Lesbos, Dec 5, 2021 / 08:57 am
O papa Francisco viajou hoje, 5 de dezembro, à ilha grega de Lesbos para visitar um centro de acolhida onde vivem milhares de refugiados. Ele rezou para que o Senhor "nos sacuda do individualismo", porque "a fé pede compaixão e misericórdia" com quem sofre.
"Neste domingo, peço a Deus que nos acorde da indiferença por quem sofre, nos sacuda do individualismo que exclui, desperte os corações surdos às necessidades dos outros. E peço também ao homem, a todo o homem: superemos a paralisia do medo, a indiferença que mata, o desinteresse cínico que, com luvas de veludo, condena à morte quem está colocado à margem. Contrariemos na sua raiz o pensamento dominante, aquele que gira em torno do próprio eu, dos próprios egoísmos pessoais e nacionais que se tornam medida e critério de tudo", disse o papa.
Esta visita histórica do papa começou pela manhã, quando viajou de Atenas para o aeroporto de Mitilene, na ilha de Lesbos. Em seguida, dirigiu-se até o Centro de Recepção e Identificação de Mitilene, saiu do veículo e caminhou por 20 minutos para cumprimentar vários refugiados, muitos deles mulheres e crianças.
Depois, Francisco foi para uma grande tenda com vista para o mar e os numerosos contêineres onde vivem as mais de duas mil pessoas que aguardam receber algum tipo de documento de imigração que lhes permita viver em um país europeu.
Após ouvir as palavras da presidente da Grécia, a saudação do bispo local, os testemunhos de um refugiado e de um voluntário e as canções de um coro constituído principalmente por africanos, o papa pronunciou seu discurso.
"Irmãs, irmãos, vim de novo aqui para vos encontrar. Estou aqui para vos certificar da minha proximidade, e faço-o com o coração. Estou aqui para contemplar os vossos rostos, para ver-vos olhos nos olhos. Olhos cheios de medo e ansiedade, olhos que viram violência e pobreza, olhos sulcados por demasiadas lágrimas", disse o papa.
Francisco recordou sua visita a Lesbos em 16 de abril de 2016, ao então campo de refugiados de Moira – destruído por um incêndio em setembro de 2020 – e as palavras que o patriarca ecumênico Bartolomeu pronunciou naquele ano: "A migração não é um problema do Médio Oriente e do norte da África, da Europa e da Grécia. É um problema do mundo inteiro". "Sim, é um problema mundial, uma crise humanitária que diz respeito a todos", acrescentou o papa.
Além disso, lembrou que "a pandemia atingiu-nos globalmente, fez com que todos nos sentíssemos no mesmo barco, fez-nos experimentar o que significa ter os mesmos temores. Compreendemos que as grandes questões devem ser enfrentadas em conjunto, porque, no mundo atual, são inadequadas as soluções fragmentadas".
No entanto, o papa lamentou que "enquanto as vacinações se estão a efetuar fadigosamente a nível planetário e algo parece mover-se, embora por entre inúmeros atrasos e incertezas, na luta contra as mudanças climáticas, tudo parece baldar-se terrivelmente no que diz respeito às migrações".
"Há pessoas, vidas humanas em jogo. Está em jogo o futuro de todos, que, só poderá ser sereno, se for integrador. Só se aparecer reconciliado com os mais frágeis é que o futuro será próspero. Pois quando são repelidos os pobres, repele-se a paz".
O papa destacou que "fechamentos e nacionalismos – a história no-lo ensina – levam a consequências desastrosas". Citou a Constituição Gaudium et spes do Concílio Vaticano II, que diz que são "absolutamente necessárias para a edificação da paz (…) a vontade firme de respeitar a dignidade dos outros homens e povos e a prática assídua da fraternidade".
Apesar disso, o pontífice lamentou que, "com amargura, porém, temos de admitir que este país, à semelhança de outros, continua sob pressão e que, na Europa, há quem persista em tratar o problema como um assunto que não lhe diz respeito. Isto é trágico".
"É triste ouvir propor, como solução, o uso de fundos comuns para construir muros, para levantar barreiras de arame farpado. Estamos na época dos muros e do arame farpado. Claro, compreendem-se os medos e inseguranças, as dificuldades e perigos. Fazem-se sentir o cansaço e a frustração, agravados pelas crises econômica e pandêmica, mas não é erguendo barreiras que se resolvem os problemas e melhora a convivência. Antes pelo contrário, é unindo as forças para cuidar dos outros segundo as possibilidades reais de cada um e no respeito da legalidade, colocando sempre em primeiro lugar o valor incancelável da vida de cada homem, de cada mulher, de toda a pessoa".
O papa destacou que "se queremos recomeçar, olhemos sobretudo os rostos das crianças. Tenhamos a coragem de nos envergonhar à vista delas, que são inocentes e constituem o futuro. Interpelam as nossas consciências, perguntando-nos: «Que mundo nos quereis dar?» Não fujamos apressadamente das cruas imagens dos seus corpinhos estendidos, inertes, nas praias".
"Não deixemos que o mare nostrum se transforme num desolador mare mortuum, que este lugar de encontros se transforme no palco de confrontos. Não permitamos que este «mar das memórias» se transforme no «mar do esquecimento». Por favor, irmãos e irmãs, paremos este naufrágio de civilização", disse.
Por fim, o papa convidou a pedir a "Nossa Senhora para que nos abra os olhos aos sofrimentos dos irmãos. Ela pôs-Se a caminho apressadamente para ir ter com a prima Isabel, que estava grávida. Quantas mães grávidas, apressadas e em viagem, encontraram a morte enquanto levavam no ventre a vida".
"Que a Mãe de Deus nos ajude a ter um olhar materno, que veja nos homens filhos de Deus, irmãs e irmãos que devemos acolher, proteger, promover, integrar e... amar ternamente. Que a Toda Santa nos ensine a colocar a realidade do homem antes das ideias e das ideologias, e a mover, rápido, os passos ao encontro de quem sofre", pediu o papa antes de conduzir a oração do Ângelus.
No final, algumas crianças se aproximaram e o papa as abençoou. Depois, o papa seguiu de carro até outra área, desceu novamente do carro e caminhou por algumas habitações, cumprimentando e abençoando várias famílias.
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