15 de dezembro de 2024 Doar
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A situação da Igreja católica na Nicarágua

Bispo de Matagalpa (Nicarágua), dom Rolando Álvarez | / Diocese de Matagalpa

A Igreja Católica na Nicarágua continua vivendo uma dura realidade marcada por perseguições, prisões e exílios, uma história que remonta a várias décadas, mas que se intensificou nos últimos anos com as ações do governo de esquerda de Daniel Ortega e de sua mulher e vice-presidente Rosário Murillo.

Ortega é um personagem antigo da história da Nicarágua. Integrante da ex-guerrilha da Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN), governou o país entre 1985 e 1990, chegando ao poder pela segunda vez em 2007. Desde então, mantém-se na presidência com eleições consideradas duvidosas, e usando quaisquer recursos para isso, como a perseguição de opositores e pressão sobre a Igreja.

O governo nicaraguense não hesitou em expulsar religiosas, fechar meios de comunicação católicos, apoderar-se de instituições e edifícios eclesiásticos, apropriar-se do dinheiro que ajuda as obras da Igreja e enviar padres e bispos ao exílio ou à prisão.

Essa nova perseguição já deu sinais em maio de 2022, quando a Assembleia Nacional, controlada pelo regime, publicou um relatório que acusava bispos e padres de estarem envolvidos numa tentativa de golpe de Estado e pedia o julgamento de líderes religiosos que apoiaram as marchas de 2018 e exigia o confisco dos bens da Igreja.

Outro acontecimento que marcou a vida da Igreja nos últimos anos foi o incêndio criminoso em 31 de julho de 2020 contra a histórica imagem do Sangue de Cristo, um crucifixo que ficava na catedral de Manágua.

Neste artigo apresentamos um resumo do que a Igreja Católica na Nicarágua sofreu nos últimos anos com o regime sandinista.

1. A deterioração da relação da Nicarágua com o Estado do Vaticano

Uma das primeiras coisas que é preciso ter em conta é a deterioração das relações diplomáticas entre a Nicarágua e o Estado do Vaticano. Em julho de 2018 simpatizantes e turbas do governo atacaram o núncio apostólico dom Waldemar Sommertag, o cardeal Leopoldo Brenes e dom Silvio Báez durante visita à cidade de Diriamba.

O declínio continuou com a expulsão de dom Sommertag em março de 2022 e com o pedido do governo da Nicarágua para que a nunciatura apostólica em Manágua fosse fechada.

Isso finalmente aconteceu em 17 de março de 2023, com a saída do encarregado de negócios da nunciatura, monsenhor Marcel Diouf. "O fechamento da Sede Diplomática ocorreu após pedido do governo nicaraguense, datado de 10 de março de 2023", informou o Vatican News, site de notícias oficial da Santa Sé, no dia seguinte.

Dias antes, o papa Francisco havia criticado duramente Daniel Ortega e comparado seu regime às ditaduras "rudes" do início do século XX.

Na mesma entrevista, o papa Francisco também lamentou que dom Rolando Álvarez, bispo de Matagalpa, tenha acabado "na prisão", e o descreveu como um "homem muito sério, muito capaz", que "quis dar seu testemunho e não aceitou o exílio".

2. Apropriação de fundos da Igreja

Em sua tentativa de silenciar a Igreja, o governo de Daniel Ortega e se sua mulher Rosario Murillo começou a cortar os recursos financeiros de paróquias, dioceses e outras instituições católicas.

O golpe mais recente foi o bloqueio em 9 de agosto de 2023 das contas bancárias da Universidade Centro-Americana (UCA), a mesma que foi expropriada dos jesuítas dois dias depois.

As tentativas de deixar a Igreja Católica sem fundos foram evidenciadas em maio deste ano com o bloqueio das contas bancárias de várias paróquias e dioceses, como as de Matagalpa e Manágua, esta última pastoreada pelo cardeal Leopoldo Brenes. No mês seguinte, continuaram os bloqueios de mais paróquias e dioceses.

O regime se justificou, acusando a Igreja de lavagem de dinheiro e de ter feito "movimentos criminosos com fundos" que teriam "entrado no país de forma irregular".

Como consequência do bloqueio das contas bancárias - denunciou em julho a pesquisadora Martha Patricia Molina - "os padres mais velhos não estão recebendo suas aposentadorias do fundo nacional de seguro sacerdotal, fruto de anos de contribuição, devido ao bloqueio de contas bancárias para a Igreja Católica".

Segundo revelou o jornal El Confidencial em 2023, em junho de 2012 as autoridades retiveram mais de meio milhão de dólares que a agência humanitária Catholic Relief Services havia doado à diocese de Estelí.

3. Congregações religiosas expulsas

Em julho de 2022, uma notícia surpreendeu a imprensa internacional: o regime sandinista expulsou as Missionárias da Caridade da Nicarágua depois que a Assembleia Nacional dissolveu 101 organizações não governamentais, entre religiosas e outras instituições católicas.

Mais tarde viria a saída de mais congregações, como as Religiosas da Cruz do Sagrado Coração de Jesus e as irmãs trapistas da Nicarágua. Conventos também foram confiscados e religiosos estrangeiros expulsos.

As congregações religiosas geralmente não indicam o motivo da sua saída. No entanto, defensores de direitos humanos, como a pesquisadora Martha Patricia Molina, dizem que eles deixam o país por pressão do regime.

"Entre os anos de 2022 e 2023, 65 freiras foram expulsas e seis de diferentes congregações religiosas foram proibidas de entrar, num total de 71", disse Molina, autora do relatório Nicarágua, uma Igreja Perseguida?

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Segundo a pesquisadora, 10 congregações religiosas foram afetadas. Além das mencionadas acima, as Irmãs Dominicanas da Anunciata e as Irmãs Pobres de Jesus Cristo da Nicarágua também foram vítimas dessas medidas. As outras cinco congregações não foram citadas por questões de segurança.

4. Situação de dom Rolando Álvarez e de outros padres

O bispo de Matagalpa, dom Rolando Álvarez, tornou-se o símbolo da Igreja perseguida. Ele ficou preso em sua casa de 4 a 19 de agosto de 2022, dia em que a Polícia invadiu a sua casa para levá-lo a Manágua e mantê-lo em prisão domiciliar.

Álvarez ficou nessa condição até 10 de fevereiro de 2023, quando foi condenado a 26 anos e 4 meses de prisão por "traição à pátria". Um dia antes, dom Álvarez se recusou a deixar o país com outros 222 presos políticos exilados nos EUA, entre eles quatro padres, um diácono e dois seminaristas.

A condenação foi recebida com preocupação pelo papa Francisco, que lhe dedicou algumas palavras após a oração do Ângelus, dois dias depois

Dom Rolando Álvarez está preso na prisão La Modelo. No início de julho houve uma tentativa de libertá-lo. No entanto, as negociações entre o regime e a Igreja na Nicarágua fracassaram, por isso voltou à prisão.

Em 19 de agosto de 2023, um ano após a prisão violenta do bispo, o Departamento de Estado dos EUA solicitou sua libertação imediata.

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e o Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos para a América Central e o Caribe Inglês (EACNUDH) condenaram as contínuas violações dos direitos humanos do bispo, "como a falta de acesso à assistência médica e a medicamentos essenciais, a incomunicabilidade na qual se encontra no complexo penitenciário La Modelo e a limitação das visitas dos seus familiares.".

Segundo o relatório de Martha Patricia Molina, desde o início da crise de 2018, houve 193 ataques contra bispos, padres, diáconos, seminaristas e freiras. Isso inclui vigilância permanente, ameaças, tentativas de homicídio, espancamentos, processos criminais, exílio, entre outros.

O relatório, atualizado em março deste ano, diz que um bispo (dom Silvio Báez), 13 padres e dois diáconos foram forçados ao exílio. Também foram expulsos o núncio apostólico e dois padres, enquanto cinco padres, um diácono e dois seminaristas foram exilados.

A eles devemos acrescentar os padres Tomás Sergio Zamora Calderón e William Mora, que foram proibidos pelo regime de voltar à Nicarágua depois de terem participado da Jornada Mundial da Juventude (JMJ) em Lisboa, Portugal.

5. A situação do culto: É possível ir à missa na Nicarágua?

Diante desse panorama, a questão que se coloca é se os fiéis podem continuar praticando o culto livremente na Nicarágua.

Em declarações à ACI Prensa, agência em espanhol do grupo ACI, a pesquisadora Martha Patricia Molina disse ontem (22) que "as paróquias são monitoradas 24 horas por dia por infiltrados, que geralmente pertencem ao Conselho do Poder Cidadão, que é um grupo de pessoas encarregadas de monitorar os opositores e incluí-los numa lista" que é depois entregue à Polícia.

Ela disse que os católicos podem participar nas missas e celebrar sacramentos como o batismo e o casamento, "mas são sempre fiscalizados".

"Na verdade, as homilias dos padres são sempre gravadas e enviadas para o que se conhece como El Carmen, que é o lugar onde mora o casal ditatorial Ortega-Murillo" e no qual são analisados ​​os discursos dos párocos.

Sobre as procissões, lembrou que para a Semana Santa 2023 "foram proibidas mais de 3.176 procissões" nas ruas. Isso fez com que essas manifestações de fé tivessem que ser feitas dentro dos templos.

Embora tenha havido reações dos fiéis, como na procissão de Nossa Senhora das Mercês em 2022, a realidade é que o regime usa os meios ao seu alcance para as impedir.

Molina disse que a proibição de levar as procissões às ruas já havia sido dada antes da Semana Santa de 2023 e também depois dela. Houve algumas exceções, "como a festa de são Domingos que acontece em Manágua", pois é uma festa muito concorrida na qual as pessoas também vão para beber e se divertir.

"Então, por razões turísticas, essa procissão foi permitida, mas o resto está sendo proibido", disse ela.

Molina disse que os funcionários procuram não notificar as proibições por escrito, mas o fazem por meio de "visitas de cortesia", nas quais informam verbalmente aos párocos que "não podem fazer as procissões".

"Também foi proibido mencionar dom Rolando Álvarez nas missas e nas orações", disse Molina. Ela contou que grupos de leigos, padres e seminaristas rezam secretamente pelo bispo, "porque quem o menciona na homilia, na missa (...), é imediatamente visitado pela polícia" e pode até ser preso

6. Pronunciamentos oficiais dos bispos da Nicarágua

A Conferência Episcopal da Nicarágua (CEN) destacou-se pela preocupação com a vida nacional. Como resultado, em diversas ocasiões, divulgou comunicados por ocasião de eleições ou outros eventos de interesse público.

No entanto, quando sua posição não foi do agrado do regime, este respondeu com acusações e agressões verbais.

Apesar desta situação, a Igreja reiterou em novembro de 2021 sua oferta de mediação entre a oposição e o regime para sair da crise política, que foi rejeitada por Daniel Ortega.

Sobre a situação de dom Álvarez, a Conferência Episcopal se pronunciou em 20 de agosto de 2022, um dia depois de ter sido levado à força da cúria da diocese de Matagalpa. A CEN expressou sua "profunda dor" por "esta ferida" sofrida pela Igreja na Nicarágua.

O relatório da ACN

Em 22 de junho deste ano, a fundação pontifícia Ajuda à Igreja que Sofre (ACN) apresentou seu Relatório sobre a Liberdade Religiosa 2023, no qual diz que a perseguição à Igreja na Nicarágua "tem uma motivação política e não religiosa.

Isso porque desde 2018, quando eclodiu a atual crise, "a Igreja tem criticado abertamente qualquer repressão às liberdades civis e a violação dos direitos humanos no país".

O relatório da ACN sobre a Nicarágua diz que a liberdade religiosa no país centro-americano "piorou visivelmente".

"As perspectivas para os direitos humanos, incluindo a liberdade religiosa, são profundamente preocupantes e negativas", conclui.

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