Entrevista e Declaração
conjunta do Papa PauloVI
e o Patriarca de Constantinopla Atenágoras I
Jerusalém
- entrevista de 5 de janeiro de 1964
O Patriarca começa a entrevista em Inglês.
O Papa diz: entendo o
inglês mas não o falo fluente
Athenágoras: Então
falemos francês.
PauloVI: Assim será
mais fácil para mim.... quero lhe comunicar toda
minha alegria, minha emoção. Verdadeiramente
penso que é um momento em que vivemos em presença
de Deus.
A: Em presença
de Deus, repito-o
P: E não tenho
outro pensamento que o de falar com Deus enquanto falo com
o senhor. Estou muito bem, sua Santidade.
A:.... profundamente emocionado.
As lágrimas vêm aos olhos.
P: E como é verdadeiramente
um momento de Deus, devemos vivê-lo com toda a intensidade,
toda a verdade, todo o desejo de seguir adiante (Athenágoras:
.... pelos caminhos de Deus).
P: Tem sua Santidade alguma
idéia, algum desejo, ao qual eu pudesse corresponder?
A: Temos o mesmo desejo....
P: Pois é, nós
somos dois caminhos que possivelmente vão encontrar-se.
A: Temos o mesmo desejo.
Assim que eu li nos jornais que o senhor tinha decidido
visitar este país, imediatamente pensei que nos encontrássemos
aqui e estava seguro que receberia, de sua Santidade a resposta....
(PauloVI: afirmativa) afirmativa, já que confio em
sua Santidade. Eu o vejo, eu o vejo, sem querer adulá-lo,
nos Atos dos apóstolos, eu o vejo nas Cartas de São
Paulo, de quem o senhor toma o nome, eu o vejo aqui, sim,
eu o vejo.
P: Falo-lhe como irmão:
saiba que tenho a mesma confiança no senhor. Penso
que a Providência escolheu o senhor para continuar
esta história
A: Eu penso que a Providência
escolheu o senhor para abrir o caminho de seu predecessor.
P: A Providência
nos escolheu para que nos entendêssemos.
A: Os séculos o
esperavam, para este dia, este grande dia... que alegria...
nesta pequena peça. Que alegria havia no Sepulcro,
que alegria havia no Gólgota, que alegria no caminho
que o senhor fez ontem. [a Via sacra]
P: Estou de tal maneira
transbordante de impressões que fará falta
muito tempo para deixar que se acalmem (sorriso) e interpretar
toda esta riqueza de emoções que tenho em
meu espírito. Mas quero aproveitar este momento para
lhe expressar a lealdade absoluta com a qual sempre tratarei
com o senhor.
A: Digo o mesmo.
P: Nunca lhe ocultarei
a verdade
A: Sempre terei confiança.
P: Não tenho nenhum
desejo de decepcioná-lo, de abusar de sua boa vontade.
Não desejo outra coisa que seguir o caminho de Deus.
A: Tenho uma confiança
absoluta em Sua Santidade. Absoluta, absoluta. Sempre terei
confiança, sempre estarei de seu lado.
P: Para não faltar
a merecê-la, agora saiba Sua Santidade que rezarei
todos os dias por Ela e pelas intenções que
temos em comum pelo bem da Igreja.
A: Dado que temos este
grande momento, estaremos juntos. Caminharemos juntos....
Ver sua Santidade, a sua Grande Santidade enviada por Deus,
sim, o Papa de grande coração. O senhor sabe
como o chamo? megalo-kardos, o Papa de grande coração.
P: Nós somos pequenos
instrumentos
A: É necessário
ver as coisas assim.
P: quanto menores somos,
somos melhores instrumentos, quer dizer que a ação
de Deus deve prevalecer (Athenágoras: prevalecer)
e ser a proprietária de todas nossas ações.
Pela minha parte, vivo na docilidade, no desejo de ser o
mais obediente à vontade de Deus, e de ser para o
senhor, Santidade, para seus irmãos, para seu meio,
o mais pormenorizado possível.
A: Acredito, sem pedi-lo,
acredito.
P: Eu sie que é
difícil, eu sei que há dificuldades, que há
uma psicologia mas sei também.... (Athenágoras:
por ambos os lados), que há uma grande retidão
e o desejo de amar a Deus, de servir à causa de Jesus
Cristo. É sobre isto que eu tenho confiança.
A: Nisto tenho confiança,
junto, juntos....
P: Não sei se for
o momento, mas vejo o que faria falta, quer dizer estudar
(Athenágoras: estudar) juntos ou designar alguém.
A: Sim, de ambos os lados.
P: Eu gostaria de conhecer
qual é a idéia de sua Santidade, de sua Igreja
sobre a constituição da Igreja. É o
primeiro passo.
A: Seguiremos suas opiniões.
P: Direi-lhe o que acredito,
que é o exato, o que deriva do Evangelho e da vontade
de Deus e da autêntica tradição. Direi-lhe.
Se houver pontos que não coincidem com sua idéia
da constituição da Igreja....
A: O mesmo da minha parte.
P: Discutiremos, procuraremos
encontrar a verdade.
A: O mesmo de nossa parte
e estou seguro que sempre estaremos juntos.
P: Eu espero, eu penso,
que possivelmente será mais fácil que do que
nós pensamos. Há 2 ou 3 pontos de doutrina
nos que evoluímos já, que se progrediu em
seu estudo e que quereria explicar - a seu critério
se lhe parecer - aos seus teólogos o porquê
disto, sem pôr nisto nada de artificial nem acidental
mas o que acreditamos, é o pensamento autêntico
(Athenágoras: no amor de Jesus Cristo). E outra coisa
que parece secundária mas que tem sua importância:
tudo o referente à disciplina, as honras, as prerrogativas,
estou bem disposto a escutar o que Sua Santidade acreditar
ser o melhor.
A: O mesmo da minha parte
P: Nenhuma questão
de prestígio, de primazia que não seja a que
foi fixada por Cristo; mas no que diz a honras, privilégios,
nada disso. Vejamos o que Cristo nos pede e que cada um
tome sua posição mas não com parâmetros
humanos de prioridade, de elogios, de vantagens, mas sim
de serviço.
A: Como o senhor me é
querido no mais profundo de meu coração....!
Declaração Conjunta
7 de dezembro de 1965
A declaração conjunta do S. S. Paulo VI e
do S. B. o patriarca Atenágoras I foi lida em francês
na sessão pública conciliar de 7 de dezembro
e ao mesmo tempo em El Fanar do Patriarcado de Constantinopla.
Cheios de agradecimento para Deus pela graça que,
em sua misericórdia lhes outorgou de encontrar-se
fraternalmente nos sagrados lugares nos que, pela morte
e a ressurreição de Cristo, consumou-se o
mistério de nossa salvação e pela efusão
do Espírito Santo, nasceu a Igreja, o Papa Paulo
VI e o patriarca Atenágoras I, não esqueceram
o projeto que cada um por sua parte concebeu naquela ocasião
de não omitir em adiante, gesto algum dos que inspira
a caridade e que sejam capazes de facilitar o desenvolvimento
das relações fraternais entre a Igreja católica
romana e a Igreja ortodoxa de Constantinopla, inauguradas
nessa ocasião. Estão persuadidos de que desta
forma respondem à chamada da graça divina
que move hoje à Igreja católica romana e à
Igreja ortodoxa e a todos os cristãos a superar suas
diferenças a fim de ser de novo "um" como
o Senhor Jesus o pediu para eles a seu Pai. Entre os obstáculos
que entorpecem o desenvolvimento destas relações
fraternais de confiança e estima figura a lembrança
das decisões, atos e incidentes penosos que desembocaram
em 1054, na sentença de excomunhão pronunciada
contra o patriarca Miguel Cerulário e outras duas
personalidades pelos legados da sede romana, presididos
pelo cardeal Humberto, legados que foram a sua vez objeto
de uma sentença análoga por parte do patriarca
e o sínodo constantinopolitano.
Não se pode fazer que estes acontecimentos não
tenham sido o que foram neste período particularmente
agitado da história. Mas hoje, quando se emitiu sobre
eles um juizo mais sereno e justo, é importante reconhecer
os excessos com que foram escurecidos e que deram lugar
ulteriormente a conseqüências que, na medida
em que nos é possível julgar disso, superaram
as intenções e previsões de seus autores,
cujas censuras se referiam às pessoas em questão
e não às Igrejas e não pretendiam quebrar
a comunhão eclesiástica entre as sedes de
Roma e Constantinopla.
Por isso, o Papa Paulo VI e o patriarca Atenágoras
I e seu Sínodo, seguros de expressar o desejo comum
de justiça e o sentimento unânime de caridade
de seus fiéis e recordando o preceito do Senhor:
"Quando apresentes a sua oferenda no altar e ali te
lembrares de que teu irmão tem alguma queixa contra
ti, deixa tua oferta ante o altar e vê primeiro a
te reconciliar com teu irmão" (MT. 5, 23-24),
declaram de comum acordo:
a) Lamentar as palavras ofensivas, as recriminações
sem fundamento e os gestos imperdoáveis que de uma
e outra parte caracterizaram a acompanharam os tristes acontecimentos
daquela época.
b) Lamentar igualmente e apagar da memória e da
Igreja as sentenças de excomunhão que lhes
seguiram e cuja lembrança atua até nossos
dias como um obstáculo à aproximação
na caridade as relegando ao esquecimento.
c) Deplorar, finalmente, os lamentáveis precedentes
e os acontecimentos ulteriores que, sob a influência
de diferentes fatores, entre os quais contaram a incompreensão
e a desconfiança mútua, levaram finalmente
à ruptura efetiva da comunhão eclesiástica.
O Papa Paulo VI e o patriarca Atenágoras I com seu
Sínodo são conscientes de que este gesto de
justiça e perdão recíproco não
pode bastar para pôr fim às diferenças
antigas ou mais recentes que subsistem entre a Igreja católica
romana e a Igreja ortodoxa de Constantinopla e que, pela
ação do Espírito Santo, serão
superadas graças à purificação
dos corações, ao fato de deplorar os enganos
históricos e uma vontade eficaz de chegar a uma inteligência
e uma expressão comum da fé apostólica
e de suas exigências.
Entretanto, ao realizar este gesto, esperam seja grato
a Deus, prestes a nos perdoar quando nos perdoamos os uns
aos outros e esperam igualmente que seja apreciado por todo
o mundo cristão, mas sobre tudo pelo conjunto da
Igreja católica romana e a Igreja ortodoxa, como
a expressão de uma sincera vontade comum de reconciliação
e como um convite a prosseguir com espírito de confiança,
de estima e de caridade mútuas, o diálogo
que não leve com a ajuda de Deus a viver de novo
para o maior bem das almas e o advento do Reino de Deus,
na plena comunhão de fé, de concórdia
fraterna e de vida sacramental que existiu entre elas com
o passar do primeiro milênio da vida da Igreja.