26 de outubro de 2024 Doar
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STJ autoriza mãe entregar bebê para adoção sem conhecimento do pai e da família biológica

Fachada do Superior Tribunal de Justiça (STJ) | Shutterstock/Diego Grandi

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) autorizou ontem (24) uma mãe encaminhar seu filho recém-nascido para adoção sem avisar o pai biológico ou parentes que por ventura desejassem ficar com o bebê. Para o STJ, este sigilo é um direito fundamental da mãe biológica, que garantirá “sua segurança e tranquilidade desde o pré-natal até o parto, protegendo o melhor interesse do recém-nascido e assegurando o respeito à vida e à convivência familiar afetiva”.

Para a advogada Marizete Pires da Silva Costa, da União dos Juristas Católicos de Goiás (UNIJUC), que trabalha com adoção, “essa abordagem do STJ para a entrega legal preocupa e surpreende”, pois “ao utilizar o sigilo como elemento de proteção a gestante também em relação ao genitor, fere, sem dúvida o próprio direito protetivo do infante, vez que a família, lugar preferencial de acolhimento do recém-nascido, lhe é negado sumariamente”. 

“Ao afastar a possibilidade do acolhimento do pai ou de algum membro das famílias, materna ou paterna, se nega o direito fundamental de conviver com sua origem”, declarou Pires a ACI Digital. Segundo a advogada, “o argumento arguido pelo ministro, de que, entregando aos cuidados dos parentes pode gerar sofrimento à criança, é mera suposição. Principalmente se o pai deseja criar esse filho. Negar ao pai o exercício da paternidade desejada é de uma crueldade sem limites”.

Ela ressaltou que “a adoção, embora via de amor, não substitui os laços consanguíneos. Por isso, a lei da adoção, tal como escrita, prevê o encaminhamento primeiro à família, e só depois aos demais possíveis adotantes”. “É preciso lembrar que a criança não é propriedade da mãe, para dela dispor da forma como deseja e nem tão pouco pode ser retirada do pai que a deseja”, pontuou.

O caso se trata de uma mulher de Minas Gerais que decidiu entregar seu bebê para adoção depois de atestar que não conseguiria cuidar do filho devido sua condição financeira e que seus parentes também não o teriam. Segundo o relatório social, a mulher disse que sua mãe não cuidou dos próprios filhos e atualmente tem 12 netos. Ela também disse que seus irmãos têm casamentos ruins e condições financeiras complicadas.

Segundo o STJ, com o relato da mulher, o juízo da primeira instância homologou a renúncia da mãe ao seu poder familiar e encaminhou bebê para adoção, visto que ela não queria que seus parentes fossem consultados sobre o interesse em ficar com a criança, preferindo que tudo permanecesse em sigilo. Mas o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) recorreu, alegando que os parentes deveriam ser consultados antes de qualquer decisão da mãe e que a criança também tem o direito de conhecer e conviver com os familiares.

O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) acatou a argumentação do MPMG e determinou que, antes da criança ser encaminhada para adoção, fossem esgotadas todas as possibilidades de sua integração na família biológica. O Tribunal também apelou aos princípios da proteção integral e da prioridade absoluta previstos na Constituição Federal e no ECA, enfatizando que a adoção é uma medida excepcional e irrevogável e só deve ocorrer quando não há possibilidades dentro da família biológica. Depois disso, a Defensoria Pública, em nome da mãe do bebê, recorreu ao STJ declarando que o direito ao sigilo deveria ser estendido a todos os membros da família biológica e ao pai, destacando que, apenas quando não há solicitação de sigilo é que os parentes devem ser consultados sobre a guarda da criança.

Segundo o relator do caso, ministro Moura Ribeiro, a adoção do bebê é possível sem a consulta prévia da família biológica. Ele disse que a Lei 13.509/2017 introduziu no ECA o instituto da "entrega voluntária", previsto no artigo 19-A, que permite que a mãe biológica, antes ou logo depois do parto, opte por entregar judicialmente o filho à adoção, sem exercer os direitos parentais.

O ministro destacou que a “Lei da Adoção” oferece uma alternativa mais segura e humanizada a mãe, além de proteger o recém-nascido e evitar práticas como o aborto clandestino e o abandono irregular de crianças.

“A Lei 13.509/2017 é uma lei que alterou diversas outras, inclusive o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Por meio dela, foi incluído o art. 19-A, que regulamenta a entrega da criança para a adoção antes ou logo depois do nascimento. O cerne dessa norma é prever a intervenção judicial na entrega para a adoção, por meio da Vara da Infância e da Juventude”, explicou o advogado Maurício Colonna, da União dos Juristas Católicos de São Paulo (UJUCASP) a ACI Digital.

Colonna disse que nesta Lei “é previsto a intimação do pai e da família extensa, de forma que a decisão do STJ parece contrariar a literalidade da Lei”. Ele disse que “o objetivo do ECA é manter o vínculo da criança com o pai indicado ou com a família extensa, que devem ser intimados para participar do processo judicial” e que “a própria lei prevê que um prazo de 90 dias (prorrogável por mais 90) para que justiça localize a família extensa”, mas “acontece que o Art. 19-A, §9º, prevê o direito de sigilo em favor da mãe, além dela não ser obrigada a indicar o pai”.

“Isso gera um conflito aparente entre as normas e a necessidade de definir o que deve prevalecer, o sigilo da mãe ou o direito da criança ser criada pela família natural (pais, avós, tios, etc.). Na minha opinião - e respeito às contrárias - deve ser aplicado o princípio do melhor interesse da criança, ou seja, o direito da mãe ao sigilo é menor do que o direito da criança de conviver com a sua família natural. A família extensa e o pai declarado deveriam, sim, ser notificado quanto ao interesse em manter a guarda da criança, inobstante o silêncio da mãe, respeitado o prazo legal de 90 dias prorrogáveis por igual período”.

O relator Moura Ribeiro destacou que a entrega da criança às autoridades e instituições competentes lhe dará a chance de conviver com uma família substituta, e a mãe biológica "terá a liberdade de dispor do filho sem ser prejulgada, discriminada ou responsabilizada na esfera criminal".

Com relação a convivência da criança com a família biológica, o ministro disse que o direito da criança à convivência familiar não entra em conflito com a entrega voluntária para adoção, visto que a mãe optou pelo sigilo do nascimento. Ele também ressaltou que, embora a adoção só deva ocorrer depois de várias tentativas de manter a criança com os parentes, nem sempre é a melhor solução porque muitas vezes, a criança passa por situações de abandono, agressões e abusos no ambiente familiar em que nasceu, sendo necessária uma intervenção imediata para garantir o seu bem-estar.

Ainda sobre a adoção, a advogada Marizete Pires explicou a ACI Digital que ela “é definida em lei” e “é especificamente um complemento do Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) que prevê a adoção como uma via, tanto da aquisição de filhos por quem que era adotar, quanto o acolhimento das crianças que perdem a configuração da família”. Ela disse que, “para o ECA, as crianças que vão ser adotadas são aquelas dos quais se destituiu o poder familiar do pai e da mãe e essa criança não teve outro lar para ser acolhida. Então, para o Estatuto da Criança e do Adolescente, como para a própria Constituição Federal, a adoção é uma via extrema. A via normal é a criança ser criada pelos pais e com a participação da sociedade, da comunidade”.

“Quando uma criança não pode ser cuidada dentro do ambiente familiar, na casa de pai e mãe por algum motivo, ela não pode conviver com eles, ela pode ser retirada para viver com um só. Ou seja, destitui da mãe o poder familiar e transfere para o pai ou vice-versa. Ou quando ambos não podem exercer a guarda e a proteção da criança ela é encaminhada para um parente mais próximo. Primeiro se transfere a guarda e quando se verifica a impossibilidade de a criança ser reconduzida para pai e mãe, o Estado através do juiz, determina a destituição do poder familiar. Então, essa criança que não tem mais nenhum poder familiar vigente, ela fica disponível para adoção, o Estado vai tutelar o seu direito. É muito comum, você vai perceber isso nos abrigos onde tem crianças que já tiveram o poder familiar destituído e crianças que não tiveram poder familiar destituído ainda”, relatou.

Sobre este recente caso, a jurista disse que este bebê recém-nascido “foi encaminhado para adoção pura e simplesmente” e explicou que “essa modalidade é nova”, mas “foi introduzida no nosso alinhamento jurídico já em relação à adoção muito recente e, ela possibilita que essa mãe que está grávida e não pretende criar esse filho por algum motivo, ela não o deseja, ela encaminha essa criança para adoção”.

“Isso é muito comum naquelas mulheres que foram vítimas de violência sexual ou que tiveram algum trauma e não podem cuidar dessa criança ou não tem nenhum familiar que ela possa transferir a guarda para que essa criança seja acolhida. É uma possibilidade muito boa sobretudo nos casos de estupro que gera a gravidez, que é uma gravidez muito problemática e que essa mulher não pretende ter esse filho e não recorre, graças a Deus, ao aborto”.

Para Marizete, o STJ está “criando um precedente muito perigoso”, “o precedente de que a mãe é a única responsável pela criança”.

“Isso traz consequências diretas e indiretas. A direta: o pai hoje, ele não consegue brigar pela criança gestada, que é um grande problema. Nós enfrentamos cotidianamente o pai tentando salvar a vida do filho e a mãe tentando abortar com a conivência do poder público. Então, é como se a criança dentro da mãe fosse pertença dela. Essa decisão dos magistrados trouxe uma outra vertente que é a mãe sendo a única responsável pela criança também depois que a criança nasce. Então veja, se eles já tiraram do pai o direito de exercer a paternidade na gestação, então para mãe o direito inclusive para fazer o aborto, sem que o pai possa nada a fazer, agora, eles inovaram e estão tirando a guarda da criança nascida e isso é muito grave”.

Sobre a “Lei da adoção”, a advogada disse que esta norma “vale para todos e ela tem regras definidas em lei e das regras definidas não está esta decisão do Tribunal”. Segundo ela, “esse caso trazido agora nesse momento é uma exceção”, “porque a criança só poderá ser entregue para adoção de estranhos”. “E aqui, é especificamente isso que eles fazem, eles retiraram da família da mãe e do pai o direito de ter a criança e também do pai. Então essa exclusão da família preocupa demais. Porque a família passa a não ser mais tutora dessa criança e isso é muito preocupante”. Ela também contou que “a entrega legal é uma modalidade que foi criada para as grávidas e está sendo estendida agora para outras mães que têm até um ano para entregar essa criança”.

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