5 de novembro de 2024 Doar
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O que significam as últimas medidas financeiras do papa Francisco?

Vaticano | Shutterstock

Com um rescrito de 13 de fevereiro, não publicado no boletim da sala de imprensa da Santa Sé, o papa Francisco decidiu abolir qualquer disposição "que consinta ou preveja o gozo gratuito ou em condições particularmente vantajosas" do alojamento "para os cardeais, chefes de dicastérios, presidentes, secretários, subsecretários, diretores e equivalentes".

Na prática, o papa Francisco aboliu a cessão de apartamentos para o uso como escritórios e aqueles com aluguéis controlados; mas, por enquanto, só para os executivos da Santa Sé. Os preços das moradias para os funcionários não seriam afetados.

O rescrito foi fotografado enquanto estava pregado no Vaticano e foi publicado pela primeira vez pelo blog Messa in Latino. O próprio rescrito diz que deveria ser exposto no Pátio de São Dâmaso, o pátio principal do Palácio Apostólico, no Vaticano. Embora não apareça no boletim oficial, foi publicado no site oficial da Santa Sé, Vatican News.

O documento é datado de 13 de fevereiro e só no dia 20 de fevereiro seguinte que o papa Francisco reiterou, com um motu proprio intitulado "O direito Nativo", que os bens da Santa Sé pertencem à Santa Sé. A declaração parecia um fim em si mesma, mas não era, porque várias entidades vaticanas tinham total autonomia para a gestão de edifícios e recursos. Agora, a questão acrescenta um elemento: provavelmente alguns dicastérios terão resistido e decidido continuar cedendo as suas instalações como se fazia até então. Isso levou o papa Francisco a estabelecer, por lei, que a gestão pertencia exclusivamente à instituição da Santa Sé, centralizando ainda mais o controle das finanças.

Por um lado, o papa Francisco continua sua luta contra os privilégios eclesiásticos. Mas, por outro lado, o papa ataca um sistema que, embora com suas limitações, tinha a vantagem de tornar o trabalho na Santa Sé acessível a todos.

O rescrito de 13 de fevereiro

O rescrito de 13 de fevereiro foi feito após audiência concedida ao prefeito da Secretaria de Assuntos Econômicos [KB1], Caballero Ledo.

A motivação da decisão é "fazer frente aos crescentes compromissos" que a Santa Sé está assumindo para "o cumprimento do serviço à Igreja universal e aos necessitados" e, portanto, a necessidade de "destinar maiores recursos à missão da Santa Sé, também incrementando as receitas da gestão do patrimônio imobiliário".

A decisão estabelece ainda a "proibição para todas as entidades de pagar" às pessoas mencionadas "a chamada 'contribuição de alojamento'" ou "contribuições semelhantes" para compartilhar o aluguel ou as despesas da moradia.

Acrescenta-se ainda que "as Instituições proprietárias dos imóveis deverão aplicar" aos sujeitos mencionados "os valores normalmente aplicados no que tange àqueles que não possuem cargos de qualquer tipo na Santa Sé e no Estado da Cidade do Vaticano".

Exceções só podem ser autorizadas pelo papa Francisco, tornando cada decisão altamente centralizada.

A escolha do papa Francisco afeta um sistema que nasceu justamente para permitir que todos, funcionários e chefes de departamento, trabalhem da maneira mais digna possível.

Os funcionários do Vaticano são cerca de 5 mil, divididos entre a administração do Estado da Cidade do Vaticano e a Santa Sé. Todos recebem um salário, geralmente modesto. No Vaticano existem dez níveis de remuneração, que variam entre 1,3 mil euros para o primeiro escalão e 2,4 mil euros para o décimo escalão, que podem ser acrescidos de 250 euros em função dos méritos.

Os cardeais da Cúria Romana têm atualmente uma remuneração entre 4,5 mil e 5,5 mil euros por mês, valor que inclui os 1,5 mil euros do "prato cardinalício" (piatto cardinalizio). Um bispo ou arcebispo responsável por um dicastério recebe entre 3 mil e 4 mil euros.

O raciocínio é que esses salários poderiam permitir que eles pagassem o aluguel a preço de mercado. Na verdade, os apartamentos no Vaticano, especialmente os destinados tradicionalmente aos chefes de dicastérios ou cardeais, são amplos, suntuosos e, em todo caso, em áreas caras. Em muitos casos, o valor do salário que recebem seria o mesmo que o aluguel completo. 

Para a Santa Sé, porém, o importante é que todos possam ter a oportunidade de trabalhar no Vaticano. Portanto, o sistema de preços controlados é favorável, porque o pequeno Estado da Cidade do Vaticano não tem impostos. Portanto, os funcionários têm um salário líquido sem impostos.

Respostas à crise econômica

Não é a primeira vez que o papa Francisco aperta as finanças da Santa Sé. Já em 2021, o papa havia estabelecido que, a partir de 1º de abril daquele ano, a remuneração paga pela Santa Sé aos cardeais seria reduzida em 10%, enquanto o salário dos demais ssuperiores diminuiria em 8%. Houve também um corte adicional de 3% nos salários do clero e religiosos nos dez níveis funcionais e não administrativos. Até abril de 2023, os aumentos por tempo de serviço também foram suspensos.

As disposições não se aplicavam só às instituições da Santa Sé, mas também ao Vicariato de Roma, aos Capítulos das Basílicas Papais do Vaticano, de Latrão e de Santa Maria Maior, à Fábrica de São Pedro e à Basílica de São Paulo Fora dos Muros.

Em agosto de 2021, o papa Francisco decidiu abolir o "token" (uma espécie de reembolso/salário) para os membros do Capítulo de São Pedro, caso os membros do Capítulo já tivessem um salário ou renda.

 Os bens imóveis da Santa Sé

A Administração do Patrimônio da Sé Apostólica (APSA), que agora é responsável por toda a administração da Santa Sé, administra 2,4 mil residências e cerca de 600 escritórios e estabelecimentos comerciais. O seu valor total é estimado entre 2 e 3 bilhões de euros.

São atribuídas a funcionários da Santa Sé, com aluguéis geralmente 40 % abaixo do valor de mercado, 70%. das casas da APSA. Os 30% restantes são alugados a um aluguel mensal 15% abaixo do valor de mercado do apartamento.

O outro órgão da Santa Sé que administra bens imóveis é o Dicastério para a Evangelização dos Povos, a antiga Propaganda Fide. Segundo estimativas, o dicastério conta com cerca de 500 apartamentos em cerca de sessenta edifícios, até agora administrados de forma independente pela administração central da Santa Sé. Eles são alugados a preço de mercado, segundo um comunicado do dicastério de 2015. No entanto, deve-se levar em conta que os custos de reforma dos prédios, quando houver, são pagos por quem mora lá, e que a propriedade então volta à disponibilidade da Santa Sé.

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Quão forte é a crise econômica?

Os funcionários leigos da Santa Sé estão organizados em uma associação com site próprio e constantemente atualizado. Em uma de suas últimas postagens, lemos está sendo revisado um aumento ao salário-base, com um limite máximo de 5%. No entanto, os funcionários reclamaram que o percentual não considerou o aumento do aluguel.

A APSA notificou vários funcionários, por carta certificada datada de 15 de dezembro de 2022, que a renda seria corrigida pela inflação, que varia entre os 8% e 10%. Portanto, o reajuste salarial não pôde fazer frente ao aumento do aluguel. Agora, os cortes que afetam os chefes de departamento podem ter o mesmo efeito.

Haverá um futuro em que o secretário de Estado da Santa Sé não more mais no Palácio Apostólico? E quanto deveria pagar no contrato de aluguel? Ou algumas situações particulares farão parte das exceções?

Estas são questões que ainda estão em aberto. No entanto, notamos a necessidade que a Santa Sé tem de acumular capital acima de tudo. O orçamento anual ainda não foi publicado – normalmente é feito no final de julho/início de agosto – mas já se fala numa previsão de um passivo maior que 200 milhões.

A isso se junta a crise do IOR, que também contribuiu para os gastos da Cúria.

Eles vão do lucro de 86,6 milhões declarado em 2012 -que quadruplicou o lucro do ano anterior- para 66,9 milhões no relatório de 2013, 69,3 milhões no relatório de 2014, 16,1 milhões no de 2015, 33 milhões em 2016 e 31,9 milhões em 2017, para atingir os 17,5 milhões de euros em 2018. O relatório de 2019 quantifica os lucros em 38 milhões, também atribuídos ao mercado favorável.

Em 2020, ano da crise da covid, o lucro do IOR tinha sido ligeiramente inferior a 36,4 milhões de euros. Mas no primeiro ano pós-pandemia, 2021, ainda não afetado pela guerra na Ucrânia, voltaram à trajetória negativa, com lucro de apenas 18,1 milhões de euros.

Até a coleta do Óbolo de São Pedro não foi otimista. Segundo os números publicados em 16 de junho, este órgão destinou 55,5 milhões de euros em 2021 para apoiar as atividades promovidas pela Santa Sé no cumprimento da missão apostólica do papa, e 9,8 milhões foram dedicados a projetos que ajudam diretamente aos necessitados. Com isso, o Óbolo de São Pedro gastou 65,3 milhões de euros, cobertos apenas em parte pela arrecadação, que ficou em 46,9 milhões.

As medidas, portanto, visam resolver um passivo que promete ser muito pesado. Ao mesmo tempo, porém, correm o risco gerar uma crise no sistema em vigor na Santa Sé. Quem poderá finalmente dirigir um dicastério? Aqueles que têm uma excelente situação econômica (pessoal ou fruto de doações)? Quem terá a aprovação do papa para controlar as despesas? Ou, ao menos, esse poderia ser o caso se não houver ajustes nas últimas decisões.

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