BEIRUTE, Jan 31, 2022 / 14:12 pm
Teve início o processo de beatificação do padre Nicolás Kluiters, missionário jesuíta que morreu "por causa da fé" por evangelizar e construir a paz em meio à guerra civil no Líbano.
O padre Nicolás Kluiters sequestrado em 14 de março de 1985 enquanto caminhava por uma estrada do Vale do Bekaa, no Líbano, onde evangelizava em meio à guerra civil. Depois, foi torturado até a morte.
Segundo o vice-postulador de sua causa de beatificação, seu trabalho gerou a ira de partidos pró-sírios, de esquerda ou xiitas libaneses. O Vale do Bekaa é o território do Hizbollah, milícia xiita pró-Irã.
O Líbano esteve em guerra civil entre 1975 e 1990, um conflito multifacetado e multiconfessional pelo controle político que causou a morte de cerca de 120 mil pessoas, o êxodo de milhões de pessoas e deixou milhares de deslocados internos.
O vigário apostólico de Beirute para os Latinos, dom César Essayan, presidiu a sessão do tribunal eclesiástico para examinar o processo do padre Kluiters, numa sala da Igreja de São José, da ordem dos Jesuítas, em Beirute.
Nesse mesmo dia, para comemorar o início do processo de beatificação, dom Essayan celebrou uma missa, que contou com a presença de um grande número de habitantes de Barqa, cidade maronita onde padre Kluiters era pároco e tem fama de santidade.
Biografia
Padre Nicolás Kluiters nasceu em Delft, Holanda, em 1940. Em 1966, depois de estudar Belas Artes, ingressou na Companhia de Jesus, onde terminou seus estudos de teologia e foi ordenado sacerdote.
O padre viajou então para o Líbano, onde aprendeu árabe e se formou assistente social. Em 1976, de acordo com o superior geral dos Jesuítas, padre Peter-Hans Kolvenbach, desembarcou no Líbano para iniciar sua missão evangelizadora.
Inicialmente, padre Kluiters se estabeleceu com outros três companheiros: os padres Hans Putman, Hani Rayess e Tony Aoun, no convento de Taanayel, localizado ao norte da planície de Beca.
Ali, com o apoio de algumas ordens religiosas femininas como as salesianas, a Congregação dos Sagrados Corações, os Franciscanos Missionários de Maria e as Irmãzinhas e Religiosas de Jabboulé, celebrou missas e atendeu confissões, celebrou batizados e funerais, catequeses para primeira comunhão, vigílias, retiros espirituais, atividades para jovens, etc.
Em 1981, a pedido do arcebispo maronita de Zahlé, dom Georges Iskandar, padre Kluiters foi nomeado pároco da igreja local de Barqa.
A cidade de Barqa "fazia parte de um triângulo entre Chlifa, Aynata e Nabha. No interior, todas as cidades eram maronitas. Toda a área ao redor era muçulmana xiita", disse o padre Sicking.
Barqa também tinha dificuldades econômicas e disputas paroquiais. Por exemplo, nas igrejas de São Miguel e São José, localizadas em extremos opostos da cidade, as famílias rivais celebravam cada uma sua própria missa.
O padre construiu uma escola entre as capelas dos dois extremos da cidade e encorajou as irmãs da Congregação dos Sagrados Corações a se estabelecerem na região. Ele também construiu uma igreja e projetou uma via-sacra ao ar livre.
Kluiters fez obras de interesse público, que uniram a comunidade, como o trabalho da terra, a geração de empregos, a melhoria da saúde e da infraestrutura viária.
Assim, fez canais de irrigação, reservatórios de água, plantações de árvores frutíferas, como forma de combater o cultivo ilegal de haxixe; organizou oficinas de costura em colaboração com uma fábrica têxtil em Beirute; promoveu a construção de uma estrada que leva a hortos distantes; e em colaboração com a Ordem de Malta, construiu um centro de saúde.
Estes projetos promoveram a unidade da aldeia e o apoio da população que hospedava o padre em suas próprias casas.
O padre não tinha medo de percorrer a planície de Bekaa e, apesar de seu árabe não ser perfeito, viajava todos os dias a Hermel para celebrar a missa com as Irmãzinhas de Charles de Foucauld.
Apesar dos desafios, Kluiters usou seus dons para criar pontes entre as aldeias, através de seu trabalho de evangelização e desenvolvimento social e econômico da comunidade.
"O milagre da minha vocação na região do Bekaa é que pude vivenciar uma transformação dos aldeões: habitantes que lutavam entre si e que se transformaram em homens que constroem seu futuro juntos", disse o padre em uma de suas cartas.
O vice-postulador da causa de beatificação, padre Thom Sicking, disse que "infelizmente, com o passar do tempo e a realização dos projetos, algumas das facções opostas - partidos pró-sírios, esquerdistas ou xiitas - se sentiram ofuscadas pela figura desse homem, que era um obstáculo à sua influência e, sobretudo, aos seus planos: ele os preocupava".
Um ano antes de sua morte, padre Kluiters viajou a Roma para um retiro espiritual e, embora a princípio pensasse que sua missão em Barqa tivesse terminado e que podia iniciar uma nova missão no Sudão, decidiu voltar "para consolidar o trabalho realizado". Pouco depois, foi morto.
Para o padre Sicking, sua decisão foi semelhante à dos monges de Tibhirine, Argélia, que permaneceram em seu mosteiro em solidariedade ao seu povo, apesar do risco da violência dos extremistas islâmicos. Os monges, que também foram sequestrados e decapitados, foram beatificados em 26 de janeiro de 2018.
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Padre Kolvenbach disse que, como os monges, o martírio veio para Kluiters "não como uma surpresa, mas como fruto de um longo amadurecimento vivido em união com a oferta de Cristo, seu Senhor crucificado e ressuscitado".
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