18 de dezembro de 2024 Doar
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Discurso do papa Francisco ao clero, consagrados e agentes pastorais da Hungria

Papa Francisco na Hungria | Vatican Media

Hoje (28), primeiro dia de sua visita apostólica à Hungria, o papa Francisco se reuniu com os bispos, padres, diáconos, consagrados, seminaristas e agentes pastorais na Concatedral de Santo Estêvão.

A seguir, o discurso completo do papa Francisco:

Amados irmãos bispos, prezados sacerdotes e diáconos, consagradas, consagrados e seminaristas, queridos agentes pastorais, irmãos e irmãs.

Estou feliz por me encontrar de novo aqui, depois de ter partilhado convosco o 52º Congresso

Eucarístico Internacional. Foi um momento de graça imensa, cujos frutos espirituais – estou certo – vos acompanham. Agradeço a dom András Veres a saudação que me dirigiu, sintetizando o desejo dos católicos da Hungria nas seguintes palavras: "Neste mundo em mudança, queremos testemunhar que Cristo é o nosso futuro". Cristo. Não "o futuro é Cristo", não: Cristo é nosso futuro. Não mudemos as coisas.

Para nós, uma das exigências mais importantes é interpretar as mudanças e transformações da nossa época, procurando enfrentar do melhor modo possível os desafios pastorais. Com Cristo e em Cristo. Nada fora do Senhor, nem nada longe do Senhor.

Mas isto só é possível olhando para Cristo como nosso futuro: Ele é «o Alfa e o Ômega, Aquele que é, que era e que há de vir, o Todo-Poderoso» (Ap 1, 8), o princípio e o fim, o fundamento e a meta última da história da humanidade.

Contemplando neste tempo pascal a sua glória, a glória d'Aquele que é «o Primeiro e o Último» (Ap 1, 17), podemos ver as tempestades que às vezes se abatem sobre o nosso mundo, as rápidas e contínuas mudanças da sociedade e a própria crise de fé do Ocidente com um olhar que não cede à resignação nem perde de vista a centralidade da Páscoa: Cristo ressuscitado, centro da história, é o futuro.

Apesar de permeada pela fragilidade, a nossa vida está firmemente colocada nas mãos d'Ele. Se nos esquecermos disto, iremos também nós, pastores e leigos, à procura de meios e instrumentos humanos para nos defendermos do mundo, fechando-nos em nossos cômodos e tranquilos oásis religiosos; ou, pelo contrário, acabaremos por nos adequar aos ventos instáveis da mundanidade e, então, o nosso cristianismo perderá vigor e deixaremos de ser sal da terra.

Trata-se de duas interpretações, ou melhor, duas tentações, de que sempre nos devemos defender como Igreja: uma leitura catastrófica da história atual, alimentada pelo derrotismo de quem repete que tudo está perdido, que já não existem os valores de outrora, que não se sabe aonde iremos parar. Gostei de ouvir o Rev. Sándor manifestar a sua gratidão a Deus, que «o libertou do derrotismo».

E o que fez de sua vida? Uma grande catedral? Não, uma pequena capela de emergência. Não se deixou vencer. Obrigado, irmão.

E, depois, o outro risco: a leitura ingênua do próprio tempo, que diversamente se baseia na comodidade do conformismo, fazendo-nos crer que no fundo está tudo bem, que o mundo mudou e é preciso adequar-se. Sem discernimento é feio isso.

Pois bem! Contra o derrotismo catastrófico e o conformismo mundano, o Evangelho dá-nos olhos novos, dá-nos a graça do discernimento para nos embrenharmos no nosso tempo com uma atitude acolhedora, mas também com um espírito profético, ou seja, com acolhimento profético.

Eu não gosto de usar o adjetivo profético. É muito usado. Substantivo, profecia. Estamos vivendo uma crise de substantivos. Não, profecia. Espírito, atitude acolhedora aberta com profecia no coração.

A propósito, quero deter-me brevemente numa expressiva imagem usada por Jesus: a da figueira (cf. Mc 13, 28-29). Dá-no-la no contexto do Templo de Jerusalém. A quem se pusera a admirar as suas belas pedras vivendo assim uma espécie de conformismo mundano ao colocar a própria segurança no espaço sagrado e sua imponência, Jesus diz-lhe que nada se deve absolutizar nesta terra, pois tudo é precário e não ficará pedra sobre pedra. Estamos lendo nestes dias o ofício divino, o livro do apocalipse, que nos fazem ver que não ficará pedra sobre pedra.

Ao mesmo tempo, porém, o Senhor não quer induzir ao desânimo ou ao medo e, por isso, acrescenta: quando tudo passar, quando caírem os templos humanos, acontecerem coisas terríveis e houver perseguições violentas, então «verão o Filho do Homem vir sobre as nuvens com grande poder e glória» (Mc 13, 26). É neste ponto que o Senhor nos convida a olhar para a figueira: «Aprendei (…) a parábola da figueira. Quando já os seus ramos estão tenros e brotam as folhas, sabeis que o Verão está próximo. Assim também quando virdes acontecer estas coisas, sabei que Ele está próximo, às portas» (13, 28-29).

Deste modo somos chamados a acolher como uma planta fecunda o tempo que vivemos, com as suas mudanças e desafios, porque é precisamente através de tudo isso – diz o Evangelho – que o Senhor Se aproxima. Enquanto O esperamos, somos chamados a cultivar esta nossa estação, a lê-la, a semear nela o Evangelho, a podar os ramos secos do mal, a dar fruto; somos chamados a um acolhimento com profecia.

Acolhimento com profecia: trata-se de aprender a reconhecer os sinais da presença de Deus na realidade, mesmo onde esta não nos apareça marcada explicitamente pelo espírito cristão e venha ao nosso encontro sob a forma de desafio ou de interpelação. E simultaneamente trata-se de interpretar tudo à luz do Evangelho sem se mundanizar, mas como arautos e testemunhas da profecia cristã. Estejam atentos ao processo de mundanização. Cair na mundanização talvez seja a pior coisa que pode acontecer a uma comunidade cristã.

Vemos que também neste país, onde a tradição da fé permanece bem enraizada, se assiste à difusão do secularismo e suas sequelas, frequentemente com o risco de ameaçar a integridade e a beleza da família, expor os jovens a modelos de vida caracterizados pelo materialismo e o hedonismo, polarizar o debate sobre temáticas e desafios novos.

E então a tentação pode ser a de se endurecer, fechando-se e adotando o comportamento de «combatentes». Ora aquelas realidades podem representar oportunidades para nós, cristãos, porque estimulam a fé e o aprofundamento dalguns temas, convidam a interrogar-nos como podem tais desafios entrar em diálogo com o Evangelho, a procurar novos caminhos, instrumentos e linguagens.

Neste sentido, Bento XVI afirmava que as diversas épocas de secularização vieram em auxílio da Igreja, porque «contribuíram de modo essencial para a sua purificação e reforma interior. De fato, as secularizações (...) sempre significaram uma profunda libertação da Igreja de formas de mundanidade» (Encontro com os católicos comprometidos na Igreja e na sociedade, Friburgo, 25/9/2011).

Frente a qualquer tipo de secularização há um desafio e os convido a purificar a Igreja de qualquer tipo de mundanidade. Voltemos a essa palavra mundanidade, que é o pior que pode acontecer conosco. É um paganismo "soft", um paganismo que não tira a sua paz. Por que? Por que é bom? Não, porque está anestesiado.

O empenho por entrar em diálogo com as situações de hoje pede à comunidade cristã para estar presente e dar testemunho, saber escutar interrogativos e desafios sem medo nem rigidez. Isto não é fácil na situação atual, porque não faltam dificuldades mesmo no nosso íntimo. Em particular, quero destacar a sobrecarga de trabalho para os sacerdotes. De fato, por um lado, são numerosas as exigências da vida paroquial e pastoral, enquanto, por outro, diminuem as vocações e os sacerdotes são poucos, muitas vezes avançados na idade e com alguns sinais de cansaço.

Esta é uma condição comum a muitas realidades europeias, relativamente à qual é importante que todos – pastores e leigos – se sintam corresponsáveis: antes de mais nada na oração, porque as respostas vêm do Senhor e não do mundo, do sacrário e não do computador. E depois na paixão pela pastoral vocacional, procurando formas de oferecer, com entusiasmo, aos jovens o fascínio de seguir Jesus inclusive pelo caminho de especial consagração.

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É belo o que nos contou a irmã Krisztina. Foi uma vocação difícil porque para se converter em dominicana foi ajudada por um sacerdote de outra ordem, não me lembro, depois de um franciscano, depois dos jesuítas com os exercícios. E, ao final, se tornou dominicana. Lindo percurso que ela fez.

É belo o que nos contou a propósito de «discutir com Jesus» acerca da razão por que a chamou precisamente a ela: Queria que chamasse às irmãs, não a ela.

Há necessidade de quem escute e ajude a discutir bem com o Senhor! E, de modo mais geral, é preciso iniciar uma reflexão eclesial – sinodal, que deve ser feita conjuntamente por todos – para atualizar a vida pastoral, sem se contentar em repetir o passado e sem medo de redesenhar a paróquia no território, mas pondo como prioridade a evangelização e iniciando uma colaboração ativa entre padres, catequistas, agentes pastorais, professores.

Sei que já estais a caminhar nesta linha: não pareis! Procurai os caminhos possíveis para colaborar com alegria na causa do Evangelho e juntos, cada um com o próprio carisma, levar por diante a pastoral como anúncio querigmático. Isso é o que move as coincidências.

Neste sentido, é belo aquilo que nos disse Dorina sobre a necessidade de alcançar o próximo mediante a narração, a comunicação, tocando a vida cotidiana. E aqui eu me detenho um pouco para destacar o trabalho belo dos catequistas, antiquum ministerium. Há lugares no mundo, pensemos na África, por exemplo, onde a evangelização é levada adiante por catequistas. Mas os catequistas são colunas da Igreja. Obrigado. Obrigado pelo que fazem.

E agradeço aos diáconos e catequistas, que têm um papel decisivo na transmissão da fé às novas gerações, e a quantos – professores e formadores – se empenham generosamente no campo educacional: obrigado! Muito Obrigado!

Permiti ainda dizer-vos que só é possível uma boa pastoral, se formos capazes de viver aquele amor que nos mandou o Senhor e que é dom do seu Espírito. Se estamos distanciados ou divididos, se nos tornamos rígidos nas posições e nos grupos, não damos fruto. Pensemos em nós mesmos, nas nossas ideias, em nossas teologias.

É triste quando nos dividimos, porque, em vez de jogar em equipe, faz-se o jogo do inimigo. O diabo é o que divide. É um artista em fazer isso. É a sua especialidade.

E vemos os bispos desunidos entre si, os padres em tensão com o bispo, os padres idosos em conflito com os mais jovens, os diocesanos com os religiosos, os presbíteros com os leigos, os latinos com os gregos; há polarização em questões que dizem respeito à vida da Igreja, mas também em aspetos políticos e sociais, refugiando-se em posições ideológicas. Isso não, por favor!

Não deixem entrar as ideologias. A vida de fé não pode se reduzir à ideologia. Isso é do diabo. Por favor, não façam isso.

O primeiro trabalho pastoral é o testemunho da comunhão, porque Deus é comunhão e está presente onde há caridade fraterna. Superemos as divisões humanas, para trabalhar juntos na vinha do Senhor! Mergulhemos no espírito do Evangelho, enraizemo-nos na oração, especialmente na adoração e na escuta da Palavra de Deus, cultivemos a formação permanente, a fraternidade, a proximidade e a atenção aos outros. Foi-nos colocado nas mãos um grande tesouro, não o desperdicemos seguindo realidades secundárias relativamente ao Evangelho!

E aqui me permito dizer que estejam atentos às fofocas. A fofoca entre os bispos, entre os padres, entre as irmãs, entre os leigos. A fofoca destrói. Parece um caramelo de açúcar. É lindo fofocar dos demais, cai-se nisso com frequência, mas estejam atentos pois é o caminho da destruição.

Se um consagrado, um leigo que vive seriamente, consegue não falar mais do outro, é um santo, uma santa. Sigam por este caminho. Nada de fofocas.  

É difícil, padre, porque às vezes a gente tropeça em um comentário. Há um lindo remédio, a oração. Há outro lindo remédio, morder a língua. Morde a língua e nada de fofoca. Estão de acordo? Nada de fofoca.

E, gostaria de dizer mais uma coisa aos sacerdotes, para oferecerem ao santo Povo de Deus o rosto do Pai e criarem um espírito de família, quero dizer-lhes outra coisa: procuremos não ser rígidos, mas ter olhares e abordagens misericordiosos e compassivos.

Sobre isso eu gostaria de destacar uma coisa. Qual é o estilo de Deus? O primeiro estilo de Deus é a atitude de proximidade. Ele mesmo o disse no deuteronômio. A atitude de Deus é a proximidade, com compaixão e ternura. Proximidade, compaixão e ternura. Esse é o estilo de Deus. Eu sou próximo às pessoas? Eu ajuda as pessoas? Sou compassivo ou condeno todos? Sou terno, doce? Nada de rigidez. Proximidade, compaixão e ternura.

A este respeito, impressionaram-me as palavras do Padre József, que nos trouxe à memória a dedicação e o ministério de seu irmão, o Beato János Brenner, barbaramente assassinado com apenas 26 anos. Quantas testemunhas e confessores da fé teve este povo durante os regimes totalitários do século passado! O Beato János viveu na própria pele tantos sofrimentos pelo que lhe teria sido fácil guardar rancor, fechar-se, endurecer-se. Pelo contrário, foi bom pastor.

O mesmo se exige a todos nós, em particular aos sacerdotes: um olhar misericordioso, um coração compassivo, que perdoa sempre, sempre, que ajuda a recomeçar, que acolhe e não julga, encoraja e não critica, serve e não murmura.

Isto treina-nos para o acolhimento que é profecia: para transmitir a consolação do Senhor nas situações de sofrimento e pobreza do mundo, permanecendo ao lado dos cristãos perseguidos, dos migrantes em busca de hospitalidade, das pessoas doutras etnias, de quem quer que passe necessidade.

Neste sentido, tendes grandes exemplos de santidade, como São Martinho. O seu gesto de repartir o manto com o pobre é muito mais do que uma simples obra de caridade: é a imagem de Igreja para a qual havemos de tender, é aquilo que a Igreja da Hungria pode levar como profecia ao coração da Europa, ou seja, misericórdia e proximidade. Mas quero recordar também Santo Estêvão, cuja relíquia está aqui ao meu lado… Ele, que foi o primeiro a confiar a nação à Mãe de Deus, que foi um intrépido evangelizador e fundador de mosteiros e abadias, sabia também escutar e dialogar com todos e cuidar dos pobres: por amor deles baixou os impostos e, quando ia dar esmola, disfarçava-se para não ser reconhecido.

Esta é a Igreja que devemos sonhar: capaz de mútua escuta, de diálogo, de atenção aos mais frágeis; acolhedora de todos e corajosa em levar a cada um a profecia do Evangelho.

Irmãos e irmãs caríssimos, Cristo é o nosso futuro, porque é Ele que guia a história.

Disto mesmo estavam firmemente convencidos os vossos Confessores da fé: tantos bispos, sacerdotes, religiosas e religiosos martirizados durante a perseguição ateia; eles dão testemunho da fé granítica dos húngaros. E isso não é exagero. Vocês têm uma fé granítica e agradecemos a Deus por isso.

Desejo recordar o Cardeal Mindszenty, que acreditava na força da oração até ao ponto de dizer algo que ainda hoje se repete aqui, como se fosse um dito popular: «Se houver um milhão de húngaros em oração, não terei medo do futuro».

Sede acolhedores, sede testemunhas da profecia do Evangelho, mas sobretudo sede mulheres e homens de oração, porque a história e o futuro dependem disto. Agradeço pela vossa fé e a vossa fidelidade, por todo o bem que sois e fazeis.

Não posso esquecer o testemunho corajoso e paciente das Irmãs húngaras da Sociedade de Jesus, que encontrei na Argentina depois de terem deixado a Hungria durante a perseguição religiosa. Fizeram-me muito bem!

Rezo por vós, para que, seguindo o exemplo das vossas grandes testemunhas da fé, nunca sejais dominados pelo cansaço interior, mas prossegui com alegria. E peço-vos que continueis a rezar por mim. Köszönöm [obrigado]!

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