Francisco reformou-se, após toda uma vida dedicada à agricultura. Nunca conheceu outra profissão. Foi evoluindo, atualizando a forma de trabalhar a terra. Com as novas técnicas de produção, tornou-se um grande produtor de legumes e outros produtos de horticultura. Com as suas modernas estufas, produzia durante todo o ano.
Francisco durante muitos anos foi cuidadoso com o uso de pesticidas, nunca colocando no mercado produtos antes dos prazos de segurança. Mas um dia, um dos restaurantes da região, precisava com urgência de uma boa quantidade de tomate e de alface. Com a insistência, Francisco, que não tinha mercadoria disponível, concordou em satisfazer a pretensão do seu cliente colhendo o tomate e a alface, cujo espaço de segurança após o tratamento com pesticida estava sensivelmente na metade.
Nos dias seguintes, assaltou-o uma grande preocupação sobre o mal que os produtos vendidos ao restaurante podiam causar a quem os ingerisse. Até comprava os jornais diários para ver se alguma notícia confirmava a sua preocupação. Os dias foram passando e a consciência de Francisco foi amolecendo dado que não surgiram más notícias.
Algum tempo depois, visitou uma exploração agrícola, moderníssima, propriedade de um amigo seu de infância. Mostrando particular simpatia pela cultura de morangos, recebeu a seguinte recomendação:
- Se quiseres comer morangos ou levar para casa, estes não servem. São para vender. Para consumo da minha família são aqueles, lá ao fundo.
Perante o espanto de Francisco, explicou:
- Meu caro amigo, já há muito que deixei de preconceitos. Os produtos que ponho no mercado são produzidos de forma a darem lucro. Os fertilizantes, adubos, pesticidas e a mão-de- obra são caríssimos. É um investimento que exige retorno imediato. A produção tem que ser rentável.
- Pretendes dizer-me que não comes dos produtos que vendes? Estou vejo que para teu consumo e da tua família produzes à parte, como deve ser, a batata, o feijão, o tomate, a alface... Este teu procedimento está completamente errado.
De volta à casa pensou numa história, ouvida em criança, contada à lareira, pelo seu avô. Uma senhora tinha um pano muito valioso. Quando precisava de utilizá-lo tinha imensos cuidados. Um dia, por causa de um pequeno descuido, caiu no valioso pano uma enorme nódoa de azeite. De duas uma atitude podia tomar a dona do pano: retirar a nódoa, de modo que o pano não perdesse o valor, ou continuar a usá-lo sem qualquer cuidado, mais nódoa menos nódoa já pouco interessava, acabando por deitá-lo ao lixo.
Na sua conduta de homem de bem, sério, honrado, caíra aquela nódoa de vender ao restaurante aqueles produtos menos próprios para consumo. E veio a decisão: nunca mais vender, fosse o que fosse, que ele próprio, ou a sua família, não pudesse comer com toda a segurança.
A.J. Cunha