20 de dezembro de 2024 Doar
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Seminário que forma padres para o rito tradicional em Campos recebe muitas vocações de fora

Seminaristas da Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney | Davi Corrêa / ACI Digital

Tales Araújo de Freitas Lima é, aos 24 anos, seminarista na Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney, em Campos de Goytacazes (RJ). Natural de Ipatinga (MG), desde que conheceu o seminário da Imaculada Conceição buscou uma “vida ordenada, tendo como centro a liturgia e a liturgia específica da Administração Apostólica”.

“O que me atraiu foi toda a sacralidade que há no nosso rito, o sentido de mistério, de sagrado, o sentido de sacrifício de algo transcendente, de divino que acontece ali, bem favorecido pelo rito”, disse.

O seminarista Tales Araújo de Freitas Lima. Davi Corrêa / ACI Digital

Tales Araújo é um das centenas de jovens que anualmente procuram o seminário da administração para serem ordenados sacerdotes.

O reitor do seminário, padre Mateus Mariano Costa, 33 anos de idade e cinco de padre, diz que o seminário da Imaculada Conceição costuma receber “quase 300 e-mails por ano” de pessoas de fora da Administração Apostólica São João Maria Vianney querendo conhecer a instituição. Quando o seminário envia um formulário para ser preenchido, “voltam 150”, disse. “De 150, conseguimos por ano filtrar 10”, disse o reitor.

A Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney foi criada em 2002 pelo papa são João Paulo II, como uma circunscrição eclesiástica de caráter pessoal no território da diocese de Campos (RJ) e tem como característica particular a manutenção da liturgia tradicional anterior à reforma do Concílio Vaticano II, a disciplina e os costumes tradicionais. Seu bispo é dom Fernando Arêas Rifan.

A Administração tem paróquias, associações de fiéis, tribunal eclesiástico, institutos de vida consagrada e seminário próprio, que hoje conta com 31 seminaristas originários da própria Administração Apostólica e também vindos de fora.

Seminário da Imaculada Conceição, da Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney. Davi Corrêa / ACI Digital

A revolução tecnológica é, em parte, a responsável por isso, diz o reitor. “O rapaz que procura coisas sobre a Igreja, o algoritmo já faz chegar coisas da administração. Aí a pessoa vê fotos, vídeos, e se interessa e pergunta”, diz o padre Costa. “A gente chega a muito mais gente do que chegava há dez anos. Isso fez com que crescesse muito”.

O caso de Tales foi assim. Ele contou à ACI Digital que nasceu e cresceu em uma família católica de Ipatinga, a mais de 400 km de distância de Campos dos Goytacazes. Quando criança, foi coroinha e, nessa época, começou a se interessar em “conhecer mais as coisas da liturgia”.  A partir daí, “vim conhecer também a forma tradicional do rito romano”, contou. Através da internet, conheceu a Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney e descobriu que a administração tem um apostolado externo em Belo Horizonte (MG).

O apostolado externo é feito por padres da Administração Apostólica que são enviados a outras cidades, a pedido dos bispos locais, para atender as pessoas que querem frequentar a missa no rito romano antigo. Segundo Tales, “graças a Deus”, esse apostolado, além de permitir que pessoas de fora “conheçam a missa na forma antiga”, também “favorece vocações tanto para as dioceses como para a Administração Apostólica”, como no caso dele.

Tales começou a frequentar o apostolado externo da administração em Belo Horizonte, a cerca de 200 km de sua casa.

Tales contou que desde criança já tinha uma “inclinação à vocação sacerdotal”, mas na infância não pensava em que seminário ia entrar. “Crescendo, vem essa preocupação: onde vou me formar, onde vou passar esse tempo de preparação necessário para ser padre, onde vou adquirir a ciência, o conhecimento necessário para exercer o ministério, qual vai ser o presbitério, a diocese onde vou exercer meu ministério, onde vou ter meu sacerdócio”.

Foi então que, na juventude, depois de conhecer a missa no rito antigo, decidiu entrar para o seminário da Administração Apostólica. “No período de discernimento, eu procurei orientação de um padre de confiança, de um diretor espiritual que pudesse me ajudar. Foi até algo curioso porque, a princípio, ele desconfiou que, como eu era muito jovem, poderia ser uma espécie de sonho. Ele disse que era para aguardar para ver se eu ia ficar firme nessa minha resolução de ingressar aqui mesmo. Com o passar do tempo, graças a Deus, assim quis a providência de Deus, eu fui me firmando nessa decisão de ingressar aqui no nosso seminário”, contou. Hoje, Tales está no sétimo ano de formação no seminário, em Teologia.

Fenômeno também acontece na vida religiosa

Também para a vida religiosa a Administração Apostólica atrai gente. A superiora do Instituto Imaculado Coração de Maria e São Miguel Arcanjo, madre Maria Auxiliadora Lopes de Oliveira, contou à ACI Digital que, como o vocacional é feito online, “tem uma média de 20, 30, 40 [pessoas] que procuram” e costumam entrar para instituto três ou quatro “jovens todos os anos”.

Madre Maria Auxiliadora Lopes de Oliveira. Davi Corrêa / ACI Digital

O Instituto foi fundado em 1976, por um grupo de 13 catequistas de uma paróquia da administração apostólica de Bom Jesus do Itabapoana, cidade de pouco mais de 35 mil habitantes já na divisa com o estado do Espírito Santo. Elas se reuniram para cuidar dos idosos do Abrigo de Idosos José Lima. “Nosso pároco [monsenhor Francisco Apoliano], que fez esse abrigo, na época não conseguiu religiosas para vir tomar conta”, contou a madre Virgínia Alves de Lima, fundadora do Instituto. “Então, nos reunimos e começamos a trabalhar”. Desde o começo, as moças tinham “regulamento, horários, momentos de oração, já querendo viver debaixo do Santíssimo Sacramento”.

O Instituto foi reconhecido em 2008 pela Santa Sé e tem como carisma “viver e propagar a devoção ao Imaculado Coração de Maria”, o que é feito “através das obras de misericórdia corporais e espirituais”, disse madre Virgínia. As irmãs trabalham no Abrigo de Idosos, em escolas e creches.

Para madre Virgínia Alves de Lima, uma de suas maiores alegrias “é ver que outras estão vindo servir a Deus”. “É muito bom ver nossas fileiras se engrossarem”, disse.

Madre Virgínia Alves de Lima, fundadora do Instituto Imaculado Coração de Maria e São Miguel Arcanjo. Davi Corrêa / ACI Digital

Segundo a superiora, madre Maria Auxiliadora, a dificuldade é porque o Instituto está “no interior do Rio e muitas jovens de longe” o procuram. “Como são moças, os pais têm mais dificuldades de deixar vir e tem a dificuldade de chegar aqui”, contou a madre, que sempre pede “que os pais venham para poder conhecer”.

No processo de discernimento, a candidata faz uma experiência de 15 dias no Instituto e depois outra de dois meses. “Depois que ela vem para ingressar e ficar direto. Temos feito esse programa e tem dado muito certo, porque no período de 15 dias e dois meses, conhecemos melhor a jovem e ela também conhece melhor a gente. Às vezes, daí mesmo, sabemos se dá para ela continuar, se orientamos a outro carisma ou até mesmo à vida matrimonial”, disse.

Segundo a madre Auxiliadora, na maioria das vezes, as candidatas buscam o Instituto “não só com o objetivo de servir ao Senhor, mas à procura desse rito [tridentino]”.

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Vocações nascidas na Administração Apostólica

Embora a maioria dos candidatos ao seminário seja de fora da Administração, o reitor, padre Mateus Costa, disse que há um bom número de vocações internas e que é feito um trabalho nas paróquias para incentivá-las.

Em agosto, quando a Igreja no Brasil celebra o mês vocacional, seminaristas do seminário da Imaculada Conceição e religiosas do Instituto Imaculado Coração de Maria e São Miguel Arcanjo se reuniram com crianças e adolescentes da catequese na igreja principal da Administração Apostólica, em Campos, para falar sobre vocação e apresentar as vocações ao sacerdócio e à vida consagrada.

Encontro sobre vocação com crianças e adolescentes da catequese na igreja principal da Administração Apostólica. Davi Corrêa / ACI Digital

“Na Administração Apostólica, não temos a quantidade de jovens para colocar todo ano dez seminaristas aqui”, em comparação à quantidade de jovens de fora da administração, disse. “Este ano, são quatro da administração. No ano que vem, são cindo ou seis. Não conseguimos chegar a dez para equalizar”, disse.

“No caso das nossas vocações aqui de dentro, você vê uma dificuldade que é que nós não temos mais seminário menor”, diz o padre. “O seminário menor, de certa forma, ajudava a segurar mais os rapazes”.

O reitor também vê influência das mudanças sociais. “As famílias têm menos filhos hoje em dia e tendem a segurar mais os filhos”, completou.

O padre Silvano Salvatte Zanon, 44 anos de idade e 18 de sacerdócio, é uma das vocações internas. Ele nasceu e cresceu em uma família, com outros quatro irmãos, que sempre frequentou a missa tradicional, na paróquia Nossa Senhora do Rosário, ainda da diocese de Campos, que tinha como pároco o padre Fernando Arêas Rifan, atual bispo da Administração Apostólica. Foi batizado e recebeu a primeira comunhão com o então padre Fernando Rifan. Foi crismado por dom Antônio de Castro Mayer, então bispo de Campos que decidiu continuar com o rito romano antigo depois da promulgação do Missal de Paulo VI, em 1969.

Padre Silvano Salvatte Zanon. Davi Corrêa / ACI Digital

“Obviamente”, disse, foi “algo muito marcante na minha vida”. “Quando ingressei no seminário, obviamente eu queria ingressar num seminário com a liturgia com a qual eu vivia durante toda a minha vida, habituado a isso, sem nenhuma dificuldade”, contou.

“Mesmo que ainda criança, jovem, não tinha estudado latim, aprendi as respostas da missa, aquilo que sempre fomos instruídos e educados, no sentido do mistério, mesmo aquilo que é oculto muitas vezes ao entendimento da letra, da tradução, mas o sentido de mistério que tudo isso transmitia para nós e sempre nos dava essa segurança que alimentou a piedade, a nossa fé, toda a nossa vida e depois me moveu para o seminário”, disse.

Zanon entrou para o seminário menor, que não existe mais, criança e ficou por um ano. Entrou para o seminário maior, em 1999, pouco antes da criação da Administração Apostólica, em 2002. Foi ordenado padre em 11 de dezembro de 2005, “por dom Fernando, por quem eu fui batizado e fiz primeira comunhão”, disse.

O padre disse ser uma alegria “hoje poder estar aqui já com 18 anos de sacerdote, terceira paróquia. E com a graça de Deus também ordenado no rito tradicional, já com a Administração Apostólica, celebrando esta santa missa”.

A formação sacerdotal

O seminarista Tales Lima disse que, de sua “experiência como vocacionado” no seminário da Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney, entre o que mais lhe chamou atenção estão “o silêncio, o recolhimento grande que a gente tem, a rotina, o horário do seminário”. “Há sempre momentos para todas as coisas e tudo é feito de modo muito ordenado, um bom tempo reservado ao estudo, à oração, aos trabalhos”, disse.

Além disso, considerou “interessante ver como dali da liturgia tradicional – e isso foi muito marcante na minha experiência vocacional – emana toda uma forma de ser Igreja, uma forma de espiritualidade, uma forma de disciplina própria do seminário”.

Segundo o reitor do seminário da Imaculada Conceição, padre Mateus Mariano Costa, o que diferencia o seminário “é justamente a particularidade da Administração Apostólica que tem essa missão na Igreja de conservar e guardar os livros romanos no rito antigo”.

Padre Mateus Mariano Costa, reitor do seminário da Imaculada Conceição. Davi Corrêa / ACI Digital

“Nós usamos os livros litúrgicos na forma antiga e nós também, de certa forma, guardamos alguns costumes, alguns modos de formação que são também uma herança dessa tradição litúrgica”, disse. “Mas nada que fuja dos padrões da Igreja”.

Entre os costumes que guardam, citou o fato de que os seminaristas, “depois de certo período de seminário, terceiro ano, recebem a batina e passam a usar a batina de modo ordinário”.

Há, ainda, “particularidades, como o apreço maior ao silêncio, ao recolhimento, coisas que ajudam, sobretudo, na vida espiritual e na vida de estudos”, disse o reitor.

Quanto à formação, disse o padre Mateus Costa, o seminário da Administração Apostólica segue “o modelo que a Igreja propõe de seminário”. Trabalham a formação espiritual, intelectual, humana e pastoral.

O site oficial do seminário diz: “A formação em nosso Seminário segue, como em todos os seminários da Igreja Católica, as normas estabelecidas na Ratio Fundamentalis Institutionis Sacerdotalis, O Dom da Vocação Presbiteral”, documento publicado em 2016 pela então Congregação(hoje, dicastério)  para o Clero sobre a formação dos seminaristas e padres.  Além disso, diz o site, essa formação e alinhada “com as características próprias de nossa Administração Apostólica”, voltadas para o rito romano antigo.

O reitor disse que buscam “dar ao seminarista o conhecimento integral”. “Nós não selecionamos algumas coisas e dizemos ‘é só isso, vocês não podem olhar para outras coisas’. A gente procura dar uma formação integral. Por exemplo, na Teologia, ensinar a história da Teologia e, dentro da história da Teologia, mostrar aquilo que a própria Igreja vai nos indicando como aquilo que é certo e aquilo que é errado”.

Com isso, procuram “dar ao jovem a capacidade e o discernimento de ver aquilo que é do passado bom e precisamos conservar, mas ao mesmo tempo ver as lacunas que precisamos preencher e, assim, conseguimos chegar ao melhor resultado na formação intelectual”.

Seminaristas da Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney. Davi Corrêa / ACI Digital

Respondendo se os seminaristas da Administração Apostólica recebem alguma formação quanto à missa de Paulo VI, o reitor disse que “não há uma formação específica, mas posso dizer que no conjunto sim, existe uma formação indireta ao rito atual”.

“Nossa relação com a missa no rito atual da Igreja [é quando] nós participamos, quando tomamos parte em evento, por exemplo, vamos participar de algum evento na diocese ou outro seminário. Mas, não temos uma formação própria para celebrar porque o seminarista que vai ser padre da Administração, ele vai ser padre no rito antigo. Ele não vai ser formado para aprender a celebrar o rito novo propriamente, porém, participa naturalmente quando vamos a alguns eventos”, disse.

“Posso dizer que quem celebra a missa no rito antigo consegue celebrar no rito atual, sem nenhuma dificuldade. A formação litúrgica é uma formação universal e que, se aprendermos bem o rito antigo, seremos capazes também de aprender o rito novo”, completou.

Esta matéria faz parte de uma série de reportagens sobre a Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney. A próxima será publicada amanhã, 4 de setembro.

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