16 de dezembro de 2024 Doar
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O catecismo é a compilação coesa da doutrina, diz presidente da Doutrina da Fé da CNBB

Dom Joel Portella Amado | CNBB

A declaração do Dicastério da doutrina da Fé Fiducia supplicans: sobre o sentido pastoral das bênçãos foi aclamada por bispos da Alemanha, Áustria e Bélgica por autorizar bênçãos para uniões homossexuais e casais irregulares como os divorciados em nova união. Teve essa interpretação cautelosamente atenuada pela Conferência dos Bispos Católicos dos Estados Unidos e totalmente rechaçada pelos bispos do Malaui, por exemplo.

A confusão doutrinal em um assunto que divide clérigos há anos era previsível. Assim, o próprio documento autorizado pelo papa Francisco diz “que se pode entender a possibilidade de bendizer os casais em situações irregulares e as duplas do mesmo sexo, sem convalidar oficialmente seu status nem alterar de modo algum a doutrina perene da Igreja sobre o Matrimônio”.

Desde 1992 o simples fiel católico tem acesso a essa doutrina perene no Catecismo da Igreja Católica, publicado por ordem do papa são João Paulo II. A obra é “uma fonte acessível para os fiéis, catequistas, sacerdotes e outros interessados em compreender a fé católica”, disse à ACI Digital o bispo-auxiliar do Rio de janeiro (RJ) dom Joel Amado, presidente da Comissão Episcopal para a Doutrina da Fé da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Nele, disse dom Joel, é possível encontrar “explicações claras e concisas dos princípios e práticas fundamentais da religião”.

Lê-se ali, no número 2.357 que, “apoiando-se na Sagrada Escritura, que os apresenta como depravações graves, a Tradição sempre declarou que os atos de homossexualidade são intrinsecamente desordenados” e “não podem, em caso algum, ser aprovados”.

O número 1.640 esclarece que “o vínculo matrimonial é, portanto, estabelecido pelo próprio Deus, de maneira que o matrimônio ratificado e consumado entre batizados não pode jamais ser dissolvido”. “A Igreja não tem poder para se pronunciar contra esta disposição da sabedoria divina”.

Diversas obras catequéticas foram publicadas na história da Igreja desde a primeira, a Didaqué, do século I. Entretanto, “a Igreja católica promulgou, até hoje, dois Catecismos universais: o Catecismo Romano ou Catecismo de Trento (1566), e o Catecismo da Igreja Católica, promulgado em 1992 pelo papa João Paulo II”, disse dom Joel à ACI Digital.

O Catecismo Romano se destinava “principalmente aos sacerdotes e bispos (ad parochos) como uma obra de grande valor teológico e catequético, promulgado oficialmente pela Igreja”. O de 1992, ao contrário, se destina a todo os fiéis.

“O Catecismo da Igreja Católica, de 1992, é a mais recente compilação abrangente da doutrina católica e substitui o Catecismo Romano”, disse dom Joel. Segundo ele, a existência de um novo catecismo “não invalida necessariamente os anteriores, mas reflete uma atualização e uma expressão contemporânea da fé”. Assim, os católicos “são incentivados a seguir o Catecismo mais recente”, enquanto os anteriores “podem ser considerados em seus contextos históricos e teológicos, e muitos ensinamentos fundamentais permanecem consistentes ao longo do tempo”.

Em 2005, o papa Bento XVI aprovou e promulgou o Compêndio do Catecismo da Igreja Católica, escrito em forma de perguntas e respostas como o Catecismo Romano. Trata-se de “uma síntese fiel e segura do Catecismo da Igreja Católica”, como o próprio Bento XVI descreveu no motu proprio para publicação do Compêndio.

Em 2011, foi publicado o YOUCAT (abreviação de Youth Cathecism, em português Catecismo Jovem). Foi elaborado sob a guia do arcebispo de Viena, Áustria, o cardeal Christoph Schönborn, com aprovação da Santa Sé, recomendação e prefácio do papa Bento XVI. É uma síntese do Catecismo da Igreja Católica em formato de perguntas e respostas, voltado para os jovens e adolescentes.

A origem do Catecismo

A publicação de um Catecismo da Igreja Católica não foi uma decisão do Concílio Vaticano II (1962-1965). O jesuíta alemão Karl Rahner, um dos teólogos mais influentes no concílio, disse que, depois do Vaticano II, seria impossível escrever um catecismo católico.

Para dom Joel Amado, a afirmação de Rahner “reflete uma perspectiva que enfatiza a complexidade e a diversidade de experiências e compreensões dentro da Igreja Católica”. O Vaticano II se concentrou “em questões mais amplas de renovação e atualização na Igreja Católica abordando temas como liturgia, ecumenismo, a relação entre a Igreja e o mundo moderno, etc.”

O concílio “promoveu uma abordagem mais pastoral e dialogante em relação ao mundo moderno e outras tradições cristãs” e “essa ênfase na pastoralidade e na abertura ao diálogo tornou desafiador consolidar uma síntese única e abrangente da fé católica em um único catecismo universal”, disse dom Joel.

João Paulo II disse na constituição apostólica Fidei Depositum que a publicação de um “Catecismo ou compêndio de toda a doutrina católica, tanto em matéria de fé como de moral” para a Igreja universal foi um “desejo” manifestado pelos padres sinodais da Assembleia Extraordinária do Sínodo dos Bispos convocada em 1985 por ocasião do vigésimo aniversário de encerramento do Concílio Vaticano II. Para ele, este desejo correspondia “à verdadeira necessidade da Igreja universal e das Igrejas particulares”.

Segundo dom Joel Amado, “no último período do concílio alguns bispos solicitaram um livro que pudesse conferir um aspecto concreto à obra do aggiornamento [atualização] no campo da catequese”. Algumas obras foram tentadas, como o catecismo publicado pela Conferência Episcopal Holandesa, em 1966, “aceito efusivamente em muitos países, mas (que) gerou uma série de problemas teológicos e muitos questionamentos”.

O Catecismo atual, busca “oferecer uma compilação coesa da doutrina católica, respondendo à necessidade de um recurso catequético e de ensino após o Concílio Vaticano II”, disse dom Joel. “Embora tenha sido promulgado décadas após o encerramento do concílio, muitos consideram o Catecismo da Igreja Católica como uma continuação do espírito conciliar, buscando apresentar a fé de maneira acessível e relevante para os desafios contemporâneos”, disse.

Na constituição apostólica Fidei Depositum, são João Paulo II classificou o Catecismo da Igreja Católica de 1992 como “o fruto mais maduro e completo do ensinamento conciliar”. “Depois da renovação da Liturgia e da nova codificação do Direito Canônico da Igreja Latina e dos cânones das Igrejas Orientais Católicas, este Catecismo” traz “um contributo muito importante àquela obra de renovação da vida eclesial inteira, querida e iniciada pelo Concílio Vaticano II”.

A importância do Catecismo

Para dom Joel, o Catecismo “reflete o espírito conciliar, adaptando a fé católica aos desafios e circunstâncias da época contemporânea”. Assim, ressaltou, “ao oferecer uma fonte comum de ensinamentos, o Catecismo promove a unidade na diversidade dentro da Igreja Católica, sendo um instrumento que pode ser usado para garantir que os católicos em todo o mundo compartilhem uma compreensão comum de sua fé”.

Disse também que o Catecismo “estabelece um ponto de referência, uma norma para a compreensão e anúncio da fé” e “serve de referência (e normativa) para a elaboração dos catecismos locais, favorecendo a inculturação e transmissão da fé”.

O futuro do Catecismo

Em março de 2022, o arcebispo de Munique e Freising, Alemanha, o cardeal Reinhard Marx, disse em uma entrevista à revista alemã Stern que o Catecismo da Igreja Católica “não está gravado em pedra” e “também é permitido duvidar do que ele diz”.

Segundo dom Joel, “a Igreja Católica, como instituição, enfatiza a importância da autoridade do Catecismo como um compêndio oficial dos ensinamentos da fé. No entanto, a dinâmica dentro da Igreja pode permitir uma certa flexibilidade na interpretação e aplicação do Catecismo em resposta aos desafios e questões contemporâneas”.

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“Mudanças ou ajustes na compreensão da fé podem ocorrer, mas são feitas dentro dos limites estabelecidos pela autoridade da Igreja. Portanto, enquanto as opiniões individuais podem variar, o Catecismo da Igreja Católica continua a ser considerado um instrumento importante para o ensino e a transmissão da fé na tradição católica. A autoridade última sobre a interpretação e a doutrina católica reside nas autoridades eclesiásticas, como o papa e os bispos em comunhão com ele”, disse.

Para o presidente da Comissão para a Doutrina da Fé da CNBB, “o Catecismo da Igreja Católica favorece a unidade eclesial, pois não reproduz opiniões de grupos, mas a fé da Igreja, que não foi inventada por nós”.

O Catecismo “não é uma obra esgotada, ultrapassada. Sua atualidade é latente: mostra a coerência das verdades de fé, rompe com o relativismo, previne a fragmentação da fé eclesial, é caminho seguro para a Sagrada Escritura e riqueza global da tradição nas suas múltiplas formas, valoriza a categoria de mistério, de encontro, de vida em Cristo”, disse dom Joel.

“O Espírito Santo sempre iluminou a Igreja diante das mudanças do mundo, sobretudo a não se confundir com o mundo”, acrescentou.

“Recusar o Catecismo na sua totalidade significa separar-se da fé e da doutrina da Igreja. No entanto, é possível fazer ajustes, esclarecimentos, mudanças, como o papa Francisco o fez em 2018, reescrevendo o artigo 2267, sobre a pena de morte, que não estava excluída do ensinamento tradicional da Igreja”, acrescentou.

Em agosto de 2018, o papa Francisco autorizou a modificação do artigo 2.267 do Catecismo da Igreja Católica que fala sobre a pena de morte. A versão anterior dizia que “o ensino tradicional da Igreja não exclui, depois de comprovadas cabalmente a identidade e a responsabilidade do culpado, o recurso à pena de morte, se essa for a única via praticável para defender eficazmente a vida humana contra o agressor injusto” e que “se os meios incruentos bastarem para defender as vidas humanas contra o agressor e para proteger a ordem pública e a segurança das pessoas, a autoridade se limitará a esses meios, porque correspondem melhor às condições concretas do bem comum e estão mais conformes à dignidade da pessoa humana”.

A nova versão deste parágrafo diz: “Durante muito tempo, considerou-se o recurso à pena de morte por parte da autoridade legítima, depois de um processo regular, como uma resposta adequada à gravidade de alguns delitos e um meio aceitável, ainda que extremo, para a tutela do bem comum. Hoje vai-se tornando cada vez mais viva a consciência de que a dignidade da pessoa não se perde, mesmo depois de ter cometido crimes gravíssimos. Além disso, difundiu-se uma nova compreensão do sentido das sanções penais por parte do Estado. Por fim, foram desenvolvidos sistemas de detenção mais eficazes, que garantem a indispensável defesa dos cidadãos sem, ao mesmo tempo, tirar definitivamente ao réu a possibilidade de se redimir. Por isso a Igreja ensina, à luz do Evangelho, que «a pena de morte é inadmissível, porque atenta contra a inviolabilidade e dignidade da pessoa», e empenha-se com determinação a favor da sua abolição em todo o mundo”.

Em um discurso pelos 25 anos do Catecismo da Igreja Católica, em setembro de 2017, o papa Francisco já tinha falado sobre a necessidade de mudar o que o Catecismo dizia sobre a pena de morte. Na ocasião, ele disse que “a Tradição é uma realidade viva; e somente uma visão parcial pode conceber o “depósito da fé” como algo de estático”. “A Palavra de Deus não pode ser conservada em naftalina, como se se tratasse de uma velha coberta que é preciso proteger da traça! Não. A Palavra de Deus é uma realidade dinâmica, sempre viva, que progride e cresce, porque tende para uma perfeição que os homens não podem deter”. Para ele, esta lei do progresso “pertence à condição peculiar da verdade revelada, enquanto transmitida pela Igreja, e não significa de modo algum uma mudança de doutrina”.

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