17 de dezembro de 2024 Doar
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Discurso do papa no Encontro de Oração com bispos, sacerdotes e agentes pastorais

Captura de tela Vatican Media

Em seu último dia no Bahrein, o papa Francisco teve um encontro de oração com bispos, sacerdotes, consagrados, seminaristas e agentes pastorais. A seguir, o texto completo:

Amados bispos, sacerdotes, consagrados e seminaristas, agentes pastorais, bom dia! Bom dia!

Sinto-me feliz por me encontrar no vosso meio, nesta comunidade cristã que manifesta claramente o seu rosto «católico», isto é, universal: uma Igreja habitada por pessoas provenientes de muitas partes do mundo, que se reúnem para confessar a única fé em Cristo. O bispo dom Paulo Hinder, a quem agradeço o serviço e as suas palavras, ontem falou de «um pequeno rebanho formado por migrantes»: deste modo, ao saudar cada um de vós, penso também nos povos a que pertenceis, nas vossas famílias que saudosamente guardais no coração, nos vossos países de origem. De forma particular, ao ver aqui presentes os fiéis do Líbano asseguro a minha oração e solidariedade a este amado país, tão cansado, tão provado, e a todos os povos que sofrem no Médio Oriente. É bom pertencer a uma Igreja formada por histórias e rostos diferentes, que encontram harmonia no único rosto de Jesus. E tal variedade – vi-o nos últimos dias – é o espelho deste país, das pessoas que o povoam mas também da paisagem que o caracteriza e que, embora dominada pelo deserto, goza duma rica e variegada presença de plantas e seres vivos.

As palavras de Jesus que ouvimos, falam da água viva que jorra de Cristo e dos crentes (cf. Jo 7, 37-39). Fizeram-me pensar precisamente nesta terra. É verdade que há muito deserto, mas existem também fontes de água doce que correm silenciosamente no subsolo, irrigando-o. É uma boa imagem do que vós sois e sobretudo daquilo que a fé realiza na vida: à superfície emerge a nossa humanidade, ressequida por tantas fragilidades, medos, desafios que deve enfrentar, males pessoais e sociais de vário gênero; mas no mais fundo da alma, mesmo dentro, no íntimo do coração, corre calma e silenciosa a água doce do Espírito, que irriga os nossos desertos, restitui vigor ao que corre o risco de secar, lava aquilo que nos embrutece, sacia a nossa sede de felicidade. E não cessa de renovar a vida. É desta água viva que fala Jesus; esta é a fonte de vida nova que Ele nos promete: o dom do Espírito Santo, a presença terna, amorosa e regeneradora de Deus em nós.

Assim far-nos-á bem deter na cena que o Evangelho descreve. Jesus encontra-se no templo de Jerusalém, onde está a celebrar-se uma das festas mais importantes, durante a qual o povo bendiz ao Senhor pela dádiva da terra e das colheitas, comemorando a Aliança. E, naquele dia de festa, realizava-se um rito importante: o sumo sacerdote ia à piscina de Siloé, tirava água e depois, enquanto o povo cantava e exultava, derramava-a fora das muralhas da cidade para indicar que, de Jerusalém, fluiria uma grande bênção para todos. De facto, o salmista havia dito de Jerusalém: «A minha única fonte está em ti» (Sal 87, 7); e o profeta Ezequiel falara duma nascente de água que, jorrando do templo, havia de irrigar e fecundar toda a terra como um rio (Ez 47,1-12).

Com tais premissas, compreendemos bem o que nos quer dizer o Evangelho de João com esta cena: está-se no último dia da festa e Jesus, «de pé», bradou: «Se alguém tem sede, venha a Mim» (Jo 7, 37), porque do seu seio jorrarão «rios de água viva» (7, 38). Que convite estupendo! E o evangelista explica: «Ele disse isto, referindo-se ao Espírito que iam receber os que n'Ele acreditassem; com efeito, ainda não tinham o Espírito, porque Jesus ainda não tinha sido glorificado» (7, 39). A alusão é à hora em que Jesus morre na cruz: naquele momento sairá, já não do templo de pedra, mas do lado aberto de Cristo a água da vida nova, a água vivificante do Espírito Santo, destinada a regenerar toda a humanidade, libertando-a do pecado e da morte.

Irmãos e irmãs, recordemo-nos sempre disto: a Igreja nasce ali, nasce do lado aberto de Cristo, de um banho de regeneração no Espírito Santo (cf. Tt 3, 5). Não somos cristãos por mérito nosso ou apenas porque aderimos a um credo, mas porque, no Batismo, nos foi dada a água viva do Espírito, que nos torna filhos amados de Deus e irmãos uns dos outros, fazendo-nos novas criaturas. Tudo jorra da graça – tudo é graça –, tudo vem do Espírito Santo. Deixai, pois, deter-me brevemente convosco sobre três grandes dons que o Espírito Santo nos entrega, pedindo para os acolhermos e vivermos: a alegria, a unidade e a profecia. A alegria, a unidade e a profecia.

Antes de mais nada, o Espírito é fonte de alegria. A água doce que o Senhor quer fazer correr nos desertos da nossa humanidade, feita de terra e fragilidade, é a certeza de nunca estarmos sozinhos no caminho da vida. De fato, o Espírito é Aquele que não nos deixa sozinhos, é o Consolador; conforta-nos com a sua discreta e benéfica presença, acompanha-nos com amor, ampara-nos nas lutas e dificuldades, encoraja os nossos sonhos mais belos e os nossos maiores desejos, abrindo-nos ao assombro perante a beleza da vida. Por isso, a alegria do Espírito não é um estado ocasional nem uma emoção do momento; e muito menos aquela espécie de «alegria consumista e individualista tão presente nalgumas experiências culturais de hoje» (Francisco, Exort. ap. Gaudete et exsultate, 128). Pelo contrário, a alegria no Espírito é aquela que nasce da relação com Deus, de saber que, mesmo nas dificuldades e noites obscuras que por vezes atravessamos, não estamos sozinhos, perdidos ou derrotados, porque Ele está conosco. E, com Ele, podemos enfrentar e superar tudo, até os abismos do sofrimento e da morte.

A vós, que descobristes esta alegria e a viveis em comunidade, gostaria de dizer: conservai-a; mais ainda, multiplicai-a. E sabeis qual é o método melhor para fazer isto? É dá-la. Sim, é mesmo assim: a alegria cristã é contagiante, porque o Evangelho faz sair de nós mesmos para comunicar a beleza do amor de Deus. Por isso, é essencial que, nas comunidades cristãs, não esmoreça a alegria e seja partilhada; não nos limitemos a repetir gestos por hábito, sem entusiasmo, nem criatividade. Caso contrário, perderemos a fé e tornar-nos-emos uma comunidade fastidiosa, e isto é feio! É importante fazer circular a alegria do Evangelho não só na Liturgia, em particular na celebração da Missa, fonte e ápice da vida cristã (cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. Sacrosanctum Concilium, 10), mas também numa ação pastoral vivaz, especialmente a favor dos jovens, das famílias e das vocações para a vida sacerdotal e religiosa. A alegria cristã não a podemos guardar para nós mesmos e, quando a colocamos em circulação, multiplica-se.

Em segundo lugar, o Espírito Santo é fonte de unidade. Todos aqueles que O acolhem, recebem o amor do Pai e tornam-se seus filhos (cf. Rm 8, 15-16); e, se são filhos de Deus, são também irmãos e irmãs. Não pode haver espaço para as obras da carne, isto é, do egoísmo: divisões, litígios, calúnias, murmurações. Por favor, tende cuidado com a murmuração: as murmurações destroem uma comunidade. As divisões do mundo, e também as diferenças étnicas, culturais e rituais não podem ferir ou comprometer a unidade do Espírito. Pelo contrário, o seu fogo queima os desejos mundanos e incendeia a nossa vida com aquele amor acolhedor e compassivo com que Jesus nos ama, para podermos, por nossa vez, amar-nos assim entre nós. Por isso, quando o Espírito do Ressuscitado desce sobre os discípulos, torna-se fonte de unidade e fraternidade contra todo o egoísmo; inaugura a linguagem única do amor, para que as diferentes línguas humanas não permaneçam distantes e incompreensíveis; derruba as barreiras da difidência e do ódio, para criar espaços de acolhimento e diálogo; liberta do medo e infunde a coragem de sair ao encontro dos outros com a força desarmada e desarmante da misericórdia.

Isto é feito pelo Espírito Santo, que assim molda a Igreja desde as origens: a partir do Pentecostes, as diferentes proveniências, sensibilidades e perspectivas são harmonizadas na comunhão, forjadas numa unidade que não é uniformidade, é harmonia, porque o Espírito Santo é harmonia. Se recebemos o Espírito, a nossa vocação eclesial é, antes de mais nada, a de guardar a unidade e promover o todo ou – como diz São Paulo – «manter a unidade do Espírito, mediante o vínculo da paz. Há um só Corpo e um só Espírito, assim como a vossa vocação vos chamou a uma só esperança» (Ef 4, 3-4).

No seu testemunho, Chris disse que, quando era muito jovem, o que a fascinara na Igreja Católica era «a devoção comum de todos os fiéis», independentemente da cor da pele, da proveniência geográfica, da língua: todos reunidos numa só família, todos a cantar os louvores do Senhor. Esta é a força da comunidade cristã, o primeiro testemunho que podemos dar ao mundo. Procuremos ser guardiões e construtores de unidade! Para ser credíveis no diálogo com os outros, vivamos a fraternidade entre nós. Façamo-lo nas comunidades, valorizando os carismas de todos sem mortificar ninguém; façamo-lo nas casas religiosas, como sinais viventes de concórdia e de paz; façamo-lo nas famílias, de modo que o vínculo de amor do sacramento se traduza em atitudes quotidianas de serviço e de perdão; façamo-lo também na sociedade multirreligiosa e multicultural em que vivemos: sejamos sempre a favor do diálogo, sempre, tecedores de comunhão com os irmãos de outros credos e confissões. Sei que já dais um bom exemplo neste caminho, mas a fraternidade e a comunhão são dons que não nos devemos cansar de pedir ao Espírito, para repelir as tentações do inimigo que não cessa de semear cizânia.

Por fim, o Espírito é fonte de profecia. Como sabemos, a história da salvação está constelada por numerosos profetas que Deus chama, consagra e envia ao meio do povo para falar em nome d'Ele. Os profetas recebem do Espírito Santo a luz interior que os torna intérpretes atentos da realidade, capazes de captar, nas tramas por vezes obscuras da história, a presença de Deus e de a indicar ao povo. Com frequência, as palavras dos profetas são pungentes: chamam pelo nome aos projetos maus que se abrigam no coração das pessoas, põem em crise as falsas seguranças humanas e religiosas, convidam à conversão.

Também nós temos esta vocação profética: todos os batizados receberam o Espírito e todos são profetas. E, como tal, não podemos fingir que não vemos as obras do mal, deixar-nos estar tranquilos na vida para não sujarmos as mãos. Um cristão, mais cedo ou mais tarde, tem de sujar as mãos para viver a sua vida cristã e dar testemunho. Pelo contrário, recebemos um Espírito de profecia para trazer à luz o Evangelho com o nosso testemunho de vida. Por isso São Paulo exorta: «aspirai aos dons do Espírito, mas sobretudo ao da profecia» (1 Cor 14, 1). Esta torna-nos capazes de praticar as Bem-aventuranças evangélicas nas situações quotidianas, isto é, construir com firme mansidão aquele Reino de Deus onde o amor, a justiça e a paz se opõem a toda a forma de egoísmo, violência e degradação. Ouvi, com apreço, a Irmã Rose falar do seu ministério entre as reclusas, nas prisões. Isto é estupendo! Uma possibilidade pela qual devemos agradecer. A profecia que edifica e conforta estas pessoas é partilhar com elas o tempo, distribuir em pedacinhos a Palavra do Senhor, rezar com elas. É prestar-lhes atenção, porque onde há irmãos necessitados, como os reclusos, está Jesus: Jesus ferido em cada pessoa que sofre (cf. Mt 25, 40). Sabeis o que penso quando entro num cárcere? «Porquê ele, e não eu?». É a misericórdia de Deus. Mas cuidar dos reclusos é útil a todos, como comunidade humana, porque é pela forma como se tratam os últimos que se mede a dignidade e a esperança duma sociedade.

Nestes meses, queridos irmãos e irmãs, temos rezado tanto pela paz. Neste contexto, constitui uma esperança o acordo que foi assinado a respeito da situação na Etiópia. Encorajo todos a apoiar este compromisso em prol duma paz duradoura, para que, com a ajuda de Deus, se continuem a percorrer os caminhos do diálogo e o povo volte em breve a encontrar uma vida serena e digna. Além disso não quero esquecer de rezar e dizer-vos para rezardes pela atribulada Ucrânia, para que acabe aquela guerra.

E agora, queridos irmãos e irmãs, chegamos ao fim. Quero dizer-vos «obrigado» por estes dias que vivemos juntos; mas não esqueçais a alegria, a unidade e a profecia. Não as esqueçais! Com ânimo repleto de gratidão, abençoo a todos vós, especialmente a quantos trabalharam para esta viagem. E, uma vez que serão estas as últimas palavras públicas que pronuncio, permiti-me agradecer a Sua Majestade o Rei e às Autoridades deste país – nomeadamente ao Ministro da Justiça, aqui presente – a requintada hospitalidade. Encorajo-vos a continuar, com constância e alegria, o vosso caminho espiritual e eclesial. E agora invoquemos a intercessão materna da Virgem Maria, sentindo-me feliz por a venerar como Nossa Senhora da Arábia. Que Ela nos ajude a deixar-nos sempre guiar pelo Espírito Santo e nos mantenha alegres, unidos no afeto e na oração. Conto com a vossa oração: não vos esqueçais de rezar por mim.

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