14 de dezembro de 2024 Doar
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Aborto, ideologia de gênero e migração: Qual será o impacto de Trump na América Latina?

Donald Trump faz discurso de campanha na Arena Santander em Reading, Pensilvânia, EUA. | Anna Moneymaker / Shutterstock

A eleição de Donald Trump como 47º presidente dos EUA terá repercussão na América Latina em questões como a defesa da vida, o aborto, a ideologia de gênero e a migração nos países latino-americanos.

Um impacto “enorme” e “positivo” na vida e nas questões familiares

Embora o acesso ao aborto e as políticas baseadas na ideologia de gênero pareçam estar em expansão na legislação de vários países da região, um governo Donald Trump poderia ajudar a mudar a maré, segundo analistas consultados pela ACI Prensa, agência em espanhol do grupo ACI.

Para Neydy Casillas, jurista e vice-presidente de assuntos internacionais do Global Center for Human Rights (Centro Global para os Direitos Humanos), com sede em Washington D.C., EUA, “o impacto é enorme”.

“Trump, entre as suas primeiras mensagens, já disse questões muito importantes como, por exemplo, que vai proibir cirurgias ou mal denominadas terapias de afirmação de gênero que na realidade são mutilações de crianças, e até perseguir os médicos que queriam fazer essas cirurgias”, disse ela.

Casillas disse também ser possível esperar que Trump apoie políticas que restringem o financiamento do aborto “em outros países”, ao respeitar as leis locais.

“Nos últimos anos, com o governo de [Joe] Biden e [Kamala] Harris, tivemos uma enorme pressão nas organizações internacionais e também nos países para promover estas políticas”, especialmente dos EUA, “que é o vizinho com maior poder na região”.

Para Marcial Padilla, diretor da plataforma conservadora mexicana ConParticipación, “a mudança de governo nos EUA será positiva para a América Latina, e também para a África, em questões relacionadas com a política externa norte-americana em questões da agenda social, como o aborto e a ideologia de gênero”.

Com o novo governo, disse Padilla à ACI Prensa, “a sufocante pressão ideológica do governo Biden-Harris para impor tanto o aborto como a ideologia de gênero na América Latina e na África vai desaparecer”.

“Se acrescentarmos a isso que o novo governo provavelmente será amigável na sua política externa com linhas pró-família e relacionadas com valores fundamentais, certamente poderíamos ter um período de parar de sentir hostilidade e pressão; e talvez até pudéssemos encontrar apoio de fundos norte-americanos para promover políticas a favor da família”, disse Padilla.

Gildardo López, professor da Escola de Governo e Economia da Universidade Panamericana, na Cidade do México, concorda com isso e diz que os que apoiaram “financeira e politicamente” a campanha do presidente eleito dos EUA poderiam em sua administração apoiar iniciativas pró-vida e pró-família “no resto da América Latina”.

“Assim como há uma agenda (...) do Foro de São Paulo… há também uma agenda de corte no espectro político conservador”, disse López, ao falar sobre o grupo internacional surgido no Brasil que reúne grupos políticos de esquerda na América Latina.

Embora existam vários países latino-americanos governados por políticos de esquerda, nos quais questões como o aborto e a ideologia de gênero continuam a “avançar”, disse López, a vitória eleitoral de Trump pode ser “inspiração” para plataformas politicamente mais conservadoras.

Alfonso Aguilar, diretor de extensão hispânica do grupo de defesa conservador American Principles Project (Projeto Princípios Americanos), com sede em Arlington, Virgínia, EUA, disse que “Trump vai respeitar a soberania dos países nas questões que são internas”.

“A nova administração vai deixar de promover o aborto e a ideologia de gênero em todo o mundo e através de organizações multilaterais, como fez o presidente Biden”, disse Aguilar.

Emili J. Blasco, diretor do centro de assuntos globais e estudos estratégicos da Universidade de Navarra, disse à ACI Prensa que “especificamente em relação ao aborto na campanha eleitoral, Trump não causou nenhum impacto especial. Uma vez, em seu primeiro mandato, houve nomeações para a Suprema Corte e isso levou a que a Suprema Corte decidisse deixar a questão para os Estados”.

“Trump dá a impressão de que não parece que vai mudar nada a nível federal ou pressionar a Casa Branca”, disse Blasco. “Outra coisa é que a onda mais conservadora que o levou ao poder será novamente para a Casa Branca, que passou para a maioria no Senado e também no Congresso dos Representantes, suponhamos que essas maiorias passem para os Estados”.

Sobre a ideologia de gênero, para Blasco parece claro que qualquer iniciativa legislativa que possa ter surgido “não vai avançar mais e poderia talvez eliminar alguma decisão que foi tomada a nível federal, dada a maioria que o Partido Republicano tem agora as duas câmaras [do governo dos EUA]”.

“Quanto ao seu impacto na América Latina, vejo pouco, porque Trump não tem um interesse especial na região”, disse Blasco, embora diga que “a sua relação com certos presidentes pode torná-los mais populares ou fazê-los ganhar um pouco mais de influência e esses presidentes, nos seus países ou na região, podem promover decisões contrárias ao aborto ou à ideologia de gênero”.

Trump e os migrantes

Segundo estatísticas da Alfândega e Proteção de Fronteiras dos EUA (CBP, na sigla em inglês), entre outubro do ano passado e setembro deste ano, foram registrados mais de 2,1 milhões de encontros das autoridades com migrantes sem documentação na fronteira dos EUA com o México.

Mais de 1,2 milhão de migrantes eram adultos viajando sozinhos, enquanto 804.456 eram pessoas que cruzaram a fronteira em grupos de famílias. Quase 110 mil dos migrantes encontrados pelas autoridades eram menores desacompanhados.

Para Casillas, a questão da migração é “principal” e “muito sensível, porque estamos falando de pessoas e é sempre uma questão muito complexa para ambos os partidos” que tradicionalmente disputam eleições nos EUA: o Partido Democrata e o Partido Republicano.

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Embora os democratas, disse Casillas, “tenham tido como bandeira a defesa dos imigrantes”, isso é “uma grande mentira, porque na época de [Barack] Obama, por exemplo, eles tiveram a oportunidade de aprovar uma legislação na qual pudessem regulamentar a questão da migração e não fizeram isso”.

“Temos que compreender”, disse Casillas, que os americanos “têm o direito, como qualquer um dos nossos países, de defender as suas fronteiras e que nenhum país é obrigado a receber absolutamente todas as pessoas, muito menos quando essas pessoas passaram por vias ilegais”.

O que o governo Trump vai buscar, disse Casillas, é que imigrantes entrem nos EUA “legalmente”, ao seguir regulamentos, que contemplam casos de asilados e refugiados.

Marcial Padilla disse que a eleição de Trump também mostra um “grande descontentamento” entre os americanos “devido à negligência com que a administração Biden-Harris” abordou o problema da imigração.

“O mais provável é que haja, em primeiro lugar, maior ordem e controle na forma como as pessoas não só entram nos EUA, mas também ingressam em seu setor produtivo”, disse Padilla.

No entanto, Padilla disse achar que “os países latino-americanos deveriam pedir e quase exigir que os EUA, se têm a economia dominante no mundo e não gostam da existência de uma migração desordenada, também contribuam para melhores condições de comércio internacional, tornando desnecessária a migração em massa para os EUA”.

Aguilar disse que “a política do governo Trump vai buscar desencorajar a migração em massa não regulamentada que coloca em risco a segurança dos próprios migrantes que tentam vir para os EUA”.

“Trump vai continuar com políticas generosas de imigração legal, mas vai fechar a porta à ilegalidade”, disse Aguillar.

Gildardo López disse que a região “deve preparar-se para um ambiente mais hostil para com os migrantes”, devido às mensagens de Trump sobre possíveis medidas punitivas, especialmente para o México, como país de passagem de muitos migrantes que vêm de outros países da América Latina e do mundo.

Eventuais deportações em massa de migrantes sem documentação poderiam ser “um terreno fértil para uma convulsão social” em seus países de origem.

Sobre isso, Blasco diz que “Trump fez muitos progressos na campanha relacionada às medidas anti-imigração e vai executá-las”.

“Não sei quão eficazes serão, porque também no primeiro mandato [ele promoveu] a questão do muro, no final o muro também não avançou muito, embora houvesse políticas claramente anti-imigração”.

O medo é compreensível, disse Blasco, “em grupos humanos ou pessoas da Venezuela que continuam a querer deixar o país; países como o Haiti, que não veem outra oportunidade na vida senão deixar o Haiti e, portanto, ir para os EUA; ou na América Central; e não importa o que Trump diga, ou quaisquer políticas que existam, eles vão continuar a tentar entrar ilegalmente nos EUA”.

“Essas pessoas, bem, sim, é lógico que temem que a porta seja fechada, ou não possam entrar, ou se entrarem, serão detidas”.

Uma tendência política que se espalha pela América Latina?

Casillas diz que a eleição de Trump, com uma tendência que parece repetir-se “com outros presidentes que existem hoje na região”, poderá levar ao surgimento de “partidos mais congruentes” na América Latina.

“As pessoas querem definição” e que os políticos “deixem todas essas agendas que nada têm a ver com as principais necessidades que as pessoas enfrentam”.

“Ficou demonstrado, especialmente com essa eleição de Trump e mesmo com a de [Javier] Milei (na Argentina), que as pessoas não querem esse plano socialista em que as crianças são tiradas dos pais, em que o aborto é imposto sem restrições, em que a ideologia de gênero é promovida a torto e a direito”.

A opinião de Aguilar vai nessa mesma direção: “Acredito que Trump já inspirou muitos líderes na região e vai continuar a fazer isso”.

“Trump vai continuar a dar apoio público aos líderes conservadores da região e esse apoio terá ainda mais impacto agora que ele é presidente”, disse Aguillar.

Padilla, no entanto, está cético quanto à possibilidade da eleição de Trump favorecer grupos políticos simpatizantes na região.

“Não se pode garantir ou assegurar que o resultado dos EUA será replicado em outras realidades geográficas, porque no final os eleitores terão diferentes fatores de decisão que devem ser adaptados às suas realidades nacionais”, disse Padilla.

Respondendo se acredita que a vitória de Trump pode inspirar outros políticos com perfis semelhantes na América Latina, Blasco disse: “Acho que sim. Talvez não de uma forma muito forte, mas, por um lado, encoraja as pessoas que são contra a ideologia de gênero, por exemplo, a verem que há alguém em outro país que se levanta com essa voz”.

Na América Latina, disse Blasco, pode haver “líderes ou políticos que estão convencidos ou não, mas podem perceber que há uma parte do eleitorado que realmente pensa assim, que é um eleitorado órfão, e que, por influenciar essas posições, esses líderes podem acreditar que podem ganhar eleições ou podem promover o apoio eleitoral. E isso pode se espalhar um pouco ou empurrar uma, digamos, uma pequena onda, talvez, em direção a posições desse tipo”.

Políticos latino-americanos que simpatizam com Trump

Políticos simpatizantes de Trump na região, como o presidente de El Salvador, Nayib Bukele; o presidente da Argentina, Javier Milei; e o ex-presidente do Brasil, Jair Bolsonaro; já fizeram gestos de aproximação com o presidente eleito dos EUA, que vai assumir o governo do país em 20 de janeiro do ano que vem.

Bukele disse em publicação na rede social X em 7 de novembro que falou com Trump por telefone e o parabenizou “por sua vitória contundente”.

O presidente de El Salvador disse que os dois falaram “sobre o forte mandato que recebeu do povo americano e a importância que a sua eleição tem para o mundo”.

Segundo a agência de notícias espanhola EFE , Bolsonaro – atualmente impedido de ocupar cargos públicos por decisão judicial do Supremo Tribunal Federal (STF) – comemorou a vitória eleitoral de Trump, o que, somado às vitórias de Milei e municipais da centro-direita no Brasil, significaria que, como disse, “o todo mundo está virando para a direita”.

“Estão fartos da agenda ‘woke’, estão fartos da questão da diversidade. “Eles estão cansados ​​de ver os valores familiares sendo atacados”, disse Bolsonaro.

Depois de falar sobre sua “excelente relação” com Trump, Bolsonaro disse querer voltar à presidência depois de perder as eleições de 2022 para o atual presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva.

“Eles sabem que se eu for candidato vencerei em 2026”, disse Bolsonaro.

Manuel Adorni, porta-voz presidencial de Milei, expressou felicitações do seu governo a Trump em 6 de novembro, ao chamá-lo de “um expoente do mundo ocidental livre e capitalista”.

“A sua liderança encontrará o apoio incondicional do nosso país para defender a vida, a liberdade e a propriedade”, disse Adorni.

Em 12 de novembro, Adorni escreveu na rede social X: “O Presidente da Nação Javier Milei conversou por telefone com o Presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump”.

Minutos depois, em outra publicação, Adorni escreveu: “Donald Trump ao presidente Javier Milei: 'Você é meu presidente favorito' ”.

Milei chegou na última quinta-feira (14) aos EUA para encontrar-se com Trump em sua residência em Mar-a-Lago, em Palm Beach, Flórida. Ele foi o primeiro presidente do mundo a fazer isso.

No jantar daquela noite, oferecido pelo grupo America First Policy Institute, Milei parabenizou Trump “pelo maior retorno político da história, desafiando todo o establishment político, colocando até mesmo a sua própria vida em risco”.

Foi “um verdadeiro milagre e uma prova confiável de que as forças do céu estão do nosso lado”, disse Milei.

Trump agradeceu então a Milei pelas suas palavras e felicitou-o por ter feito “um trabalho fantástico num período de tempo muito curto” e disse que o presidente argentino “é uma pessoa MAGA”, ao citar a sigla para Make America Great Again (Torne a América Grande Novamente, em inglês), lema do presidente eleito dos EUA.

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