21 de dezembro de 2024 Doar
Um serviço da EWTN News

Discurso do Papa Francisco no encontro com os bispos e o clero da Eslováquia

Papa Francisco no encontro com bispos, sacerdotes, religiosos e catequistas na Eslováquia | Captura de vídeo

Em seu segundo dia de viagem apostólica a Eslováquia, o papa Francisco teve um encontro nesta segunda-feira, 13 de setembro, com os bispos, sacerdotes, religiosos e catequistas na Catedral de São Martinho, em Bratislava. Em seu discurso, que teve vários improvisos, o pontífice os chamou a se perguntar quais são as necessidades espirituais do povo e o que espera desta igreja.

A seguir, o texto completo pronunciado pelo papa Francisco:

Amados Irmãos Bispos, caros sacerdotes, religiosos, religiosas e seminaristas, queridos catequistas, irmãos e irmãs, bom dia!

Saúdo-vos com alegria e agradeço a D. Stanislav Zvolenský as palavras que me dirigiu. Obrigado pelo convite a sentir-me em casa: venho como vosso irmão e, por isso, sinto-me um de vós. Estou aqui para partilhar o vosso caminho, isso deve fazer o bispo, o papa, para compartilhar vossos interrogativos, as expetativas e esperanças desta Igreja e deste país.

E por falar no país, acabo de dizer à senhora presidente que: a Eslováquia é poesia!

Compartilhar era o estilo da primeira Comunidade cristã: mostravam-se assíduos e concordes, caminhavam juntos (cf. At 1, 12-14), discutiam também, mas caminhavam juntos, discutiam.

Tal é a primeira coisa de que necessitamos: uma Igreja que caminhe em conjunto, percorrendo as estradas da vida com a chama do Evangelho acesa. A Igreja não é uma fortaleza, um potentado, um castelo situado no alto que olha, distante e autossuficiente, para o mundo. Aqui, em Bratislava, o castelo já existe; e é muito lindo! Mas a Igreja é a comunidade que deseja atrair para Cristo mediante a alegria do Evangelho; é o fermento que faz levedar, no seio da massa do mundo, o Reino do amor e da paz. Por favor, não cedamos à tentação da magnificência, da grandeza mundana. A Igreja deve ser humilde como Jesus, que Se despojou de tudo, fazendo-Se pobre para nos enriquecer (cf. 2 Cor 8, 9): foi assim que veio habitar entre nós e curar a nossa humanidade ferida.

Olhai! É bela uma Igreja humilde que não se separa do mundo nem olha a vida com indiferença, mas habita dentro dela. Habitar dentro – não o esqueçamos – é partilhar, caminhar juntos, acolher os interrogativos e as expetativas do povo. Isto ajuda-nos a sair da autorreferencialidade: o centro da Igreja não é a Igreja. Quem é o centra da Igreja? Não é a Igreja e quando a Igreja olha para si mesma, acaba como a mulher curvada do Evangelho que olha seu umbigo. O centro da Igreja não é a Igreja! Abandonemos a preocupação excessiva conosco mesmos, com as nossas estruturas, com o modo como a sociedade nos olha. Isso, ao final, nos levará a uma "teologia da maquiagem", como nos maquiamos melhor.

Em vez disso, mergulhemos na vida real das pessoas e perguntemo-nos: Quais são as necessidades e os anseios espirituais do nosso povo? O que é que se espera da Igreja? Parece-

me importante tentar responder a essas perguntas e acodem-me à mente três palavras.

A primeira é liberdade. Sem liberdade não há verdadeira humanidade, porque o ser humano foi criado livre para permanecer livre. Os dramáticos períodos da história do vosso país são uma grande lição: quando a liberdade foi ferida, violada e suprimida, a humanidade degradou-se e sobrevieram as tempestades da violência, coerção e privação de direitos.

Entretanto a liberdade não é uma conquista automática, que permanece igual de uma vez por todas. A liberdade é sempre um caminho, por vezes cansativo, que se deve retomar continuamente. Para ser verdadeiramente livre, não basta sê-lo exteriormente ou nas estruturas da sociedade. A liberdade chama cada um a ser responsável pelas próprias opções, a discernir, a levar por diante os processos da vida. Isto é cansativo e assusta-nos. Às vezes, é mais cômodo não se deixar envolver pelas situações concretas e continuar a repetir o passado, sem se empenhar de coração, sem correr o risco da decisão: é melhor arrastar a vida fazendo aquilo que outros – talvez a maioria ou a opinião pública – decidam por nós. Hoje, muitas vezes, fazemos as coisas que os meios de comunicação decidem por nós e se perde a liberdade.

Recordemos a história do povo de Israel: sofria sob a tirania do Faraó, era escravo; depois é libertado pelo Senhor, mas para se tornar verdadeiramente livre, e não apenas liberto dos inimigos, tem de atravessar o deserto, um caminho cansativo. E vinha-lhe ao pensamento: «Quase era melhor antes; pelo menos tínhamos um pouco de cebolas...». Uma grande tentação: considerar melhor um pouco de cebolas que a fadiga e o risco da liberdade. Esta é uma das tentações.

Ontem, falando com um grupo ecumênico, lembrei-me de Dostoiévski com "O Grande Inquisidor". Cristo volta à terra escondida e o inquisidor reclama com ele por ter dado liberdade aos homens, um pouco de pão e basta. Sempre essa tentação certo? A tentação das cebolas, melhor um pouco de cebola, de pão, do que o cansaço e o risco da liberdade. Deixo para vocês pensarem essas coisas.

Também na Igreja, pode às vezes insidiar-nos esta ideia: ter todas as coisas predefinidas, as leis a observar, a segurança e a uniformidade, é melhor do que ser cristão responsável e adulto, que pensa, interpela a própria consciência e se deixa questionar. É o início da casuística, tudo regulado.

Na vida espiritual e eclesial, há a tentação de procurar uma falsa paz que nos deixa tranquilos, em vez do fogo do Evangelho que nos desinquieta e transforma. A segurança das cebolas do Egito é mais confortável do que as incógnitas do deserto. Mas uma Igreja que não deixa espaço para a aventura da liberdade, mesmo na vida espiritual, corre o risco de se tornar um lugar rígido e fechado. Talvez alguns se habituaram a isto; mas muitos outros, sobretudo nas novas gerações, não são atraídos por uma proposta de fé que não lhes deixa liberdade interior, por uma Igreja onde é preciso pensarem todos da mesma maneira e obedecerem cegamente.

Caríssimos, não tenhais medo de formar as pessoas para uma relação madura e livre com Deus. Importante esta relação. Talvez isto nos dê a impressão de não poder controlar tudo, de perder força e autoridade; mas a Igreja de Cristo não quer dominar as consciências e ocupar os espaços, quer ser uma «fonte» de esperança na vida das pessoas. É um risco, um desafio.

Digo-o sobretudo aos Pastores: vós exerceis o ministério num país onde muitas coisas mudaram rapidamente e tiveram início muitos processos democráticos, mas a liberdade ainda é frágil. É-o sobretudo no coração e na mente das pessoas. Por isso encorajo-vos a fazê-las crescer livres de uma religiosidade rígida. Que ninguém se sinta oprimido. Possa cada um descobrir a liberdade do Evangelho, entrando gradualmente na relação com Deus, com a confiança de quem sabe que Lhe pode apresentar a sua própria história e as suas feridas sem medo nem fingimento, sem se preocupar em defender a própria imagem. Poder dizer sou pecador, mas dizer com sinceridade. Que o anúncio do Evangelho seja libertador, nunca opressivo; e a Igreja, sinal de liberdade e acolhimento.

Primeira a liberdade, a segunda palavra: criatividade. Sois filhos de uma grande tradição. A vossa experiência religiosa encontra a sua nascente na pregação e ministério das luminosas figuras dos Santos Cirilo e Metódio. Eles ensinam-nos que a evangelização não é jamais uma simples repetição do passado. A alegria do Evangelho é sempre Cristo, mas os caminhos para que esta boa nova progrida no tempo e na história são diversos.

Cirilo e Metódio percorreram juntos esta parte do continente europeu e, ardendo de paixão pela proclamação do Evangelho, chegaram a inventar um novo alfabeto para a tradução da Bíblia, dos textos litúrgicos e da doutrina cristã. Foi assim que se tornaram apóstolos da inculturação da fé entre vós. Foram inventores de novas linguagens para transmitir o Evangelho, foram criativos na tradução da mensagem cristã, estiveram tão próximos da história dos povos que chegaram ao ponto de falar a sua língua e assimilar a sua cultura. Por acaso não precisa disto, também hoje, a Eslováquia? Porventura não será esta a tarefa mais urgente da Igreja entre os povos da Europa: encontrar novos «alfabetos» para anunciar a fé?

Como pano de fundo temos uma rica tradição cristã, mas hoje, na vida de muitas pessoas, permanece a lembrança dum passado que já não lhes fala deixando de orientar as opções da sua existência. À vista da perda do sentido de Deus e da alegria da fé, não adianta lamentar-se, entrincheirar-se num catolicismo defensivo, julgar e acusar o mundo; o que serve é a criatividade do Evangelho. Estejamos cientes de que o Evangelho ainda não está fechado, está vigente, está avançando.

Recordemos como fizeram aqueles homens que queriam levar a Jesus um paralítico e não conseguiam passar pela porta da frente. Abriram um buraco no teto, e baixaram-no do alto (cf. Mc 2, 1-5). Foram criativos... Diante das dificuldades "façamos isto". Talvez diante de uma geração que não crê, busquemos abrir um buraco, sejamos criativos. Liberdade e criatividade.

Como é bom sabermos encontrar novos caminhos, modos e linguagens para anunciar o Evangelho! Nós podemos ajudar com a criatividade humana, que cada um tem esta possibilidade, mas o grande criativo é o Espírito Santo, é Ele que nos empurra a sermos criativos. Se com a nossa pregação e a nossa pastoral já não conseguimos entrar pelo caminho ordinário, procuremos abrir espaços diversos, experimentemos outros caminhos.

Aqui, faço um parêntese. A pregação. Alguém me disse que na Evangelii Gaudium me detive muito na homilia. Porque é um dos problemas desta época. A homilia não é um sacramento como pretendiam alguns protestantes, mas é um sacramental, e não é uma pregação de quaresma, é outra coisa, está no coração da Eucaristia, e pensemos nos fiéis que têm que escutar homilias de 40 minutos, 50 minutos, sobre argumentos que eles não entendem, que não os tocam. Por favor, sacerdotes e bispos, pensem bem como fazer a homilia, como fazer para que haja um contato com o povo e se inspirem no texto bíblico.

As melhores notícias católicas - direto na sua caixa de entrada

Inscreva-se para receber nosso boletim informativo gratuito ACI Digital.

Suscribirme al boletín

Uma homilia, muitas vezes, não deve durar mais do que dez minutos, porque depois de oito minutos as pessoas perdem a atenção, a menos que seja muito interessante, né? O tempo deve ser de dez a quinze, não mais. Um professor que eu tive de homilética dizia que uma homilia deve ter uma coerência interna: uma ideia, uma imagem e um sentimento. Que as pessoas saiam com uma ideia, com uma imagem e com algo que tocou seu coração. Assim é simples o anúncio do Evangelho e assim pregava Jesus, que falava dos pássaros, do campo, com as coisas concretas que as pessoas entendiam. Desculpe-me por voltar a isso, mas isso me preocupa. Permito-me uma maldade, os aplausos foram iniciados pelas religiosas que são as vítimas de nossas homilias, hein?

Cirilo e Metódio fizeram-no, ensinando-nos que o Evangelho não pode crescer, se não estiver enraizado na cultura dum povo, isto é, nos seus símbolos, interrogativos, palavras, modos de ser. Como sabeis, os dois irmãos foram obstaculizados e muito perseguidos. Foram acusados de heresia, porque ousaram traduzir a língua da fé. Entra aqui a ideologia que surge da tentação de uniformizar. Por trás de quem quer ser uniforme, há uma ideologia. Mas a evangelização é um processo de inculturação: é semente fecunda de novidade, é a novidade do Espírito que renova todas as coisas.

O agricultor sempre, que é Jesus, depois vai para casa e dorme, não se levanta para ver se cresce, se germina, não, é Deus quem dá o crescimento. Não controlem demais, nesse sentido, a vida, deixe a vida crescer, como fizeram Cirilo e Metódio. Nós semeamos bem e cuidamos como pais, sim. O agricultor cuida, mas não vai todo dia lá ver como cresce, se fizer isso, mata a planta.

Liberdade, criatividade e, por fim, o diálogo. Uma Igreja que forma para a liberdade interior e responsável, que sabe ser criativa mergulhando na história e na cultura, é também uma Igreja que sabe dialogar com o mundo, com quem confessa Cristo sem ser «dos nossos», com quem vive a fadiga duma busca religiosa, e até mesmo com quem não crê. Não é seletiva de um grupinho, não, o diálogo é com todos, com os crentes quem levam adiante a santidade, com os tíbios e com os não crentes. Fala com todos.

É uma Igreja que, a exemplo de Cirilo e Metódio, une e mantém juntos o Oriente e o Ocidente, diferentes tradições e sensibilidades. Uma Comunidade que, anunciando o Evangelho do amor, faz brotar a comunhão, a amizade e o diálogo entre os crentes, entre as diferentes Confissões cristãs e entre os povos.

A unidade, a comunhão e o diálogo são sempre frágeis, especialmente quando à retaguarda existe uma história de sofrimento, que deixou cicatrizes. A recordação das feridas pode fazer-nos cair no ressentimento, na desconfiança e até no desprezo, levando-nos a erguer barreiras contra quem é diferente de nós. Mas as feridas podem também ser passagem, abertura que, imitando as chagas do Senhor, fazem passar a misericórdia de Deus, a sua graça que muda a vida e nos transforma em obreiros de paz e reconciliação.

Sei que tendes um lindo provérbio: «A quem te atira uma pedra, tu dá-lhe um pão». É muito evangélico! É o convite de Jesus a romper o círculo vicioso e destruidor da violência, apresentando a outra face a quem nos bate, para vencer o mal com o bem (cf. Rm 12, 21).

Impressiona-me um detalhe da história do Cardeal Korec. Era um cardeal jesuíta, perseguido pelo regime, encarcerado, forçado a trabalhar duramente até que adoeceu. Quando foi a Roma no Jubileu do ano 2000, deslocou-se às catacumbas e acendeu uma vela pelos seus perseguidores, implorando para eles misericórdia. Isto é Evangelho! Cresce na vida e na história através do amor humilde e paciente.

Caríssimos, agradeço a Deus por estar entre vós, e de coração vos agradeço pelo que fazeis e sois e pelo que farão inspirados nesta homilia, que é uma semente que estou semeando, vejamos se as plantas crescem. Faço votos de que continueis o vosso caminho na liberdade do Evangelho, na criatividade da fé e no diálogo que brota da misericórdia de Deus, que nos fez irmãos e irmãs e nos chama a ser artífices de paz e concórdia. De coração vos abençoo. E, por favor, rezai por mim. Obrigado!

Confira também:

Nossa missão é a verdade. Junte-se a nós!

Sua doação mensal ajudará nossa equipe a continuar relatando a verdade, com justiça, integridade e fidelidade a Jesus Cristo e sua Igreja.

Doar