1. Com a Liturgia da Quarta-Feira de Cinzas, inicia hoje o itinerário quaresmal, que culminará no evento central do ano litúrgico, o Tríduo pascal celebrativo da paixão, morte e ressurreição de Cristo.
Jesus passou quarenta dias no deserto antes de empreender a Sua missão; do mesmo modo, nós somos convidados, neste dia, a entrar num tempo forte de reflexão e de oração para caminharmos rumo ao Calvário e experimentarmos depois a alegria da ressurreição. O exórdio deste singular período penitencial é constituído por um gesto simbólico e significativo: a imposição das cinzas. Ao recordar-nos a caducidade da vida terrena, ele evoca a necessidade de um generoso empenho ascético, do qual brote a decisão corajosa de cumprir não a própria vontade, mas a vontade do Pai celeste, segundo o exemplo de Jesus.
A imposição das cinzas evidencia, além disso, a nossa condição de criaturas, em total e reconhecida dependência do Criador. Com efeito, foi Deus que com um surpreendente acto de predilecção e misericórdia tirou o homem do pó, dotando-o de uma alma imortal e chamando-o a compartilhar a Sua vida divina. Será ainda Deus que, no último dia, o fará ressurgir do pó e lhe transfigurará o corpo mortal.
2. O acto humilde de receber as sagradas cinzas sobre a cabeça, corroborado pelo convite que hoje ressoa na Liturgia: «Convertei-vos e acreditai no Evangelho», contrapõe-se ao gesto soberbo de Adão e Eva, que com a sua desobediência destruíram a relação de amizade que existia com Deus Criador. Em virtude desse drama inicial, não obstante o Baptismo, todos nós estamos expostos ao perigo de ceder à recorrente tentação, que impele o ser humano a viver em arrogante autonomia de Deus e em perene antagonismo com o próximo.
Eis então que se desvendam o significado e a necessidade do tempo quaresmal que, com o apelo à conversão nos conduz, através da oração, da penitência e de gestos de solidariedade fraterna, a reacender ou revigorar na fé a amizade com Jesus, a libertar-nos das ilusórias promessas de felicidade terrena, a sentir de novo a harmonia da vida interior na autêntica caridade de Cristo.
3. Faço meu quanto São Leão Magno afirmava num dos seus discursos sobre a Quaresma: «As obras de virtude não existem sem a prova das tentações; não há fé sem contrastes; não há luta sem inimigo; não há vitória sem combate. Esta nossa vida transcorre entre insídias e lutas. Se não quisermos ser enganados, devemos vigiar; se quisermos vencer, devemos combater» (Sermão XXXIX, 3).
Caríssimos Irmãos e Irmãs, acolhamos este convite. Ele exige uma disciplina árdua, especialmente no actual contexto social, com frequência marcado pelo fácil desempenho e pelo ateísmo prático. O Espírito Santo conforta-nos e sustém-nos nesta luta. Ele «vem em ajuda da nossa fraqueza — como assegura o apóstolo Paulo — pois não sabemos o que devemos pedir em nossas orações, mas é o próprio Espírito que intercede por nós com gemidos inefáveis» (Rm 8, 26).
E precisamente ao Espírito Santo é dedicado este segundo ano de imediata preparação para o Grande Jubileu do Ano 2000. Eu escrevia na Carta Apostólica Tertio millennio adveniente: «Será, por isso, importante redescobrir o Espírito como Aquele que constrói o Reino de Deus no curso da história e prepara a sua plena manifestação em Jesus Cristo, animando os homens no mais íntimo deles mesmos e fazendo germinar dentro da existência humana os gérmens da salvação definitiva que acontecerá no fim dos tempos» (n. 45).
4. Deixemo-nos, pois, guiar pelo Espírito Santo durante este tempo privilegiado: é o próprio Espírito que, em vista de preparar Jesus para a Sua missão, O conduziu ao deserto da tentação e O confortou depois na hora da prova, acompanhando-O desde o jardim das oliveiras até ao Gólgota. O Espírito Santo está ao nosso lado mediante a graça dos sacramentos. Em particular, no sacramento da Reconciliação Ele conduz-nos, ao longo da via do arrependimento e da confissão das culpas, entre os braços misericordiosos do Pai.
Faço votos de coração por que a Quaresma seja para cada cristão uma ocasião propícia para este caminho de conversão, que tem a sua fundamental e irrenunciável referência no sacramento da Penitência. É esta a condição para chegar a uma experiência mais íntima e profunda do amor do Pai.
Que ao longo do itinerário quaresmal nos acompanhe Maria, exemplo de dócil acolhimento do Espírito de Deus. A Ela nos dirigimos neste dia, no momento em que, juntamente com os crentes do mundo inteiro, entramos no clima austero e penitencial da Quaresma.
Quarta-feira 25 de Fevereiro de 1998