REDAÇÃO CENTRAL, Aug 3, 2023 / 12:17 pm
O primeiro discurso do papa Francisco na JMJ Lisboa 2023 fez referência a um pequeno bairro de Lisboa – Mouraria – desconhecido para a maior parte do mundo.
O que é a Mouraria?
A Mouraria é um bairro de Lisboa onde "convivem em harmonia pessoas de mais de sessenta países", como disse o papa Francisco no seu primeiro discurso ontem (2) na JMJ Lisboa 2023.
Os cerca de 6 mil habitantes do bairro hoje vêm de dezenas de países diferentes, com destaque para China, Índia, Bangladesh, Paquistão e Moçambique.
"Saúdo-vos cordialmente a todos vocês e agradeço ao senhor presidente o acolhimento e as amáveis palavras que me dirigiu. Estou feliz por estar em Lisboa, cidade do encontro que abraça vários povos e culturas e que, nestes dias, se mostra ainda mais universal; torna-se, de certo modo, a capital do mundo", disse o papa Francisco.
"Isto condiz bem com o seu caráter, porque os jovens são o futuro, multiétnico e multicultural - penso, por exemplo, no bairro da Mouraria, onde vivem em harmonia pessoas provenientes de mais de sessenta países - e revela os traços cosmopolitas de Portugal, que afunda as suas raízes no desejo de se abrir ao mundo e explorá-lo, navegando rumo a novos e amplos horizontes. Navegando."
Como surgiu a Mouraria – uma história que informa o pano de fundo do discurso do papa Francisco
A Mouraria nasceu praticamente ao mesmo tempo que Portugal.
Os tempos eram então menos pacíficos. A 25 de outubro de 1147, dom Afonso Henriques tomou Lisboa dos muçulmanos após um cerco de quase quatro meses e, como Afonso I, tornou-se o primeiro rei de Portugal.
A região que se estende desde a praça do Martim Moniz até às encostas do castelo de São Jorge tornou-se o único local de residência dos restantes muçulmanos. Esses muçulmanos, descendentes dos conquistadores do norte da África no século VII, eram chamados de mouros ou mouros em português.
Permaneceram na região que levaria seu noe – Mouraria – até serem expulsos por dom Manuel em 1496.
Nas décadas seguintes à cristianização da região, a recém-criada companhia de Jesus abriu neste bairro, em 1553, a sua primeira escola em Portugal, a partir da qual lançaria as suas ações evangelísticas na região.
O bairro ainda é conhecido por suas históricas igrejas católicas, sendo a primeira delas, a de São Sebastião, construída em 1505 como proteção contra a peste.
Mais tarde, outras ermidas (pequenas capelas) da região, como a de Nossa Senhora da Saúde, associada a milagrosa proteção contra a peste, inspirariam procissões religiosas que continuam até aos dias de hoje no primeiro domingo de maio.
A igreja de São Cristóvão, um dos poucos edifícios e monumentos cujas obras de arte no seu interior sobreviveram ao terramoto de 1755 que devastou Lisboa, seria elevada à dignidade de capela real em 1861.
Marginalização, renascimento, degradação e gentrificação
Durante os séculos XIX e XX, a Mouraria foi o berço de um dos produtos culturais mais nitidamente portugueses: o fado, a melancólica trilha sonora boêmia das noites lisboetas. Fernando Maurício, um dos mais influentes "fadistas", nasceu na Mouraria em 1933, assim como a canção "Ai, Mouraria", gravada por muitos músicos portugueses ao longo dos anos.
No entanto, a Mouraria começou era um bairro muito degradado no início do século XXI.
"A marginalização do bairro da Mouraria persistiu durante séculos até a virada do novo milênio", refere o site da Fundação Renovar a Mouraria, que atua desde 2008 na recuperação do bairro. "Na primeira década do século XXI, a Mouraria, berço do fado e palco de várias vagas imigratórias, era vista como um local inseguro, dilacerado por tensões económicas e sociais".
Segundo a fundação, "vivendo como um lugar abandonado na cidade, questões relacionadas ao tráfico e consumo de drogas em plena luz do dia, famílias desestruturadas, ruas sujas e pobreza eram a normalidade".
Em 2012, a câmara municipal de Lisboa começou a melhorar o espaço público e a implementar um plano de desenvolvimento comunitário que melhorou significativamente o bairro.
A fundação desenvolve "cursos de português para migrantes; apoio ao estudo; gabinete de cidadania, que apoia os migrantes com documentação; o Migrantour, que são visitas guiadas ao bairro em que os guias são migrantes devidamente preparados".
O bairro multicultural, no entanto, corre o risco de perder o seu carácter devido à gentrificação e ao turismo que se tornaram uma importante fonte de receitas para Lisboa.
Filipa Bolotinha, coordenadora-geral do Renovar a Mouraria, disse ao jornal português Diário de Notícias em junho que "é cada vez mais difícil para os migrantes continuarem a viver na Mouraria por causa dos preços".
A esperança que permanece – compreendendo a Mouraria à luz da JMJ
A mistura de tradições religiosas, a dura realidade da migração, a complexidade da sobrevivência em ambientes urbanos e as contribuições históricas da Mouraria para a cultura de Portugal conferem uma qualidade competitiva às palavras do papa sobre a harmonia.
Pode ser que o papa queira ver na Mouraria o que descreveu mais tarde no seu discurso como a sua esperança para a Europa:
"Sonho com uma Europa, coração do Ocidente, que emprega seus imensos talentos para resolver conflitos e acender lâmpadas de esperança; uma Europa capaz de recuperar seu coração juvenil, olhando para a grandeza do todo e além de suas necessidades imediatas; uma Europa que inclui povos e pessoas, sem correr atrás de ideologias e formas de colonização ideológica."
Como realizar tal sonho?
No Evangelho apresentado aos jovens na Jornada Mundial da Juventude, segundo o papa Francisco.
"Jovens de todo o mundo, que anseiam por unidade, paz e fraternidade, nos exortam a realizar seus bons sonhos. Eles estão saindo às ruas, não para gritar com raiva, mas para compartilhar a esperança do Evangelho", disse.
De alguma forma, as centenas de milhares de peregrinos de todas as terras, e até de diferentes confissões, existem como bairro de concórdia na Jornada Mundial da Juventude, uma Mouraria realizada e esperançosa, por ela desafiada a "mar juntos rumo ao futuro". com maior caridade, cuidado da casa comum e mais abertura a uma vida marcada pelos valores do Evangelho.
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