18 de dezembro de 2024 Doar
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Homilia do papa Francisco na missa de Quarta-feira de Cinzas 2024

Papa Francisco na missa de Quarta-feira de Cinzas 2024. | Youtube Vatican News.

Hoje (14), dia em que a Igreja celebra a memória de são Valentim, o papa Francisco celebrou a missa da Quarta-feira de Cinzas, início da Quaresma de 2024

A missa começou depois da habitual procissão penitencial da qual participam cardeais, bispos, sacerdotes e fiéis; da Igreja de Santo Anselmo até a Basílica de Santa Sabina.

Em sua homilia, o papa Francisco incentivou a redescobrir o "segredo da vida", ou seja, voltar o coração para Deus, redescobri-lo e converter cada um de nós, por meio da oração, do jejum e da esmola.

Abaixo, o texto completo da homilia do papa Francisco:

Quando deres esmola, quando rezares, quando jejuares, procura fazê-lo em segredo: o teu Pai, de fato, vê no segredo (cf. Mt 6, 4). Entra no segredo: este é o convite que Jesus dirige a cada um de nós no início do caminho da Quaresma.

Entrar no segredo significa voltar ao coração, como adverte o profeta Joel (cf. Jl 2, 12). Trata-se dum percurso de fora para dentro, a fim de que todo o nosso viver, incluindo a nossa relação com Deus, não se reduza a exterioridade, a uma moldura sem quadro, a mero revestimento da alma, mas brote de dentro e corresponda aos movimentos do coração, isto é, aos nossos desejos, aos nossos pensamentos, ao nosso sentir, ao núcleo fontal da nossa pessoa.

Deste modo a Quaresma mergulha-nos num banho de purificação e despojamento: ajuda-nos a retirar toda a «maquiagem», tudo aquilo de que nos revestimos para brilhar, para aparecer melhores do que somos.

Voltar ao coração significa tornar ao nosso verdadeiro eu e apresentá-lo diante de Deus tal como é, nu e sem disfarces. Significa olhar dentro de nós mesmos e tomar consciência daquilo que somos realmente, tirando as máscaras que muitas vezes utilizamos, diminuindo a corrida do nosso frenesim, abraçando a verdade de nós mesmos.

A vida não é um teatro, e a Quaresma convida-nos a descer do palco do fingimento e regressar ao coração, à verdade daquilo que somos. Voltar ao coração, voltar à verdade.

Por isso nesta tarde recebemos, com espírito de oração e humildade, as cinzas na cabeça. Trata-se dum gesto que visa reconduzir-nos à realidade essencial de nós mesmos: somos pó, a nossa vida é como um sopro (cf. Sal 39, 6; 144, 4), mas o Senhor – Ele, e só Ele – não deixa que esse pó que somos desapareça; recolhe e plasma o pó que somos, para que não acabe disperso pelos ventos impetuosos da vida nem se dissolva no abismo da morte.

As cinzas postas sobre a nossa cabeça convidam-nos a redescobrir o segredo da vida. Dizem-nos: enquanto continuares a usar uma armadura que cobre o coração, a disfarçar-te com a máscara das aparências, a exibir uma luz artificial para te mostrares invencível, permanecerás árido e vazio.

Pelo contrário, quando tiveres a coragem de inclinar a cabeça para te olhares intimamente, então poderás descobrir a presença dum Deus que desde sempre te amou; finalmente despedaçar-seão as couraças de que te revestiste e poderás sentir-te amado com amor eterno.

Irmã, irmão, eu, tu, cada um de nós... somos amados com amor eterno. Não passamos de cinza sobre a qual Deus insuflou o seu sopro de vida, terra que Ele plasmou com as suas mãos (cf. Gn 2, 7; Sal 119, 73), pó do qual ressurgiremos para uma vida sem fim, desde sempre preparada para nós (cf. Is 26, 19).

E se arder, sob as cinzas que somos, o fogo do amor de Deus, descobriremos que somos empastados deste amor e chamados ao amor: amar os irmãos que nos rodeiam, estar atento aos outros, viver a compaixão, usar de misericórdia, partilhar aquilo que somos e temos com quem passa necessidade.

Por isso, a esmola, a oração e o jejum não se podem reduzir a práticas exteriores, mas são caminhos que nos levam de volta ao coração, ao essencial da vida cristã. Fazem-nos descobrir que somos cinza amada por Deus e tornam-nos capazes de difundir o mesmo amor sobre as «cinzas» de tantas situações quotidianas para que nelas renasçam a esperança, a confiança, a alegria.

Santo Anselmo de Aosta deixou-nos a seguinte exortação, que podemos fazer nossa nesta tarde: «Escapa por um pouco das tuas ocupações, deixa por um pouco os teus pensamentos tumultuosos. Neste momento, afasta as preocupações graves e deixa de lado as tuas canseiras. Presta um pouco de atenção a Deus e descansa n’Ele. Entra no íntimo da tua alma, exclui tudo à exceção de Deus e daquilo que te ajuda a procurá-Lo e, fechada a porta, procura-O. Ó meu coração, agora com toda a tua força, diz a Deus: Procuro o vosso rosto. O vosso rosto, Senhor, eu procuro» (Proslógion, 1).

Nesta Quaresma, escutemos a voz do Senhor que não Se cansa de nos repetir: entra no segredo, volta ao coração. É um convite salutar, para nós que muitas vezes vivemos à superfície, que nos agitamos para ser notados, que sempre temos necessidade de ser admirados e apreciados.

Sem nos dar conta, já não temos um lugar secreto onde parar e nos protegermos, imersos num mundo onde tudo, incluindo as mais íntimas emoções e sentimentos, se deve tornar «social». Mas como pode ser social aquilo que não brota do coração?

Mesmo as experiências mais trágicas e dolorosas correm o risco de não ter um lugar secreto que as guarde: tudo deve ser manifestado, ostentado, dado em pasto à coscuvilhice da hora. Por isso nos diz o Senhor: entra no segredo, volta ao centro de ti mesmo. Aí onde se abrigam também tantos medos, sentimentos de culpa e pecados, precisamente aí desceu o Senhor para te curar e purificar.

Entremos no nosso quarto interior: aí habita o Senhor, é acolhida a nossa fragilidade e somos amados sem condições.

Voltemos, irmãos e irmãs! Voltemos para Deus com todo o coração. Nestas semanas de Quaresma, demos espaço à oração feita de adoração silenciosa, na qual permaneçamos na presença do Senhor à escuta como Moisés, Elias, Maria, como Jesus. Inclinemos o ouvido do coração Àquele que, no silêncio, nos quer dizer: «Eu sou o teu Deus, Deus de misericórdia e compaixão, o Deus do perdão e do amor, o Deus da ternura e da solicitude. (…) Não te julgues a ti mesmo. Não te condenes. Não sintas aversão de ti. Deixa que o meu amor toque os recônditos mais profundos e escondidos do teu coração e te revele a tua própria beleza; uma beleza que perdeste de vista, mas que se te vai tornar novamente visível na luz da minha misericórdia. Vem, vem! Permite-Me enxugar as tuas lágrimas, deixa que a minha boca se aproxime mais do teu ouvido e te diga: Eu te amo, te amo, te amo» (H. Nouwen, A caminho da aurora, Brescia 1997, 233).

Irmãos e irmãs, não tenhamos medo de nos despojar dos revestimentos mundanos e voltar ao coração, ao essencial. Pensemos em São Francisco que, uma vez despido, abraçou com todo o seu ser o Pai que está nos céus.

Reconheçamo-nos pelo que somos: pó amado por Deus; e, graças a Ele, renasceremos das cinzas do pecado para a vida nova em Jesus Cristo e no Espírito Santo.

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