Jan 25, 2024 / 10:26 am
Em 6 de novembro de 1983, um homem descalço com as mãos amarradas nas costas foi visto fugindo por uma rua próxima ao centro da Cidade da Guatemala. Desviando do tráfego em sentido contrário na Avenida Santa Elena, na capital do país centro-americano, ele gritou: "Socorro! Socorro! Eles querem me matar!”.
Atrás dele vinha um carro com seus assassinos: provavelmente membros das forças de segurança da Guatemala. Ele foi alvejado em questão de segundos com oito tiros e ainda respirava enquanto estava agonizando no chão. Finalmente, foi baleado na cabeça.
Os assassinos então seguiram o procedimento oficial como se fossem policiais comuns e colocaram fita amarela ao redor do perímetro, aguardando a chegada de uma ambulância e de um juiz de paz.
Um motorista de ambulância registrou que "quem atirou nele permanece desconhecido", enquanto o juiz de paz escreveria mais tarde que o padre "morreu em circunstâncias ainda desconhecidas".
Esses são os fatos reais do martírio do padre franciscano Augusto Ramírez Monasterio, um dos muitos em uma guerra civil de décadas na Guatemala que colocou as forças de segurança oficiais contra o clero católico, guerrilheiros marxistas, dissidentes políticos e os pobres.
Ele não foi o único clérigo e religioso morto durante o conflito: a lista inclui o padre missionário americano Stanley Rother, beato.
No época da morte do franciscano, 13 padres já tinha sido mortos desde 1978, supostamente pelas forças de segurança guatemaltecas. Naquele mês, a Conferência Episcopal da Guatemala publicou uma carta pastoral intitulada “Confirmados na fé”, em que denunciava a "perseguição" e o "assédio" à Igreja pelo governo.
Em sua primeira missa, em 1967, o padre Ramirez leu uma passagem do evangelho de são Mateus que diz: "Não temais aqueles que matam o corpo, mas não podem matar a alma; temei antes aquele que pode precipitar a alma e o corpo no inferno" (Mateus 10,28).
Em uma entrevista ao Register, o padre franciscano Edwin Alvarado disse que isso revela que a vida de frei Augusto foi uma preparação para sua morte. “Ele deveria ser listado entre outros guatemaltecos notáveis, como poetas e artistas", disse o padre Alvarado, bem como "um mártir da caridade e um santo do sacramento da confissão". À medida que seu processo de canonização se desenvolve, ele é um grande exemplo para confessores, padres e leigos”.
Em 1983, ele era o superior dos franciscanos e pároco da igreja de São Francisco o Grande, em Antígua, uma cidade conhecida por suas igrejas coloniais a poucos quilômetros da capital.
Conhecido por seu programa de rádio e seu trabalho para os pobres, o padre Ramírez incentivou os jovens a aprender a tocar música. Ele nunca se associou a grupos marxistas, mas defendia os adolescentes de incursões que saíam em busca de recrutas para o exército.
Depois que o presidente de fato Efraín Ríos Montt ofereceu anistia aos guerrilheiros marxistas, Fidel Coroy, membro do povo maya kaqchikel, foi a São Francisco o Grandeem 2 de junho de 1983 para se confessar e pedir anistia.
Coroy já havia tentado se entregar, mas depois disse que as autoridades guatemaltecas só queriam levá-lo para o túmulo. Depois de confessar, frei Augusto o levou à prefeitura local para obter os documentos de identidade necessários para a anistia. As autoridades lhes disseram para ir à cidade vizinha de Parramos para obtê-los, então frei Augusto levou Coroy à delegacia de polícia da cidade, levando consigo os coroinhas Luís Quino, 11, e Antonio Molina, 18.
Quando chegaram à delegacia de Parramos, o padre pediu aos meninos que ficassem no carro e não dessem seus nomes verdadeiros à polícia. Coroy e o frade entraram na delegacia de polícia, onde um policial se recusou a emitir uma identidade para Coroy e o acusou de ser um líder guerrilheiro. Os soldados prenderam o frade, Coroy e os coroinhas.
Coroy foi separado de seus companheiros, que ficaram em um escritório por horas, esperando seu destino durante toda a tarde. Não tinham notícias do estado de Coroy, mas às 20h escutaram-no gritar de outra sala: “Vão em frente, me matem, mas os deixem em paz!”.
Os soldados contiveram frei Augusto e os dois meninos, vendaram seus olhos e amarraram suas mãos atrás das costas. Em entrevista ao Register, Quino lembrou: "Os soldados nos ameaçaram. Senti como se estivessem apontando uma arma para a minha cabeça esperava a morte”. Separados do frade, eles foram levados para outro lugar, onde foram jogados em uma trincheira. Expostos à chuva de inverno, passaram a noite com outros prisioneiros, sem saber o que havia acontecido com o frade.
Pela manhã, os meninos foram libertados e encontraram frei Augusto esperando por eles no carro em que tinham chegado à cidade. Depois de assinar um documento declarando que não havia sido ferido, eles permitiram que ele voltasse para casa. Ele não lhes contou o que havia sofrido naquela noite.
Relatos posteriores mostraram que frei Augusto tinha sido torturado por seus captores militares, que o despiram e o penduraram pelos pulsos, submetendo-o a espancamentos e queimaduras. Várias costelas foram quebradas. Apesar de tudo, ele se recusou a revelar o que Coroy havia lhe contado na confissão.
Assim começaram cinco meses de pesadelo para o frade, que, junto com sua família, recebeu ameaças de morte e ficou sob vigilância, mas manteve silêncio público sobre sua tortura e a confissão do guerrilheiro. Ele até escondeu as feridas em seus pulsos e mãos.
Quanto a Coroy, ele também foi espancado por soldados durante horas e deixado para morrer em uma estrada perto de Parramos. No entanto, sobreviveu e agora é uma testemunha do heroísmo do frade.
A historiadora Ana Ramírez, sobrinha de frei Augusto, relembrou mais tarde o que aconteceu. Em uma entrevista, ela disse que sua família lhe ofereceu passagens de avião internacionais. "Ele se recusou a partir” e lhes respondeu: "Deus quer isso. Ele sabe como me proteger. Aceito tudo o que ele me enviar".
Como toda a família estava assustada com a vigilância e as ameaças de morte, Ramírez disse que sua mãe acabou escrevendo uma carta às autoridades guatemaltecas na qual prometeu que não exigiria mais que o crime fosse esclarecido.
Em 5 de novembro de 1983, frei Augusto estava comemorando seu 46º aniversário e estava no aeroporto da Cidade da Guatemala para se encontrar com um colega franciscano. Não foi revelado como aconteceu seu sequestro, mas, na noite seguinte, seu corpo torturado foi encontrado em uma estrada da capital. A Polícia Nacional prometeu encontrar os culpados, mas sua investigação não foi concluída.
Em 8 de novembro, a arquidiocese da Guatemala emitiu uma declaração dizendo: "É com grande pesar que a Cúria Diocesana e a Ordem Franciscana anunciam que o padre Augusto Ramírez Monasterio foi assassinado. Esse crime indescritível foi cometido contra um sacerdote exemplar e se soma aos ataques contra a Igreja Católica que têm sido repetidamente denunciados por seus pastores. A arquidiocese da Guatemala declara excomungado todo aquele que ataca uma pessoa consagrada".
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Um porta-voz presidencial disse que o assassinato tinha sido cometido por guerrilheiros que buscavam dividir o governo e a Igreja Católica e negou qualquer envolvimento do governo na morte do padre. No entanto, anos depois, foi revelado o alcance da vigilância e das ameaças do governo.
"Os autores do crime nunca foram levados à justiça", disse a historiadora Ramírez. Ela contou que os óculos de seu tio e as cordas manchadas de sangue com as quais ele foi amarrado foram encontrados em uma van.
Luto e homenagem
Frei Augusto Ramírez Monasterio foi considerado mártir por muitos guatemaltecos, especialmente os mayas pobres. Em 2006, o então arcebispo da Guatemala, cardeal Rodolfo Quezada Toruño, iniciou seu processo de beatificação por martírio.
Em entrevista ao Register, frei Edwin comentou que está confiante de que a causa de frei Augusto está avançando na Santa Sé depois que a Igreja local comemorou recentemente o 40º aniversário de sua morte.
O espírito de frei Augusto continua vivo", disse Frei Edwin, "e quando me perguntaram no Vaticano este ano, ‘para que serve sua beatificação?', nós franciscanos respondemos que o segredo da confissão continua vivo".
O padre acrescentou que a igreja de São Francisco o Grande, onde frei Augusto serviu, agora é conhecida como "o santuário da misericórdia": os padres atendem confissões lá, antes da missa, das 6h30 às 16h, todos os dias.
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