Vaticano, Nov 23, 2022 / 14:44 pm
Por que o papa Francisco destituiu todo o conselho da organização mundial de ajuda da Igreja Católica ontem (22)?
Qual será o papel de Pier Francesco Pinelli como comissário extraordinário da Caritas Internationalis, nomeado por decreto papal em 22 de novembro?
Uma data-chave para entender essa decisão e como ela se encaixa na reforma mais ampla da Santa Sé é 15 de outubro de 2022, quando o papa Francisco recebeu em audiência no Vaticano o padre Giacomo Canobbio e delegados da Bain Capital, a empresa financeira em que Pinelli trabalhou anteriormente.
Canobbio é o padre que foi nomeado pelo papa Francisco sem aviso prévio como comissário da Pontifícia Universidade Lateranense.
Estas duas nomeações são típicas do modo de proceder do papa: enviar uma inspeção ou investigação e depois nomear um comissário em algum organismo no qual quer reformar alguma coisa e em que parece não haver razão para nomear um.
O papado das comissões
Dom Claudio Maniago foi nomeado inspetor para a Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, depois da inspeção o papa nomeou o arcebispo Arthur Roche como prefeito do dicastério.
O bispo Egidio Miragoli inspecionou a Congregação para o Clero, processo que estava em andamento quando o papa nomeou o bispo coreano Lazzaro You Heung-sik, depois criado cardeal, como prefeito do dicastério.
No início de seu pontificado, o papa Francisco nomeou várias comissões.
Uma delas foi a das estruturas administrativas da Santa Sé, conhecidas como COSEA. Outra foi a CRIOR, que estudou o Instituto para Obras de Religião (IOR), comumente conhecido como Banco do Vaticano.
O trabalho destas duas comissões resultou na ampla reforma dos departamentos financeiros da Santa Sé e nos novos estatutos do IOR, promulgados em 2019.
No caso da nomeação do comissário extraordinário ontem (22), o precedente é a inspeção do Dicastério para a Promoção do Desenvolvimento Humano Integral.
A inspeção aconteceu em julho de 2021 e foi conduzida pelo cardeal Blase Cupich, arcebispo de Chicago, EUA.
A equipe também incluiu Irmã Helen Alford, vice-reitora da Pontifícia Universidade Angelicum e membro ordinário da Pontifícia Academia de Ciências Sociais; e Pinelli, o novo comissário extraordinário da Cáritas.
O perfil de Pinelli
Engenheiro de formação e gestor experiente, Pinelli trabalhou em várias instituições, e foi consultor de empresas de gestão e investimento.
Várias fontes disseram à CNA, agência em inglês do grupo ACI, que Pinelli também esteve envolvido na reestruturação do que hoje é o Dicastério para o Desenvolvimento Humano Integral.
Um comunicado de imprensa do departamento diz que Pinelli é um engenheiro "com uma forma de proceder mais humanista do que técnica" e que é "formado na espiritualidade inaciana", de santo Inácio de Loyola, fundador da ordem jesuíta a que pertence o papa Francisco. Pinelli é um homem que "desde muito jovem atuou como voluntário trabalhando com a recuperação de dependentes químicos, na cooperação para o desenvolvimento, no apoio às obras missionárias e na catequese", diz o comunicado. Ele é casado, tem três filhos e três netos.
Segundo o comunicado, "em 33 anos de trabalho", Pinelli acumulou experiência gerencial em diversos setores, inclusive em uma grande empresa de energia.
Tendo trabalhado como gerente de projetos para empresas de energia e como consultor de gestão para a Bain, Pinelli também tem experiência trabalhando com obras e instituições religiosas e seculares, diz o comunicado.
Sua formação e cargos em instituições jesuítas podem ter influenciado sua nomeação. É provável que o cardeal jesuíta Michael Czerny, atual prefeito do dicastério, influenciou para envolver a ele e outros.
Parece claro que o papa quer reformar a Caritas Internationalis, incluindo seus estatutos e regulamentos.
A Caritas Internationalis, fundada em 1951, é uma confederação católica de 162 organizações de caridade sediadas em 200 países ao redor do mundo. Sua sede está no Vaticano e a Santa Sé supervisiona sua atividade.
Segundo o dicastério do cardeal Czerny, "o trabalho realizado não revelou qualquer evidência de má administração financeira ou comportamento inadequado de natureza sexual, mas, ao mesmo tempo, foram destacadas questões e áreas que requerem atenção urgente. Foram encontradas deficiências nos procedimentos de gestão que tiveram um efeito negativo também no espírito de equipe e no moral dos funcionários".
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A reforma dos estatutos será a primeira tarefa do novo comissário.
Pinelli será auxiliado pela chefe de advocacia da Caritas Internationalis, Maria Amparo Alonso Escobar, e pelo padre jesuíta Manuel Morujão, que fará acompanhamento pessoal e espiritual aos empregados da Caritas, segundo o decreto do papa Francisco.
A próxima assembleia geral da Caritas Internationalis está marcada para maio de 2023 em Roma, com a nomeação do novo presidente, secretário-geral e tesoureiro. Até lá o processo de reforma possivelmente estará completo.
A Caritas Internationalis passará por uma revisão "com o objetivo de melhorar suas normas e procedimentos de gestão - embora a gestão financeira seja correta e os objetivos de captação de recursos tenham sido alcançados - e assim servir melhor as organizações membros da confederação em todo o mundo".
Quanto à mudança dos estatutos da Caritas Internationalis, tratou-se simplesmente de passar as competências do Pontifício Conselho Cor Unum, que já não existe, ao Dicastério para a Promoção do Desenvolvimento Humano Integral, que absorveu as suas funções.
Em relação ao regulamento, essas alterações não foram comunicadas. Mas em geral aceitaram alguns dos pedidos aprovados pela Assembleia Geral da Cáritas, que previa promover a presença de mulheres nos mais altos órgãos representativos e incluir dois jovens nos mesmos órgãos representativos.
Em especial, falava-se do Conselho de Representantes da federação, abreviado com o nome de RE.CO. (sigla de Conselho de Representantes). Estas indicações já foram implementadas e estarão operacionais.
A estrutura da Caritas Internationalis foi assim "ajustada" e adaptada à reforma da Cúria.
No entanto, os estatutos da Caritas Internationalis permaneceram confirmados na estrutura quando o papa Bento XVI os reformou em 2012.
Esses estatutos fortaleceram a colaboração entre a Caritas Internationalis e a Santa Sé e descreveram claramente as competências da Secretaria de Estado da Santa Sé. A nova estrutura da Caritas Internationalis deu maior coordenação aos departamentos e organismos relacionados com a Santa Sé, que também se referiam a aspectos doutrinais.
O motivo da reforma de Bento XVI
A reforma de 2012 fazia parte de um projeto maior de Bento XVI para cumprir integralmente as disposições da Pastor Bonus que é a constituição apostólica que regulava as funções e tarefas dos escritórios da Cúria, agora substituída pela Praedicate Evangelium do papa Francisco.
A reforma de 2012 veio depois de uma crise de governança. Em 2011, o secretário de Estado não aprovou a reeleição da ex-secretária geral, Lesley-Anne Knight, embora o trabalho dela tenha sido foi elogiado pelo então presidente da Caritas Internationalis, cardeal Oscar Andrés Rodríguez Maradiaga.
Ela foi substituída por Michel Roy, francês, que trabalhava com Secours Catholique, a Caritas da França.
A não confirmação de Knight também decorre da nova abordagem adotada com a reforma posterior da Caritas Internationalis.
Foi uma abordagem derivada da formulação da encíclica Caritas in veritate de Bento XVI. Nela, ele destacou que o desenvolvimento humano e a ajuda externa não podem ser separados da exigência pela verdade.
A encíclica também denunciou o fato de que muitas organizações internacionais estavam promovendo o aborto, a contracepção, a esterilização e a eutanásia. Essa foi uma abordagem que Knight não compartilhou completamente, como disse publicamente à mídia na época.
Enquanto alguns aprovaram a saída de Knight, outros ficaram desapontados. Apesar de uma forte mudança geracional na Caritas Internationalis nos últimos anos, esses sentimentos de divisão podem ter permanecido em segundo plano e alimentado algumas reclamações sobre "gestão e procedimentos".
Como será a nova reforma?
O tom do comunicado do dicastério sugere que a reforma será mais gerencial. Mas, acima de tudo, é uma mudança substancial na filosofia a respeito da reforma de Bento XVI.
Resumindo, poderia ser outra mudança de paradigma do papa Francisco, comparável até certo ponto às suas restrições à missa tradicional em latim.
A partir deste ponto de vista, o papa Francisco identificou várias pessoas para ajudar a completar suas mudanças na estrutura da Igreja.
Ao fazer a reforma, o papa não hesita em destituir alguém como o cardeal Luis Antonio Tagle, atual presidente da Cáritas, que agora está encarregado de "fazer a ligação" com Pinelli e sua equipe para a próxima assembleia geral.
Corria o boato de que o cardeal Tagle seria nomeado prefeito do Dicastério dos Bispos. Mesmo que esses rumores fossem confirmados, sua imagem pública foi comprometida pela decisão da Cáritas. Isso também pesará num futuro conclave. Tagle, muito próximo do papa francisco, já foi apontado como forte candidato à sucessão do papa.
O papa Francisco disse em uma de suas homilias nos dias de confinamento por causa da covid-19 em 2020 que continua sendo crítico com as organizações humanitárias que fazem um bom trabalho, mas gastam 60% do seu orçamento em salários.
Francisco lhes pediu que reduzam os custos ao mínimo, "para que a maior parte do dinheiro vá para o povo".
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