Apr 29, 2024 / 15:45 pm
“O bem não faz barulho”, diria são Francisco de Sales sobre a missa à luz de velas em Lille, na França.
Embora a França se mostre regularmente na vanguarda da descristianização do Ocidente e tenha recentemente chegado às manchetes pela inclusão do aborto na constituição, as brasas da renovação cristã se acendem, silenciosamente mas poderosamente, no norte do país.
Todas as terças-feiras à noite, às 22h, 800 a 900 estudantes reúnem-se na histórica capela de São José, na Universidade Católica de Lille, para uma missa à luz de velas na intenção de novos catecúmenos prestes a receber o batismo.
Para os organizadores da missa, essa fórmula inesperadamente bem sucedida é um modelo universal a ser exportado para tocar as almas do grande número de jovens que têm sede de interioridade num mundo profundamente atomizado pela expansão do mundo virtual em todas as esferas da vida cotidiana.
'Simplicidade da beleza'
Lançada por iniciativa de um grupo de seis estudantes numa pequena capela sob a capelania da Universidade de Lille, a maior universidade privada sem fins lucrativos da França, também conhecida no país como “La Catho” (A Católica), a missa à luz de velas ultrapassou rapidamente a marca de 300 participantes, obrigando os organizadores a se mudar para continuar recebendo o fluxo crescente de estudantes, sejam fiéis ou apenas curiosos.
Por esse motivo a grande capela de São José, anexa à escola, foi restaurada em 2019. A capela celebra seu centenário neste ano e foi utilizada como sala de provas por estudantes durante muito tempo. Em 2020, a capacidade do prédio, de cerca de 600 lugares, foi atingida na missa, obrigando os estudantes a chegarem cedo para evitar ficar em pé ou sentar no chão.
Durante a quaresma deste ano, o serviço de segurança teve de afastar centenas de fiéis, uma vez que a regulamentação atual proíbe mais de 900 pessoas no edifício.
Como explicar a popularidade uma missa no meio da semana, num tempo no qual as igrejas da Europa tendem a esvaziar-se a um ritmo preocupante?
Embora os movimentos tradicionalistas e carismáticos dentro da Igreja tenham tido uma rara capacidade de atrair multidões na França nos últimos anos, como demonstrado pelo incrível sucesso das peregrinações a Chartres e Paray-le-Monial, a missa em Lille não reivindica qualquer identidade particular ou sensibilidade, além do apego à beleza da liturgia e à qualidade dos seus pregadores. Os cantos são geralmente entoados por um coro polifônico, cuja profundidade e musicalidade são elogiadas pelos participantes.
“Além dos vários movimentos que se desenvolvem hoje na Igreja, penso que o que tem maior probabilidade de atrair os jovens é a simplicidade da beleza”, disse a estudante universitária e chefe de comunicações da capelania da universidade, Joséphine Auberger.
“Tenho um amigo que normalmente só assiste à missa tradicional em latim, justamente por sua busca pela beleza, e que se encontra completamente nesta celebração, e acho que ele está longe de estar sozinho”, acrescentou ela.
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Para o estudante de fisioterapia e vice-presidente do gabinete da capelania da universidade, Louis Tranié, o efeito “JMJ Lisboa” (referindo-se à Jornada Mundial da Juventude que atraiu centenas de milhares de peregrinos à capital portuguesa em agosto do ano passado) também contribuiu para o fervor em torno dessa reunião semanal.
“Pessoas atraem pessoas; o boca a boca desempenhou um papel importante neste triunfo inesperado, sem falar no fato de que a imersão na escuridão também atrai muitos jovens afastados da Igreja, que não têm mais medo de serem julgados pelos seus vizinhos”, disse Tranié.
“O horário — 22 horas — também é um tempo livre para esses estudantes, que terminaram o dia e geralmente não têm nada planejado para esse horário, evocando um momento ideal para ‘dar algo a Deus e receber algo em troca’ ”, acrescentou o capelão da universidade católica, o padre Charles-Marie Rigail.
Âncora em um mundo em mudança
Colocadas principalmente no coro e no corredor central, de modo que apenas Cristo no crucifixo seja iluminado, as velas servem para ajudar os jovens participantes a elevar o olhar para o Céu num autêntico momento com Deus, sem artifícios mundanos.
“Tudo está centrado na Palavra de Deus, da sua Igreja, que vai muito além daquilo que os homens são capazes de criar, e que faz parte de uma longa história e tradição que remonta há muito tempo, oferecendo uma âncora sólida para todos os que pensam no seu futuro e sentem que vivem num mundo muito mutável, muito líquido e cheio de incertezas”, disse Rigail.
O padre acrescentou com um sorriso que o Instagram e outras redes sociais do mundo, nas quais os jovens passam muito tempo, nunca conseguirão saciar esta sede de pertencer a algo além da moda e dos dispositivos eletrônicos efêmeros.
“É assim que tocamos o coração das pessoas, derrubamos os preconceitos atuais sobre a Igreja e aumentamos a consciência da sua utilidade e relevância, tentando oferecer algo que seja bom e tão correto quanto possível”, disse Rigail.
O jovem capelão destacou ainda que, ao lado da dimensão comunitária inculcada pela multidão, esta escuridão penetrada apenas pela luz das velas constitui uma experiência muito pessoal, condição necessária para a interioridade que a missa promove.
Passando a luz adiante
Para além do triunfo da iniciativa, revelado por números diretamente contrários à tendência geral do país, outros frutos já são visíveis, manifestados pela duplicação do número de novos catecúmenos todos os anos nos últimos quatro anos.
“Faço questão de ficar e conversar com as pessoas depois da missa, e conheço todo tipo de gente, desde católicos praticantes clássicos até ateus confessos, alguns dos quais, comovidos com o que viram, acabam querendo saber mais, enquanto outros os crentes não praticantes decidem avançar em sua jornada de fé”, disse Rigail.
Essa missão evangelizadora é reforçada ao longo do resto da semana pelas diversas atividades promovidas pelos oito jovens membros da capelania e pelos numerosos voluntários que os ajudam.
A missão principal dessa iniciativa, como destacou Rigail, não é, de fato, transformar aqueles que participam dela em “consumidores de bela liturgia”, mas em católicos capazes de serem atuantes na sua própria fé e de exportarem este modelo depois de saírem da universidade.
“Estaríamos perdendo o foco se, ao chegarem às paróquias locais, esses jovens se desanimassem com celebrações muito menos envolventes e decidissem viajar 50 quilômetros para encontrar uma liturgia que lhes convém. Pelo contrário, o nosso objetivo é aumentar o seu apreço pela liturgia, a ponto de os encorajar a arregaçar as mangas e a envolver-se mais nas suas paróquias para realçar a beleza das celebrações e assim reproduzir localmente o ‘pequeno milagre de Lille' ”, concluiu.
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