Homilia
do Santo Padre
na celebração do Dia Mundial da Paz
1° de Janeiro de 2001
1. "Foram, então, à pressa, e encontraram Maria, José e o Recém-Nascido, deitado na manjedoura" (Lc 2, 16).
Hoje, Oitava de Natal, com estas palavras a liturgia anima-nos a caminhar com renovado e consciente ardor rumo a Belém para adorar o Menino divino, que nasceu para nós. Convida-nos a seguir os passos dos pastores que, ao entrarem na gruta, reconhecem naquele pequeno ser humano, que "nasceu de uma mulher, submetido à Lei" (Gl 4, 4), o Omnipotente que se fez um de nós. Ao lado dele, José e Maria são silenciosas testemunhas do prodígio do Natal. Eis o mistério que hoje também nós contemplamos com admiração: nasceu-nos o Senhor. Maria deu "à luz o Rei que governa o céu e a terra pelos séculos dos séculos" (cf. Sedúlio).
Ficamos extasiados diante da cena que o Evangelista nos narra. De modo particular, detemo-nos para contemplar os pastores. Como simples e alegres modelos da busca humana, especialmente no contexto do grande Jubileu, eles põem em evidência quais devem ser as condições interiores para o encontro com Jesus.
A serena ternura do Menino, a surpreendente pobreza em que Ele se encontra, a humilde simplicidade de Maria e de José transformam a vida dos pastores: assim, eles tornam-se mensageiros de salvação, evangelistas ante litteram. São Lucas escreve: "Os pastores voltaram, glorificando e louvando a Deus por tudo o que haviam visto e ouvido, conforme o anjo lhes tinha anunciado" (2, 20). Partiram felizes e enriquecidos por um acontecimento que tinha transformado a sua existência. Nas suas palavras encontra-se o eco de uma alegria interior, que se faz cântico: "Voltaram, glorificando e louvando a Deus".
2. Neste Ano jubilar, também nós nos colocámos a caminho para encontrar Cristo, Redentor do homem. Atravessando a Porta Santa, experimentámos a sua presença misteriosa, graças à qual ao homem se dá a possibilidade de passar do pecado à graça, da morte à vida. O Filho de Deus, que por nós se fez homem, permitiu-nos ouvir o poderoso chamamento à conversão e ao amor.
Quantos dons e quantas ocasiões extraordinárias o grande Jubileu ofereceu aos fiéis! Na experiência do dom recebido e concedido, na recordação dos mártires, na escuta do brado dos pobres do mundo e nos testemunhos repletos de fé que nos foi transmitida pelos nossos irmãos crentes de todos os tempos, também nós entrevimos a presença salvífica de Deus na história.
Quase tocámos com a mão o seu amor que renova a face da terra. Daqui a alguns dias concluir-se-á este especial tempo de graça. Como aos pastores que acorreram para o adorar, Cristo pede aos fiéis, aos quais concedeu a alegria do Seu encontro, uma corajosa disponibilidade a partir de novo para anunciar o seu Evangelho, antigo e sempre novo.
Convida-os a vivificar a história e as culturas dos homens com a sua mensagem salvífica.
3. "Os pastores voltaram, glorificando e louvando a Deus" (Lc 2, 20). Também nós, encorajados e enriquecidos da graça jubilar, iniciamos este novo ano que o Senhor nos dá. As palavras da primeira Leitura, que renovam a bênção do Criador, nos sirvam de conforto: "Javé te abençoe e guarde! Javé te mostre o seu rosto brilhante e tenha piedade de ti! Javé te mostre o seu rosto e te conceda a paz!" (Nm 6, 24-26). O Senhor nos conceda a sua paz, a paz não como fruto de compromissos humanos, mas como surpreendente efeito do seu olhar benévolo sobre nós. Eis a paz que invocamos hoje, celebrando o XXXIV Dia Mundial da Paz.
É com imenso afecto que saúdo os ilustres Senhores Embaixadores do Corpo Diplomático acreditado junto da Santa Sé, presentes nesta solene liturgia. Saúdo de forma especial o dilecto Bispo D. François Nguyên Van Thuân, Presidente do Pontifício Conselho "Justiça e Paz" e, juntamente com ele, os colaboradores no Dicastério que tem a tarefa específica de representar a solicitude do Papa e da Sé Apostólica para a promoção de um mundo mais justo e harmonioso. Saúdo as Autoridades e quantos quiseram intervir neste encontro de oração pela paz. Desejaria voltar a propor espiritualmente a todos a Mensagem para o Dia Mundial da Paz deste ano, durante o qual abordei um tema particularmente actual, o "Diálogo entre as culturas para uma civilização do amor e da paz".
4. Hoje, neste sugestivo quadro litúrgico, renovo a cada pessoa de boa vontade o premente apelo a percorrer com confiança e tenacidade a vereda do diálogo. Só assim as riquezas específicas, que caracterizam a história e a vida dos homens e dos povos, não se perderão mas, pelo contrário, poderão concorrer para a construção de uma nova era de fraterna solidariedade. O esforço de todos vise promover uma autêntica cultura da solidariedade e da justiça, intimamente "ligada ao valor da paz, objectivo primário de toda a sociedade, sobretudo da comunidade nacional e internacional" (Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2001, n. 18).
Isto é ainda mais necessário no actual contexto mundial, que se tornou complexo devido à difundida mobilidade humana, à comunicação global e ao encontro nem sempre fácil entre as diversas culturas. Ao mesmo tempo, deve-se reafirmar com vigor a urgência de defender a vida, que é um bem fundamental da humanidade, uma vez que "não se pode invocar a paz e desprezar a vida" (Ibid., n. 19).
Dirigimos ao Senhor a nossa oração, para que o respeito destes valores fundamentais, património de todas as culturas, contribua para a edificação da almejada civilização do amor e da paz. Obtenha-nos isto Cristo, Príncipe da Paz, a quem contemplamos na pobreza do presépio.
5. "Maria, porém, conservava estes factos e meditava
sobre eles no seu coração" (Lc 2, 19).
Hoje a Igreja celebra a Solenidade de Maria, Mãe de Deus. Depois de
a ter apresentado como Aquela que oferece o Menino à solícita busca dos pastores,
o Evangelista Lucas dá-nos um ícone de Maria, simples e ao mesmo tempo majestoso.
Maria é a mulher de fé, que reservou um lugar a Deus no seu coração,
nos seus projectos, no seu corpo e na sua experiência de esposa e de mãe.
Ela é a crente capaz de captar, na extraordinária vicissitude do Filho, o
advento da "plenitude dos tempos" (Gl 4, 4) em que Deus,
escolhendo os caminhos simples da existência humana, decidiu comprometer-se
pessoalmente na obra de salvação.
A fé leva a Virgem Santíssima a percorrer veredas desconhecidas e imprevisíveis, continuando a conservar tudo no seu coração, ou seja, na intimidade do seu espírito, para corresponder com renovada adesão a Deus e ao seu desígnio de amor.
6. No início deste novo ano, é a Ela que dirigimos a nossa oração.
Ajuda-nos também a nós, ó Maria, a reconsiderar a nossa existência sempre com espírito de fé. Auxilia-nos a saber salvaguardar espaços de silêncio e de contemplação na frenética vida quotidiana. Faz com que nos orientemos sempre para as exigências da paz genuína, dom da Natividade de Cristo.
A ti, neste primeiro dia de 2001, confiamos as expectativas e as esperanças de toda a humanidade: "À vossa protecção nos acolhemos, Santa Mãe de Deus: não desprezeis as nossas súplicas em nossas necessidades, mas livrai-nos de todos os perigos, ó Virgem gloriosa e bendita!" (Liturgia das Horas).
Virgem Mãe de Deus, intercede por nós junto do teu Filho, para que o seu rosto resplandeça no caminho do novo milénio e cada homem possa viver na justiça e na paz. Amém!