Mar 22, 2024 / 10:41 am
Na madrugada do Sábado Santo de 1918, a irmã Ignez do Sagrado Coração de Jesus, uma das fundadoras do Carmelo São José, em Petrópolis (RJ), teve um sonho no qual lhe foi entregue uma coroa de contas, como um rosário, e a instrução de que era composto por três Pai-Nossos e 36 Lembrai-vos. Desse sonho, nasceu a devoção a Nossa Senhora da Saudade, que recorda a saudade que a Virgem Maria teve durante o tempo em que Jesus esteve no sepulcro.
“Foi no dia 30 de março, dia em que hoje celebramos Nossa Senhora da Saudade e, este ano, teremos a graça de cair no Sábado Santo também”, disse a irmã Maria Bernadete da Imaculada Conceição, 85 anos, que recebeu ACI Digital no parlatório do Carmelo São José, local dividido por uma grade onde as irmãs recebem as pessoas de fora.
Segundo relato da própria irmã Ignez do Sagrado Coração de Jesus, naquela madrugada, ela sonhou que “estava no leito”, como costumava passar as noites, “meio sentada, recostada sobre travesseiros altos”. “A minha direita, um ser invisível, de quem vi apenas a mão formosa e alvíssima, estendida a pouca altura dos meus olhos, mostrava-me uma coroa de contas, enfeitadas a maneira do Santo Rosário. E ao mesmo tempo, ouvi mentalmente as seguintes palavras: ‘É uma devoção a Nossa Senhora, muito eficaz. Compõe-se de três Padres Nossos e 36 Lembrai-vos’. E despertei inebriada de paz e de suavíssima consolação; mas ignorando quem fosse o ser invisível que me trazia aquele segredo do Céu, porquanto só lhe vi a mão diáfana. Ficou-me a persuasão de ter sido o meu Anjo da Guarda o doce mensageiro da preciosa joia de que o Rei, meu Senhor, se dignara de encher-me as mãos, para exornar as vestimentas da Rainha, sua mãe”.
A carmelita, porém, não entendeu o que significavam os 36 Lembrai-vos, oração também conhecida como “Memorare” em latim, oração à Virgem Maria atribuída a são Bernardo de Claraval.
Ela passou o dia refletindo sobre o sonho, sem conseguir “interpretar a razão do número 36, nem tampouco a finalidade da nova devoção”.
“Pela tarde”, relatou a religiosa, “à hora da oração, no coro recolhida, ouvi no meu íntimo, dentro do meu coração, esta voz clara, distinta: ‘A devoção que recebeste em teu sonho é para honrar as saudades que Nossa Senhora sofreu de Jesus, durante as 36 horas em que esteve sepultado o corpo do Salvador’. Oh! Que abalo senti! Que estremeço de júbilo me sacudiu a alma ao receber a explicação do que até aquele momento era um enigma indecifrável! Que festa para o espírito quando se encontra a chave de um problema que não podia resolver”.
Anos depois, contou irmã Ignez, “nosso excelso mestre [o capelão do carmelo, padre João Gualberto] encontrou, no corpo da Suma Teológica de santo Tomás de Aquino, a confirmação desse número de horas”. O sacerdote também se tornou um devoto e propagador dessa devoção.
A irmã Ignez narrou o fato à sua priora, madre Antonieta. “No dia seguinte, domingo da Ressurreição, apenas acabei de narrá-lo à minha estremecida madre, tive a inspiração de dar à Mãe dos meus enlevos um ‘novo nome’: o de Nossa Senhora da Saudade, e intitular a nova devoção, ‘Coroa de Saudades da Rainha dos Mártires’”, contou a carmelita.
A irmã Maria Bernadete disse à ACI Digital que o título “Rainha dos Mártires” é porque “Ela mais do que ninguém foi mártir, o que Nossa Senhora sofreu vendo o filho inocente condenado à morte do jeito que foi, açoitado, pregado na cruz...”, disse. “A dor do coração, às vezes, é pior do que a dor física”.
Segundo a irmã Maria Bernadete, “primeiramente, a devoção foi crescendo dentro do Carmelo. Depois, as irmãs pediram ao bispo o imprimatur para propagar essa devoção”. Naquela época, Petrópolis pertencia à diocese de Niterói e o bispo Agostinho Benassi concedeu o imprimatur. Foram impressos folhetos com a fórmula da Coroa da Saudade da Rainha dos Mártires, “as pessoas começaram a pedir e foi aumentando a devoção”.
Natural de Rio Pomba (MG), a irmã Maria Bernadete não conhecia a devoção a Nossa Senhora da Saudade quando entrou no Carmelo de Petrópolis, há 63 anos. “Quando cheguei ao Carmelo e conheci Nossa Senhora da Saudade, senti uma atração por esta devoção, porque quando a gente entra, sente muita saudade da família, principalmente porque eu tinha muitos sobrinhos e tomava conta deles. A devoção a Nossa Senhora da Saudade me ajudou muito”, disse.
Na clausura, a carmelita conheceu a Coroa da Saudade e também a única imagem de Nossa Senhora da Saudade do mundo, feita de mármore com 1,66 metros.
Na imagem, Maria é representada com o globo terrestre embaixo dos pés, a cabeça inclinada para baixo adornada por uma coroa de ouro, um semblante triste e deixa transparecer um sorriso melancólico com a certeza da ressurreição de seu Filho. A mão esquerda está apoiada sob o peito transpassado por um punhal e a mão direita segurando a Coroa da Saudade, também de ouro.
A imagem está em uma sala dentro do Carmelo, mas é possível vê-la através de uma grade que dá para a capela, que é aberta ao público. Na frente da imagem está o túmulo do padre João Gualberto. O túmulo da irmã Ignez do Sagrado Coração de Jesus, que morreu em 1948, está em um espaço dentro da clausura, junto à parede da capela.
A irmã Maria Bernadete contou que, no Carmelo, costumam fazer “uma homenagem especial” a Nossa Senhora da Saudade no Sábado Santo, “porque é o dia em que a irmã Ignez recebeu a Coroa da Saudade”. “Fora isso”, disse, “cada uma das religiosas reza em particular as três dozenas em hora a Nossa Senhora da Saudade”.
A carmelita contou que, atualmente, “vem muita gente de fora para rezar para Nossa Senhora ali na grade da capela, para pedir orações e contar que alcançou graças através de Nossa Senhora da Saudade”. Entre essas pessoas, disse, estão “principalmente mães de família, às vezes com dificuldades com os filhos”.
A Coroa da Saudade da Rainha dos Mártires
A Coroa da Saudade da Rainha dos Mártires é composta por três dozenas e, em cada uma, é contemplado um mistério. No primeiro, contempla-se “as saudades que Nossa Senhora sofreu de seu Divino Filho, desde o instante em que a pedra do Santo Sepulcro velou aos seus maternos olhos o Corpo de Jesus”. No segundo, “as saudades de Nossa Senhora, que, na residência de são João não pôde abrigar-se na solidão, refúgio onde menos dessangram chagas mortais”. E, no terceiro, “as saudades de Nossa Mãe adorada, quando voltou ao calvário, onde renovou o seu sacrifício de co-redentora da humanidade, oferecendo por nós a Deus o Filho que ela chorava”.
Em cada mistério, reza-se um Pai-Nosso e doze Lembrai-vos:
“Lembrai-vos, ó misericordiosíssima Virgem Maria, que nunca se ouviu dizer que nenhum daqueles que têm recorrido à vossa proteção, implorado a vossa assistência, reclamado o vosso socorro, fosse por vós desamparado. Animado eu, pois, de igual confiança, a Vós, Virgem entre todas singular, como a Mãe recorro, de Vós me valho; e gemendo com o peso dos meus pecados, me prostro aos vossos pés. Não rejeiteis as minhas súplicas, ó Mãe do Divino Verbo humanado, mas dignai-vos de as ouvir propícia e de me alcançar o que vos rogo. Amém”.
Ao final, na medalha de Nossa Senhora da Saudade, deve-se rezar três Ave-Marias e a seguinte súplica:
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“Lembrai-vos, ó Rainha dos Mártires, das saudades cruciantes que atormentaram o vosso Imaculado Coração durante as 36 horas de sepultura do vosso Divino Filho. Pelas dores acerbíssimas da vossa saudade, oh! acendei-nos n’alma o desejo de ver a Deus no Céu, e alcançai-nos, um dia, a eterna Bem-aventurança. Enquanto, porém, neste desterro peregrinamos, obtende-nos as graças que nos são necessárias para amarmos e servirmos a Jesus com fidelidade até à morte; e, se for da sua vontade adorável, impetrai-nos (ou impetrai-me) a mercê que vos imploramos (ou imploro) com inteira confiança. Amém”.
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