Oct 4, 2023 / 08:54 am
A Sala de Imprensa da Santa Sé publicou hoje (4), dia de são Francisco de Assis, a nova exortação apostólica do papa Francisco Laudate Deum (Louvado seja Deus) sobre a crise climática.
No texto de pouco mais de 12 páginas (em português), o papa Francisco recorda que se passaram oito anos desde que publicou a encíclica Laudato si' (Louvado seja), em 2015, sobre o cuidado da casa comum, e que escreve esta nova exortação pois percebe “que não estamos a reagir de modo satisfatório, pois este mundo que nos acolhe, está-se esboroando e talvez aproximando dum ponto de ruptura”.
A crise climática global
Laudate Deum é dirigida “a todas as pessoas de boa vontade” e tem 73 numerais e está dividida em 6 seções, a primeira das quais é intitulada ‘A crise climática global’. Nela, Francisco diz: “Por muito que se tente negá-los, escondê-los, dissimulá-los ou relativizá-los, os sinais da mudança climática impõem-se-nos de forma cada vez mais evidente. Ninguém pode ignorar que, nos últimos anos, temos assistido a fenómenos extremos, a períodos frequentes de calor anormal, seca e outros gemidos da terra que são apenas algumas expressões palpáveis duma doença silenciosa que nos afeta a todos”.
“É verdade que nem todas as catástrofes se podem atribuir à alteração climática global. Mas é possível verificar que certas mudanças climáticas, induzidas pelo homem, aumentam significativamente a probabilidade de fenômenos extremos mais frequentes e mais intensos”, acrescenta.
Depois de dizer que há quem tente “minimizar esta observação” ou procure “pôr em ridículo quem fala de aquecimento global”, o papa lamenta que haja também quem “culpe os pobres de terem demasiados filhos e procure resolver o problema mutilando as mulheres dos países menos desenvolvidos. Como sucede habitualmente, a culpa pareceria ser dos pobres. Mas a realidade é que uma reduzida percentagem mais rica do planeta polui mais do que o 50% mais pobre de toda a população mundial e que a emissão pro capite dos países mais ricos é muitas vezes superior à dos mais pobres".
Depois de alertar que “nos últimos cinquenta anos, a temperatura aumentou a uma velocidade inédita, sem precedentes nos últimos dois mil anos”, o papa Francisco diz que “é impossível esconder a coincidência destes fenômenos climáticos globais com o crescimento acelerado das emissões de gases com efeito estufa, sobretudo a partir de meados do século XX”.
“A esmagadora maioria dos estudiosos do clima defende esta correlação, sendo mínima a percentagem daqueles que tentam negar esta evidência”, continua, ao mesmo tempo que destaca: que se vê “obrigado a fazer estas especificações, que podem parecer óbvias, por causa de certas opiniões ridicularizadoras e pouco racionais que encontro mesmo dentro da Igreja Católica”.
Francisco diz também que, nesta situação, “tudo o que se nos pede é uma certa responsabilidade pela herança que deixaremos atrás de nós depois da nossa passagem por este mundo”. A crise climática, continua, somada à pandemia de covid-19, levariam o papa a insistir “até à exaustão” em duas convicções: “Tudo está interligado” e “ninguém se salva sozinho”.
O crescente paradigma tecnocrático
Na segunda seção, Francisco recorda o “breve desenvolvimento” que ofereceu na Laudato si’ sobre o “paradigma tecnocrático que está na base do processo atual de degradação ambiental. Trata-se de ‘um modo desordenado de conceber a vida e a ação do ser humano, que contradiz a realidade até ao ponto de a arruinar’”.
“Consiste, substancialmente, em pensar ‘como se a realidade, o bem e a verdade desabrochassem espontaneamente do próprio poder da tecnologia e da economia’. Como consequência lógica, ‘daqui passa-se facilmente à ideia dum crescimento infinito ou ilimitado, que tanto entusiasmou os economistas, os teóricos da finança e da tecnologia’”, continua.
“O problema maior é a ideologia que está na base duma obsessão: aumentar para além de toda a imaginação o poder do homem, para o qual a realidade não humana é um mero recurso ao seu serviço. Tudo o que existe deixa de ser uma dádiva que se deve apreciar, valorizar e cuidar, para se tornar um escravo, uma vítima de todo e qualquer capricho da mente humana e das suas capacidades”, acrescenta o papa.
Francisco diz então: “Um ambiente saudável é também o produto da interação humana com o meio ambiente, como sucede nas culturas indígenas e aconteceu durante séculos em várias regiões da terra”. “O grande problema atual é que o paradigma tecnocrático destruiu esta relação saudável e harmoniosa”, acrescenta.
Francisco escreve também: “A decadência ética do poder real é disfarçada pelo marketing e pela informação falsa, mecanismos úteis nas mãos de quem tem maiores recursos para influenciar a opinião pública através deles. Com a ajuda destes mecanismos, quando se pretende iniciar um projeto com forte impacto ambiental e elevados efeitos poluidores, iludem-se os habitantes da região falando do progresso local que se poderá gerar ou das oportunidades econômicas, ocupacionais e de promoção humana que isso trará para os seus filhos”.
“Na realidade, porém, falta um verdadeiro interesse pelo futuro destas pessoas, porque não lhes é dito claramente que, na sequência de tal projeto, terão uma terra devastada, condições muito mais desfavoráveis para viver e prosperar, uma região desolada, menos habitável, sem vida e sem a alegria da convivência e da esperança, para além do dano global que acaba por prejudicar a muitos mais”, acrescenta.
A fragilidade da política internacional
A terceira seção é sobre ‘A fragilidade da política internacional’. Nela o papa diz que “não é conveniente confundir o multilateralismo com uma autoridade mundial concentrada numa só pessoa ou numa elite com excessivo poder”, mas com “organizações mundiais mais eficazes, dotadas de autoridade para assegurar o bem comum mundial, a erradicação da fome e da miséria e a justa defesa dos direitos humanos fundamentais”.
Neste sentido, Francisco diz que estas organizações “devem ser dotadas duma real autoridade que possa ‘assegurar’ a realização de alguns objetivos irrenunciáveis. Deste modo dar-se-ia vida a um multilateralismo que não depende das circunstâncias políticas instáveis ou dos interesses de poucos e que tem uma eficácia estável”.
Quanto ao multilateralismo, o papa diz que “pressupõe que se adote um novo procedimento para a tomada de decisões e a legitimação das mesmas, porque o procedimento estabelecido há vários decênios não é suficiente nem parece ser eficaz”.
“Neste contexto, são necessários espaços de diálogo, consulta, arbitragem, resolução dos conflitos, supervisão e, em resumo, uma espécie de maior ‘democratização’ na esfera global, para expressar e incluir as diversas situações. Deixará de ser útil apoiar instituições que preservem os direitos dos mais fortes, sem cuidar dos direitos de todos”, acrescenta.
As Conferências sobre o Clima: progressos e falimentos
Nesta quarta seção, o papa faz um resumo das diferentes conferências mundiais sobre o tema, começando pela do Rio de Janeiro em 1992, passando pela COP (Conferência das Partes) de Copenhague em 2009 e pela COP de Paris em 2015, esta última, um “momento significativo, pois produziu um acordo que envolveu a todos. Pode ser visto como um novo início, tendo em conta o falimento dos objetivos estabelecidos na fase anterior”.
O acordo entrou em vigor em 4 de novembro de 2016 e “apresenta um objetivo importante a longo prazo: manter o aumento das temperaturas médias globais abaixo dos 2 graus centígrados relativamente aos níveis pré-industriais, apostando em todo o caso a descer abaixo de 1,5 graus”.
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O que se espera da COP28 em Dubai?
Depois de fazer uma breve revisão da COP25 de Madri (2019), da COP26 de Glasgow (2021) e da COP27 de Sharm El Sheikh (2022), o papa dedica a quinta seção ao que se espera da COP28 do Dubai, que será de 30 de novembro a 12 de dezembro.
Na exortação, o papa Francisco encoraja a que “duma vez por todas acabemos com a atitude irresponsável que apresenta a questão apenas como ambiental, ‘verde’, romântica, muitas vezes ridicularizada por interesses econômicos”. Francisco manifesta a sua esperança de que aqueles que vão “intervir na COP28, sejam estrategas capazes de pensar mais no bem comum e no futuro dos seus filhos, do que nos interesses contingentes de algum país ou empresa".
Motivações espirituais
A sexta e última seção é sobre as ‘Motivações Espirituais’. Nela, Francisco destaca que “a cosmovisão judaico-cristã defende o valor peculiar e central do ser humano no meio do maravilhoso concerto de todos os seres, mas hoje somos obrigados a reconhecer que só é possível defender um ‘antropocentrismo situado’, ou seja, reconhecer que a vida humana não se pode compreender nem sustentar sem as outras criaturas. De fato ‘nós e todos os seres do universo, sendo criados pelo mesmo Pai, estamos unidos por laços invisíveis e formamos uma espécie de família universal, uma comunhão sublime que nos impele a um respeito sagrado, amoroso e humilde’".
"Convido cada um a acompanhar este percurso de reconciliação com o mundo que nos alberga e a enriquecê-lo com o próprio contributo, pois o nosso empenho tem a ver com a dignidade pessoal e com os grandes valores. Entretanto não posso negar que é necessário sermos sinceros e reconhecer que as soluções mais eficazes não virão só dos esforços individuais, mas sobretudo das grandes decisões da política nacional e internacional", pede o papa.
“‘Laudate Deum’ é o título desta carta, porque um ser humano que pretenda tomar o lugar de Deus torna-se o pior perigo para si mesmo”, conclui o papa Francisco.
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