Homilia de Sua Santidades Bento XVI
Praça de São Pedro
Domingo, 1 de Abril de 2007
Queridos irmãos e irmãs!
Na procissão do Domingo de Ramos associamo-nos à multidão dos discípulos que, em festa jubilosa, acompanham o Senhor na sua entrada em Jerusalém. Como eles louvamos o Senhor em coro por todos os prodígios que vimos. Sim, também nós vimos e ainda vemos os prodígios de Cristo: como Ele leva homens e mulheres a renunciar aos confortos da própria vida e a colocar-se totalmente ao serviço dos que sofrem; como Ele dá coragem a homens e mulheres de se oporem à violência e à mentira, para dar lugar no mundo à verdade; como Ele, no segredo, induz homens e mulheres a fazer o bem ao próximo, a suscitar a reconciliação onde havia o ódio, a criar a paz onde reinava a inimizade.
A procissão é antes de tudo um testemunho jubiloso que prestamos a Jesus Cristo, no qual se tornou visível para nós o Rosto de Deus e graças ao qual o coração de Deus está aberto a todos nós. No Evangelho de Lucas a narração do início do cortejo nas proximidades de Jerusalém é composta em parte literalmente segundo o modelo do rito da coroação com o qual, segundo o Primeiro Livro dos Reis, Salomão foi revestido como herdeiro da realeza de David (cf. 1 Rs 1, 33-35). Assim a procissão dos Ramos é também uma procissão de Cristo Rei: nós professamos a realeza de Jesus Cristo, reconhecemos Jesus como o Filho de David, o verdadeiro Salomão o Rei da paz e da justiça. Reconhecê-l'O como Rei significa: aceitá-l'O como Aquele que nos indica o caminho, no qual temos confiança e que seguimos. Significa aceitar dia após dia a sua palavra como critério válido para a nossa vida. Significa ver n'Ele a autoridade à qual nos submetemos. Submetemo-nos a Ele, porque a sua autoridade é a autoridade da verdade.
A procissão dos Ramos é como aquela vez para os discípulos antes de tudo expressão de alegria, porque podemos conhecer Jesus, porque Ele nos concede ser seus amigos e porque nos deu a chave da vida. Esta alegria, que está no início, é contudo também expressão do nosso "sim" a Jesus e da nossa disponibilidade a ir com Ele aonde quer que nos leve. A exortação que estava hoje no início da nossa liturgia interpreta portanto justamente a procissão também como representação simbólica do que chamamos "seguimento de Cristo": "Pedimos a graça de o seguir", dissemos. A expressão "seguimento de Cristo" é uma descrição de toda a existência cristã em geral. Em que consiste? O que significa concretamente "seguir Cristo?".
No início, com os primeiros discípulos, o sentido era muito simples e imediato: significava que estas pessoas tinham decidido abandonar a sua profissão, os seus negócios, toda a sua vida para andar com Jesus. Significava empreender uma nova profissão: a de discípulos. O conteúdo fundamental desta profissão era andar com o mestre, confiar-se totalmente à sua guia. Assim, o seguimento era uma coisa exterior e, ao mesmo tempo, muito interior. O aspecto exterior era o caminhar atrás de Jesus nas suas peregrinações através da Palestina; o interior era a nova orientação da existência, que já não tinha o seu ponto de referência nos negócios, na profissão que dava de que viver, na vontade pessoal, mas que se abandonava totalmente à vontade do Outro. Estar à sua disposição já se tinha tornado a razão de vida. A que renúncia do que era próprio isto obrigasse, que dissuasão de si mesmos, podemos reconhecê-lo de modo bastante claro em algumas cenas dos Evangelhos.
Mas evidencia-se com isto o que significa para nós o seguimento e qual é a sua verdadeira essência para nós: trata-se de uma mudança interior da existência. Exige que eu deixe de me fechar no meu eu, considerando a minha auto-realização a razão principal da minha vida. Exige que eu me dedique livremente a Outro pela verdade, pelo amor, por Deus que, em Jesus Cristo, me precede e me indica o caminho. Trata-se da decisão fundamental de não considerar a utilidade e o lucro, a carreira e o sucesso como finalidade última da minha vida, mas de reconhecer ao contrário como critérios autênticos a verdade e o amor. Trata-se de escolher entre viver só para mim mesmo ou doar-me pela coisa maior. E consideremos bem que verdade e amor não são valores abstractos; em Jesus Cristo eles tornaram-se pessoa. Ao segui-l'O entro ao serviço da verdade e do amor. Perdendo-me reencontro-me.
Voltemos à liturgia e à procissão dos Ramos. Nela a liturgia prevê como canto o Salmo 24 [23], que era também em Israel um canto processional usado para a subida ao monte do templo. O Salmo interpreta a subida interior da qual a subida exterior é imagem e nos explica assim mais uma vez o que significa subir com Cristo. "Quem subirá o monte do Senhor?", pergunta o Salmo, e indica duas condições fundamentais. Os que sobem e desejam chegar deveras ao cimo, chegar à altura verdadeira, devem ser pessoas que se interrogam sobre Deus. Pessoas que perscrutam à sua volta para procurar Deus, para procurar o seu rosto. Queridos jovens amigos como é importante hoje precisamente isto: não se deixar simplesmente levar aqui e ali na vida; não se contentar com o que todos pensam, dizem e fazem. Perscrutar Deus e procurar Deus. Não deixar que a pergunta sobre Deus se dissolva nas nossas almas. O desejo do que é maior. O desejo de O conhecer conhecer o seu Rosto...
A outra condição muito concreta para a subida é esta: pode estar no lugar santo "quem tem mãos inocentes e coração puro". Mãos inocentes mãos que não são usadas para actos de violência. São mãos que não estão sujas pela corrupção, com subornos. Coração puro quando é puro um coração? É puro um coração que não finge e não se mancha com mentiras nem hipocrisia. Um coração que permanece transparente como água nascente, porque não conhece a falsidade. É puro um coração que não se aliena com o inebriamento do prazer; um coração cujo amor é verdadeiro e não apenas paixão de um momento. Mãos inocentes e coração puro: se nós caminhamos com Jesus, subimos e encontramos as purificações que nos conduzirão verdadeiramente àquela altura para a qual o homem é destinado: a amizade com o próprio Deus.
O Salmo 24 [23] que fala da subida que termina com a liturgia de entrada diante do pórtico do templo: "Levantai, ó portas, os vossos frontais, levantai-vos, portas antigas, e entre o rei da glória".
Na antiga liturgia do Domingo de Ramos o sacerdote, ao chegar diante da igreja, batia com força com a haste da cruz da procissão na porta ainda fechada, que após este bater se abria. Era uma bonita imagem para o mistério do próprio Jesus Cristo que, com o madeiro da cruz, com a força do seu amor que se doa, bateu do lado do mundo à porta de Deus; do lado de um mundo que não conseguia encontrar o acesso para Deus. Com a Cruz Jesus abriu de par em par a porta de Deus, a porta entre Deus e os homens. Agora ela está aberta. Mas também do outro lado o Senhor bate com a sua cruz: bate às portas do mundo, às portas dos nossos corações, que assim com frequência e em tão grande número estão fechadas para Deus. E fala-nos mais ou menos assim: se as provas que Deus na criação te dá da sua existência não conseguem fazer com que te abras a Ele; se a palavra da Escritura e a mensagem da Igreja te deixam indiferente então olha para mim, para o Deus que por ti se fez sofredor, que pessoalmente sofre contigo vê que eu sofro por amor a ti e abre-te a mim, teu Senhor e teu Deus.
Eis o apelo que neste momento deixamos penetrar no nosso coração. O Senhor nos ajude a abrir a porta do coração, a porta do mundo, para que Ele, o Deus vivente, possa no seu Filho entrar neste nosso tempo, alcançar a nossa vida. Amém.