23 de dezembro de 2024 Doar
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Entrevista coletiva do papa Francisco no voo de volta da RD Congo e Sudão do sul

O papa Francisco durante a entrevista coletiva no voo de volta a Roma | Vatican Media

O papa Francisco concedeu uma entrevista coletiva no voo de volta a Roma, depois de visitar a República Democrática do Congo e o Sudão do Sul de 31 de janeiro a 5 de fevereiro.

O arcebispo da Cantuária e primaz da Igreja Anglicana, Justin Welby; e o moderador geral da Igreja Presbiteriana Escocesa, Iain Greenshields, também participaram da entrevista coletiva.

Nas respostas aos jornalistas, o papa Francisco falou de novo sobre a criminalização da homossexualidade e fez uma diferença entre a pessoa com esta tendência e o lobby gay. Também falou sobre qual poderia ser a sua próxima viagem e fez um chamado a erradicar a comercialização de armas.

Matteo Bruni, diretor da sala de imprensa da Santa Sé: Bom dia a todos. Está claro que foi uma viagem especial, especial tanto pelas coisas que vimos como pelas coisas que ouvimos, mas também porque foi uma viagem feita em companhia, como uma peregrinação em companhia. Uma imagem que pode ser claramente vista aqui neste momento. Eu gostaria de pedir aos jornalistas que quando façam as suas perguntas digam a quem vão dirigidas neste caso, porque conosco, junto ao Santo Padre, temos o moderador geral da Igreja Presbiteriana Escocesa, Iain Greenshields; e o arcebispo da Cantuária - e Primaz da Igreja Anglicana - Justin Welby. Antes de começarmos, gostaria de perguntar a Sua Santidade se ele gostaria de nos dizer alguma palavra.

Papa Francisco: Bom domingo e obrigado por este trabalho destes dias. Foi uma viagem ecumênica com meus dois irmãos, e por isso quis na coletiva de imprensa que estivessem também os dois. Sobretudo o arcebispo de Cantuária, que tem uma história de anos neste caminho da reconciliação. Trabalhou muito antes que eu, por isso queria que estivessem os dois. Obrigado e até logo.

Justin Welby: Boa tarde e muito obrigado Sua Santidade. Obrigado. Em janeiro de 2014, eu e minha mulher visitamos o Sudão do Sul no âmbito de uma viagem da comunhão anglicana e, chegando, o arcebispo nos pediu para ir a uma cidade chamada Bor. A guerra civil tinha iniciado cinco semanas antes e era muito feroz.

Quando chegamos a Bor, no aeroporto havia os primeiros corpos no portão, havia na época cinco mil cadáveres não enterrados em Bor, havia as Nações Unidas e muitas tropas ao redor.

Fomos para a catedral onde todos os padres tinham sido assassinados e as mulheres violentadas e mortas.  Era uma situação horrível.

Voltando para casa, seja eu, seja minha mulher, sentimos uma chamada profunda para ver o que poderia ser feito para ajudar as pessoas do Sudão do Sul e, desde então, em um dos encontros regulares que tenho o privilégio de realizar com o papa Francisco, falamos muito do Sudão do Sul e desenvolvemos a ideia de um retiro no Vaticano.

A minha equipe em Lambeth e o Vaticano trabalharam juntos, visitaram o Sudão do Sul em 2016, trabalharam in loco e com os líderes para tentar organizar esta visita.

Minha mulher trabalhou com mulheres líderes de comunidades e esposas de bispos. Visitamos líderes em exílio em Uganda.

Em 2018, ficou claro que havia a possibilidade para uma visita no início de 2019 e conseguimos, foi um milagre que tenha ocorrido. Um dos dois vice-presidentes estava em Cartum em prisão domiciliar. Recordo que 36 horas antes, num estacionamento de uma escola Nottingham, na Inglaterra, falei com o secretário-geral das Nações Unidas para que concedessem a ele o visto, coisa que fez brilhantemente, e conseguiu viajar pouco antes que fosse fechado o espaço aéreo para um golpe de Estado.

O momento crucial do encontro de 2019 foi, obviamente, o inesquecível gesto do papa que se ajoelhou e beijou os pés dos líderes dizendo: "peço-lhes que façam a paz" enquanto eles tentaram impedi-lo. Isso lembra diretamente o capítulo 30 do Evangelho de João. Foi um momento extremamente notável.

Tivemos conversas muito duras. Num dado momento, os vice-presidentes foram em separado a uma reunião que foi bastante intensa, mas no final se comprometeram em renovar o acordo de paz. Eu penso que o gesto do papa tenha sido o momento-chave, a reviravolta. Mas como diz um antigo treinador de futebol da Inglaterra, você é bom até o próximo jogo.

E a covid adiou a seguinte partida. Creio que o resultado tenha sido a perda de impulso no processo de paz. Quando viemos para esta visita, as equipes continuavam trabalhando, mas com menos confiança que em 2019.

 Mas terminei esta visita com um profundo sentimento de encorajamento, não tanto porque houve uma guinada, mas porque houve o sentimento, como disse o papa, de coração que fala a coração. Não foi em nível intelectual que se realizaram os contatos nos vários encontros.

O coração falou ao coração. E há um ímpeto no centro de tudo e nas bases e aquilo de que precisamos agora é de uma séria mudança do coração da parte da liderança. Devem aceitar um processo que leva a uma transição pacífica do poder. Nós dissemos isso publicamente, nós o dissemos, é preciso de um compromisso contra a corrupção e o contrabando para deter o enorme acúmulo de armas. Para isso, é preciso continuar trabalhando, com o Vaticano, e com o Lambert, para que esta porta aberta, que não está tão aberta quanto gostaria, se escancare e progrida. Daqui dois anos, haverá eleições, precisamos de progressos sérios até o fim de 2023. Passo a palavra ao moderador.

Iain Greenshields: Obrigado arcebispo. A minha experiência foi muito diferente à do papa e à do arcebispo. É a primeira vez que venho ao Sudão do Sul, mas não é a primeira vez que a minha Igreja vem ao Sudão do Sul, porque o moderador anterior havia viajado ao que, na sua opinião, era uma situação vulnerável.

A reconciliação e o perdão foi o centro das conversas e diálogos que tivemos em 2015, quando se convidou as pessoas a irem à Escócia para refletir, se formar e voltar ao Sudão do Sul, isso para os presbiterianos do Sudão do Sul. Como igreja presbiteriana, ajudamos refugiados sul-sudaneses. Nesta viagem, como disse, foi pronunciada a verdade do coração.

Acho que a situação agora é claramente esta: as ações falam mais do que as palavras. Fomos convidados pelo governo e pelas Igrejas para ir, como um amigo convidaria a entrar em uma casa. E nesse convite pediram-nos que ajudássemos em todo o possível para fazer a diferença nesta situação, encontrar os nossos parceiros, que tentássemos por todos os meios falar com os que estavam no poder. Isso já foi feito. Agora depende daqueles que podem fazer a diferença que inicie urgentemente o processo, e isso é o que nos foi pedido nesta visita.

Matteo Bruni: Obrigado. Agora podemos começar com as perguntas dos jornalistas.

Jean-Baptiste Malenge, Rádio Televisão Católica Enicha: Santo Padre, você desejou durante muito tempo visitar a República Democrática do Congo, agora todo o país irradia a alegria que o senhor acaba de semear. Qual é a importância que tem o acordo assinado entre a Santa Sé e a República Democrática do Congo? O acordo aborda assuntos de interesse comum como a educação e a saúde. O acordo está sendo aplicado, agora que o pastor universal sentiu o cheiro das ovelhas congolesas?

Papa Francisco: Obrigado. Antes do acordo, desculpem. Eu não conheço esse acordo, desculpem. Talvez, está aqui o Secretário de Estado, ele possa dar uma opinião. Sei que nos últimos tempos se preparava um acordo entre a Santa Sé e a República Democrática do Congo, mas não o conheço, não posso lhe responder sobre isso. Nem conheço a diferença do novo que está sendo preparado e o outro.

Essas coisas são feitas pela Secretaria de Estado, o secretário de Estado. Inclusive, mais de perto dom Gallagher, que está aqui, a parte política das relações com os Estados e a Santa Sé; e eles são bons em fazer acordos pelo bem de todos.

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Eu vi ali no Congo muita vontade de ir avante, tanta cultura. Antes de chegar aqui, tive alguns meses atrás um encontro via zoom com universitários africanos inteligentíssimos, e alguns eram do Congo. Há pessoas de uma inteligência superior, muito inteligentes, é uma de suas riquezas, jovens inteligentes e se deve dar lugar a eles, não fechar as portas.

Tem tantas riquezas naturais que atraem as pessoas para explorar o Congo, desculpem-me a palavra. Esta é a ideia. A África deve ser explorada. A África é para explorá-la. Alguém diz, não sei se é verdade, que os países que tinham colônias deram a independência do solo para cima, não para baixo, e vêm para explorar os minerais. Não sei se é verdade, mas dizem assim.

Mas a ideia de que a África deve ser explorada deve acabar. A África tem a sua própria dignidade, e o Congo tem um nível muito alto.

E falando de exploração, me impressionou, provoca dor o problema do Leste, que é um problema de guerra e exploração. No Congo, pude realizar um encontro com vítimas daquela guerra, terrível: feridos, amputados, tanta dor, tudo para pegar as riquezas. Isso não pode, não pode. Mas, voltado a sua pergunta sobre o Congo. O Congo tem inúmeras possibilidades.

Justin Welby: Não conheço o Leste assim tão bem. Minha mulher trabalhou com mulheres em conflito, mas em 2018 fez muitas viagens, logo antes da  covid, e quero concordar com todo o coração com o que disse Sua Santidade.

Devemos ser claros, o Congo não é um parque de diversões das grandes potências ou para a pirataria das pequenas companhias minerárias. As empresas de lá operam irresponsavelmente com minas artesanais, sequestra, usam crianças-soldado, cometem estupros em larga escala, e estão simplesmente depredando o país.

Esse país deveria ser um dos mais ricos da face da terra, capaz de ajudar o restante da África. O país foi torturado, lhe foi dada a independência política tecnicamente, mas sem independência econômica. E toda a experiência do leste, a última vez que estive lá foi durante o ebola, justo no meio da zona de milícias, e estivemos formando os pastores sobre como trabalhar com todo o tipo de ebola. A Igreja fez um trabalho extraordinário, são o único grupo funcional, em particular, Padre, a Igreja católica Romana faz um trabalho extraordinário. O projeto para os Grandes Lagos é maravilhoso, dirigido pela Igreja Católica Romana, é maravilhoso.

Mas as grandes potências devem dizer: a África, em especial o Congo, têm tantos recursos para oferecer em outro, metais, minerais e recursos que necessitaremos em todo o mundo. Se queremos que a economia mundial seja verde e salvar o planeta da mudança climática,  único modo para fazê-lo é não cobrir nossas mãos de sangue, buscar a paz do Congo e não a sua prosperidade.

Iain Greenshields: Não quero acrescentar muito, mas acho que foi uma resposta muito clara, para os que a temos; mas acho que há algo que o papa falou lá aos jovens. As grandes mentes jovens merecem a oportunidade de se desenvolverem. Minha experiência, em outras partes do mundo, as jovens mentes brilhantes merecem o direito e as mesmas oportunidades, exatamente igual que em qualquer outro país, especialmente nos países em via de desenvolvimento. Os direitos das mulheres e, em particular, das mulheres jovens, devem ser reconhecidos com equidade.

Jean-Luc Mootosamy, da imprensa africana: Temos visto como a violência não cessa apesar de décadas de presença de missões da ONU. Como podem os senhores, juntos, ajudar a promover um novo modelo de intervenção, dada a crescente tentação de muitas nações africanas de escolher outros parceiros para garantir sua segurança, parceiros que podem não respeitar as leis internacionais, como algumas empresas privadas russas ou outras organizações, na região do Sahel, por exemplo? Obrigado

Papa Francisco: O tema da violência é um tema cotidiano. Acabamos de vê-lo no Sudão do Sul. É doloroso ver como a violência é provocada. Uma das questões é a venda de armas. O arcebispo Welby também disse algo a esse respeito. A venda de armas: eu acho que esta é a maior praga do mundo. O negócio... a venda de armas.

Alguém que entende me disse que sem a venda de armas por um ano acabaria à fome mundial. Eu não sei se isso é verdade. Mas hoje no topo está a venda de armas. E não apenas entre as grandes potências. Também para estas pobres pessoas... eles semeiam a guerra dentro. É cruel. Eles lhes dizem: "Vão para a guerra!" e lhes dão armas. Porque por detrás há interesses econômicos para explorar a terra, os minerais, a riqueza.

 É verdade que o tribalismo na África não ajuda. Agora eu não sei realmente como é no Sudão do Sul. Acho que ali também seja assim. Mas é preciso que haja diálogo entre as diferentes tribos.

Lembro-me de quando estive no Quênia, no estádio completo. Todos se levantaram e disseram não ao tribalismo, não ao tribalismo. Cada um tem sua própria história, existem inimizades antigas, culturas diferentes. Mas também é verdade que se provoca a luta entre as tribos vendendo armas e depois se explora a guerra de ambas as tribos.

Isto é diabólico. Não consigo pensar em outra palavra. Isto é destruir: destruir a criação, destruir a pessoa, destruir a sociedade. Não sei se isso também ocorre no Sudão do Sul, mas em alguns países isso ocorre: os adolescentes são recrutados para fazer parte da milícia e combater com outros adolescentes. Isso é muito doloroso.

Em resumo, acho que o maior problema é a ânsia de pegar a riqueza daquele país - cobalto, lítio... essas coisas - e através da guerra, para a qual eles vendem armas, eles também exploram as crianças.

Matteo Bruni: Querem acrescentar algo?

Iain Greenshields: Um dos problemas que emergem é o alto nível de analfabetismo que existe dentro dos países: as pessoas não têm uma compreensão clara de quem são, onde estão, de fazer escolhas informadas.

Sem dúvida temos que desafiar a corrida armamentista, com a qual as pessoas ganham mais dinheiro no mundo que provavelmente com qualquer outra coisa. Devemos certamente colocar isso em discussão, superar a divisão com o diálogo.

Quero lhes contar uma pequena história sobre a Escócia, o país de onde venho, que era um país profundamente dividido do ponto de vista religioso, no qual ocorriam violências terríveis, divisões terríveis, então começou um processo de diálogo entre nós - Igreja da Escócia e católicos - que no ano passado levou à assinatura de uma declaração de amizade, com a qual gostaríamos de caminhar juntos nas nossas diferenças, mas também concordando com o que concordamos, e só então neste momento se pode derrubar os muros. E isso é o que notamos na Escócia, e quando eu era jovem neste país profundamente dividido que está mudando, e a educação ajuda a fazer isso.

Justin Welby: Quero tomar uma tática diferente, porque era uma pergunta muito útil. O senhor disse as Nações Unidas ou outra coisa, mas não é "ou", é "e".

O que a Igreja contribui não é apenas fornecer redes que não sejam corruptas, por isso a ajuda chega aos países, e ajuda a cruzar as linhas que dividem duas partes em conflito.

No sábado, nosso arcebispo em Kajo-Keji celebrou o funeral de 20 pessoas. Ele foi diretamente lá e voltou no sábado à tarde. Isso fez uma grande diferença. É a mudança de coração, e esse foi o objetivo desta visita.

Há 130 ou 100 anos os Nuer e Dinka estavam sempre em guerra, era uma cultura de vingança. Os Nuer em particular estavam sempre entre eles. A diferença não a fez o governo colonial, mas as Igrejas que afetaram a mudança de coração quando as pessoas receberam a fé em Cristo e perceberam que há outra maneira de viver. Após esta visita não há apenas muito ativismo, mas também que o Espírito de Deus traga um novo espírito de reconciliação e cura para o povo do Sudão do Sul.

Claudio Lavanga, NBC: Olá, bom dia a todos. Gostaria de perguntar ao senhor, Santo Padre, já que o arcebispo Welby recordou aquele momento incrível em 2019, quando o senhor se ajoelhou diante dos líderes do Sudão do Sul para pedir a paz, infelizmente dentro de quinze dias será o primeiro aniversário de outro terrível conflito, o da Ucrânia, e minha pergunta é: O senhor estaria preparado para fazer o mesmo gesto para com Vladimir Putin se tivesse a oportunidade de se reunir com ele, já que seus apelos pela paz até agora não foram ouvidos? E gostaria de perguntar a vocês três se gostariam de fazer um apelo conjunto pela paz na Ucrânia, pois este é um momento raro, o encontro de vocês três?

Papa Francisco: Estou aberto para me encontrar com ambos os presidentes, o presidente da Ucrânia e o presidente da Rússia, estou aberto para o encontro. Se eu não fui a Kiev é porque não era possível naquela época, nem no momento, ir a Moscou, mas eu estava em diálogo. De fato no segundo dia da guerra fui à embaixada russa para dizer que queria ir a Moscou para falar com Putin. Percebi que havia uma pequena abertura para negociar. Então o ministro Lavrov respondeu que valorizava isto, mas "vamos ver mais tarde".

Esse gesto foi algo que eu pensei, que "estou fazendo por ele" (por Putin, ndr). Mas o gesto do encontro de 2019 não sei como aconteceu, não foi pensado, e coisas que não foram pensadas não se podem repetir, é o Espírito que o leva lá.

Não se pode explicar, ponto final. E eu me esqueci disso. Foi um serviço, fui instrumento de algum impulso interior, não uma coisa planejada.

Hoje estamos neste ponto, mas não é a única guerra, eu gostaria de fazer justiça: há doze ou treze anos a Síria está em guerra, há mais de dez anos o Iêmen está em guerra; pense em Mianmar, no pobre povo Rohingya que viaja pelo mundo porque foi expulso de sua pátria. Em toda parte, na América Latina, quantos focos de guerra existem! Sim, há guerras mais importantes por causa do barulho que fazem.

Mas, não sei, o mundo inteiro está em guerra, e em autodestruição. Temos que pensar seriamente: está em autodestruição. Temos que parar em tempo, porque uma bomba leva a outra maior e a outra maior ainda e nessa escalada não se sabe onde vai parar. É preciso ter a cabeça fria.

Também tanto Sua Graça como o Bispo Greenshields falaram das mulheres, mas as mulheres, eu as vi no Sudão do Sul: elas criam seus filhos, às vezes ficam sozinhas, mas têm força para criar um país, as mulheres são fortes. Os homens vão à luta, vão à guerra, e estas senhoras com duas, três, quatro, cinco crianças vão em frente, eu as vi no Sudão do Sul. E por falar em mulheres, gostaria de dizer uma palavra às religiosas, as irmãs que entram na vida do povo, vi algumas delas aqui no Sudão do Sul, e hoje na missa ouvimos o nome de tantas religiosas que foram mortas, que foram devastadas nesta guerra.

Voltemos à força da mulher, devemos levá-la a sério e não usá-la como um anúncio de maquiagem: por favor, isto é um insulto à mulher, a mulher é para coisas maiores! Sobre o outro ponto eu já lhes disse, vejamos as guerras que estão no mundo.

Justin Welby: Eu falei da Rússia, de Putin e da Ucrânia, quando estive lá no final de novembro e início de dezembro. Eu realmente não tenho nada a acrescentar, exceto que esta guerra está nas mãos do presidente Putin, que poderia detê-la com a retirada e o cessar-fogo e, em seguida, negociações sobre acordos de longo prazo. É uma guerra terrível e terrificante, mas quero dizer que concordo com o papa Francisco, há muitas outras guerras, falo todas as semanas com o chefe da nossa Igreja em Mianmar, falei com os líderes da nossa Igreja na Nigéria, onde 40 pessoas foram mortas em combates em Katsina ontem, falei com muitos em todas as partes do mundo. Concordo plenamente com o Santo Padre, a guerra leva ao envolvimento de mulheres e jovens, pelas razões que ele disse.

Bruce De Galzain, Radio France: Santo Padre, antes de partir para a sua viagem apostólica o senhor denunciou a criminalização da homossexualidade. No Sudão do Sul é um delito, e no Congo ela não é aceita pelas famílias. Esta semana encontrei-me em Kinshasa com cinco homossexuais, cada um deles rejeitado e até expulso de suas famílias. Estes homossexuais me explicaram que sua rejeição vem da educação religiosa de seus pais. Alguns deles são levados a padres exorcistas porque suas famílias acreditam que estão possuídos por espíritos impuros. Minha pergunta, Santo Padre: o que o senhor diz às famílias do Congo e do Sudão do Sul que ainda rejeitam seus filhos, e o que o senhor diz aos padres, aos bispos? Obrigado.

Papa Francisco: Falei deste problema em duas viagens: a primeira ao Brasil: se uma pessoa com tendências homossexuais é um crente, procura Deus, quem sou eu para julgá-lo? Isto eu disse naquela viagem. Na segunda vez, voltando da Irlanda, foi uma viagem um pouco problemática porque naquele dia tinha sido publicada a carta daquele menino ..., mas ali eu disse claramente aos pais: as crianças com esta orientação têm o direito de ficar em casa, não se pode expulsá-las de casa. E depois, recentemente, falei também alguma coisa, não me lembro bem o que, na entrevista à Associated Press. A criminalização da homossexualidade é um problema que não deve ser permitido passar. O cálculo é que, mais ou menos, cinquenta países, de uma forma ou de outra, levam a esta criminalização.

Alguns dizem mais, mas digamos que pelo menos cinquenta. Até mesmo alguns destes, eu acho que são dez, têm a pena de morte. Isto não é justo, pessoas com tendências homossexuais são filhos de Deus, Deus os ama, Deus os acompanha. É verdade que alguns estão neste estado devido a várias situações indesejáveis, mas condenar tal pessoa é um pecado, criminalizar pessoas com tendências homossexuais é uma injustiça. Não estou falando de grupos, mas de pessoas. Alguns dizem: eles fazem grupos que fazem barulho, estou falando das pessoas, lobbies são outra coisa, estou falando das pessoas. E eu acho que o Catecismo da Igreja Católica diz: eles não devem ser marginalizados. Acho que a questão sobre este ponto é clara.

Justin Welby: Vocês devem ter visto que recentemente falamos sobre esse assunto na Igreja da Inglaterra... incluindo uma boa dose de debate no Parlamento. Quero dizer que gostaria de ter falado com a mesma elegância e clareza que o papa fez. Concordo inteiramente com cada palavra que ele disse e, no que diz respeito à criminalização, a Igreja da Inglaterra, a Comunhão Anglicana aprovou duas resoluções contra a criminalização, mas isso não mudou realmente a mentalidade de muitas pessoas. Nos próximos quatro dias no Sínodo Geral será o principal tema de discussão e certamente citarei o que o Santo Padre disse de forma maravilhosa e precisa.

Iain Greenshields: Só uma breve observação. Na minha leitura dos quatro Evangelhos não vejo que Jesus rejeita ninguém. Não há nenhum lugar nos quatro evangelhos onde veja algo diferente de Jesus expressando amor a qualquer um que se encontro com qualquer ser humano, e como cristãos, essa é a única expressão que podemos dar a qualquer ser humano em qualquer circunstância.

Alexander Hecht, Televisão Austria: Uma pergunta ao papa: nos últimos dias falou-se muito de unidade, houve também uma demonstração da unidade da Cristandade, no Sudão do Sul, também de unidade da própria Igreja Católica. Gostaria de perguntar-lhe se o senhor sente que depois da morte de Bento XVI ficou mais difícil o seu trabalho e a sua missão, porque se reforçaram as tensões entre as diferentes alas da Igreja Católica?

Papa Francisco: Sobre este ponto, gostaria de dizer, que pude falar de tudo com o papa Bento XVI e trocar opiniões. Ele estava sempre ao meu lado, me apoiando e se tivesse alguma dificuldade, ele me dizia e nós conversávamos. Não havia problemas.

Uma vez falei sobre o casamento das pessoas homossexuais, sobre o fato de que o matrimônio é um sacramento e que nós não podemos fazer um sacramento, mas que existe a possibilidade de garantir os bens através da lei civil, que começou na França... Não me lembro de como se chama, mas a lei civil que diz que qualquer pessoa pode fazer uma união civil, não necessariamente de casal.

Senhoras idosas que estão aposentadas, por exemplo... porque se pode ganhar muitas coisas. Uma pessoa que se acha um grande teólogo, através de um amigo do papa Bento XVI, foi até ele e fez a queixa contra mim.

Bento não se assustou, ele chamou quatro cardeais teólogos de primeiro nível e disse: expliquem-me isso e eles explicaram. E foi assim que a história terminou.

É uma anedota para ver como Bento se movia quando havia uma denúncia. Algumas histórias que contam, que Bento XVI estava amargurado sobre o que o novo papa fez, são histórias de 'telefone sem fio' (o Papa usa a expressão 'histórias chinesas' para significar isto, ndr). Bento, melhor, eu o consultei sobre algumas decisões a serem tomadas. E ele estava de acordo. Ele estava de acordo.

Acredito que a morte de Bento tenha sido instrumentalizada por pessoas que querem levar água para seu próprio moinho. E aqueles que instrumentalizam uma pessoa tão boa, tão de Deus, quase diria um santo padre da Igreja, diria que são pessoas sem ética, que são pessoas de partido, não de Igreja...

Pode-se ver em toda parte, a tendência de transformar posições teológicas em partidos. Estas coisas cairão sozinhas, ou se não caírem, seguirão em frente, como aconteceu tantas vezes na história da Igreja. Eu queria dizer claramente quem era o papa Bento XVI, ele não era uma pessoa amargurada.

Jorge Barcia Antelo, Rádio Nacional da Espanha: Bom dia Santidade. Voltamos hoje de dois países que são vítimas do que o senhor chamou de globalização da indiferença. O senhor tem falado disso desde o início de seu pontificado e desde sua viagem a Lampedusa. De certa forma, esta semana chegou ao fim do círculo. O senhor ainda pensa em ampliar o raio deste círculo, e ir além, de visitar outros países esquecidos? A quais lugares o senhor tem em mente de ir? E depois desta viagem que foi tão longa, tão exigente, como o senhor está? Sente-se ainda forte? Sente ter uma condição de saúde suficiente para ir a todos esses lugares? Ao arcebispo Welby: estaria disposto a se unir ao papa em outra viagem como esta?

Papa Francisco: Depende do cardápio! (Brinca).

Sim, de verdade. Há a globalização da indiferença em todos os lugares. Dentro do país, muitas pessoas se esqueceram de olhar para seus compatriotas, seus concidadãos, e os colocaram no ângulo para não pensar sobre isso.

Pensar que as maiores fortunas do mundo estão nas mãos de uma minoria. E essas pessoas não olham para as misérias, seus corações não se abrem para ajudar.  Sobre as viagens: acho que a Índia será no próximo ano. Vou a Marselha no dia 23 de setembro, e há a possibilidade que de Marselha voe para a Mongólia, mas ainda não foi definido, é possível. Não está fechado isso, mas é possível. Outra este ano, não me lembro. Lisboa, será no próximo ano.

O critério: eu escolhi visitar os países pequenos da Europa. Dirão: "mas ele foi a França", não, eu fui a Estrasburgo; eu irei a Marselha, não a França. Os pequenos, os pequenos. Para conhecer um pouco a Europa escondida, a Europa que tem tanta cultura, mas que não é conhecida por todos. Para acompanhar países, por exemplo a Albânia, que foi o primeiro, que foi o país que sofreu a ditadura mais cruel, mais cruel da história. Então minha escolha é a seguinte: tentar não cair na globalização da indiferença. (

Jordi Barceló: Como está a sua saúde?

Você sabe que erva ruim nunca morre. Não como no início do pontificado, este joelho incomoda, mas está indo lentamente, então veremos. Obrigado.

Justin Welby: Certamente esta é a melhor companhia aérea com a qual já viajei! Brincadeira à parte, eu ficaria feliz, se o Santo Padre sentisse que no futuro poderíamos acrescentar valor, é sempre um enorme privilégio estar com ele, que fosse uma ajuda para ele.

Iain Greenshields: Eu ficaria feliz, a única limitação é que meu mandato expira no dia 20 de maio e serei sucedido por uma mulher, muito capaz, e tenho certeza de que ela ficaria feliz em fazer o mesmo.

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