calles, no ano de 1924. Calles promulgou a lei de tolerância de cultos, conhecida como "Lei Calles", em 1926, tornando efetivos os artigos constitucionais contra a Igreja.
Com a Lei Calles, afirmou Adame Goddard, "muitas atividades totalmente lícitas foram criminalizadas, como o fato de um sacerdote andar pela rua vestido com batina, o fato de os religiosos estarem reunidos em congregações ou que a religião fosse ensinada nas escolas".
Após o governo recusar várias vezes o pedido de revogação da controversa Lei Calles, ela entrou em vigor no dia 31 de julho de 1926 e, obedecendo a lei, muitos bispos decidiram suspender o culto. "A população ficou muito impressionada com a suspenção do culto. De repente todas as igrejas estavam fechadas, as pessoas não podiam batizar seus filhos, já não havia primeiras comunhões, nem missas aos domingos", disse o jurista.
O governo fechou templos, perseguiu e prendeu sacerdotes e líderes leigos. A ação violenta do Estado fez com que muitos católicos decidissem tomar o caminho das armas.
Adame Goddard disse à ACI Prensa que o movimento cristero "ocorreu espontaneamente, em vários estados. Em cada lugar havia chefes locais, chefes militares regionais, militares improvisados".
"Na Cidade do México, um grupo de intelectuais profissionais, principalmente advogados, formaram a Liga Defensora da Liberdade Religiosa" com a finalidade de "conseguir recursos para apoiar o movimento armado e tentar orientá-lo".
Mais tarde, explicou o jurista, constituiu-se um comando único militar no movimento cristero, sob o comando do general Enrique Gorostieta Velarde. "Ele era um militar de carreira, treinado no exército", que unificou o movimento cristero e "conseguiu que ele chegasse a controlar territórios em partes de Jalisco, Zacatecas, uma parte de Durango e Colima".
Fuzilamento do beato Miguel Agostinho Pro. Crédito: Domínio público.
Adame Goddard disse que "a Igreja não apoiou o movimento armado", mas que "também não o deteve". Em 1929, o México era "um país católico, sem culto público durante três anos, com os seus sacerdotes perseguidos e com quase todos os seus bispos fora do país".
"Com a guerra, gerou-se um problema que, na minha opinião, foi o mais grave", disse Goddard. "Havia o risco de relaxamento dos sacerdotes, da quase total falta de atenção aos fiéis. Aquilo gerava muita preocupação na Igreja. Era a principal preocupação do papa (Pio XI) naquele momento", explicou.
Quando Emilio Portes Gil assumiu o governo em dezembro de 1928, "foi aberto um caminho de negociação, pois ele dizia que era possível respeitar certos direitos sem que a legislação fosse modificada".
"Os bispos, também apoiados por Roma, decidiram aproveitar a oportunidade e resolver o problema pastoral", explicou Adame Goddard. Assinaram acordos, com isso, "o problema político que deu origem ao conflito, a Constituição, ficou intocável. A Lei Calles perdeu sua eficácia e, com ela, as leis constitucionais perderam obrigatoriedade. Logrou-se a pacificação do Estado sem mudar a legislação".
"E o problema pastoral ficou resolvido imediatamente: retomou-se o culto e, ao retomar-se o culto, a maior parte dos rebeldes armados, que haviam se levantado porque não tinham acesso ao culto público, decidiram deixar as armas e voltar às suas atividades ordinárias. Depois daquilo, o movimento militar decaiu muito".
O legado da Guerra Cristera
O jurista da UNAM opina que a Guerra Cristera deixou "vários ensinamentos" para a Igreja e para o México de hoje.
Com a Liga Defensora da Liberdade Religiosa, surgiu uma "nova perspectiva, a de considerar a liberdade religiosa como um direito fundamental dos fiéis, que deve ser respeitado pelo Estado e do qual deriva o reconhecimento dos direitos da Igreja", indicou.
Segundo o historiador, outra consequência foi que o governo mexicano "percebeu que aquela lei não era aplicável. Em consequência, na reforma constitucional de 1992, foi estabelecido um regime moderno que respeita os direitos dos crentes e as relações institucionais entre o Estado e a Igreja".
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Adame Goddard enfatizou que a Guerra Cristera deixou também um ensinamento para a Igreja, que "antes de tudo, deve cuidar da formação espiritual dos leigos e fazê-los ver a importância de sua participação na vida pública", perceber "o grande bem que foi a participação daqueles cristeros, muitos deles já beatificados". E que os leigos "tenham atualmente a mesma força que tiveram os cristeros", afirmou.
Uma mentalidade laicista que persiste no México
No entanto, para o jurista mexicano, apesar das mudanças legais, a Igreja no México "continua com uma voz diminuída no debate público".
"Houve uma insistência para que os bispos, por exemplo, não opinem sobre os assuntos públicos. Quando eles têm opiniões sobre o aborto ou sobre o casamento, são denunciados, dizem que eles estão se metendo em assuntos políticos que não lhes dizem respeito", disse Goddard.
Nesse sentido, o historiador lamentou que no país ainda permaneça essa mentalidade laicista "que não respeita o direito de liberdade religiosa dos crentes e o direito de expressão dos fiéis e dos bispos".
"Ainda acham que a Igreja tem o interesse de se apoderar do poder político para governar, o que é totalmente anacrônico", afirmou.
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