VATICANO, 30 de nov de 2007 às 09:12
Em sua nova encíclica "Spe Salvi", o Papa Bento XVI destaca a urgência de recuperar o verdadeiro sentido da esperança cristã e chama o mundo do pensamento contemporâneo, assim como ao cristianismo atual, a exercer uma autocrítica sobre a maneira de compreender a esperança.
No número 22 de sua encíclica de 75 páginas, o Pontífice assinala que ante a crise do conceito de esperança depois das experiências fracassadas do racionalismo e o marxismo, "é necessária uma autocrítica da idade moderna em diálogo com o cristianismo e com sua concepção da esperança". "Neste diálogo, os cristãos, no contexto de seus conhecimentos e experiências, têm também que aprender de novo no que consiste realmente sua esperança, o que têm que oferecer ao mundo e o que é, pelo contrário, o que não podem lhe oferecer", adiciona.
Conforme explica o Pontífice na encíclica, "é necessário que na autocrítica da idade moderna conflua também uma autocrítica do cristianismo moderno, que deve aprender sempre a compreender-se a si mesmo a partir de suas próprias raízes".
"Acima de tudo –diz o Papa– terá que perguntar-se: O que significa realmente ‘progresso’?". "A ambigüidade do progresso resulta evidente. Indubitavelmente, oferece novas possibilidades para o bem, mas também abre possibilidades abismais para o mal, possibilidades que antes não existiam", explica.
Bento XVI destaca que "certamente, a razão é o grande dom de Deus ao homem, e a vitória da razão sobre a irracionalidade é também um objetivo da fé cristã. Mas quando domina realmente a razão? Acaso quando se apartou de Deus? Quando se há ato cega para Deus? A razão do poder e do fazer é já toda a razão?"
O Papa responde: "digamo-lo agora de maneira muito singela: o homem necessita a Deus, do contrário fica sem esperança" e passa assim a falar de "a verdadeira fisionomia da esperança cristã".
Neste parágrafo da encíclica, o Papa explica que "o reto estado das coisas humanas, o bem-estar moral do mundo, nunca pode garantir-se somente através de estruturas, por muito válidas que estas sejam".
"Posto que o homem segue sendo sempre livre e sua liberdade é também sempre frágil, nunca existirá neste mundo o reino do bem definitivamente consolidado. Quem promete o mundo melhor que duraria irrevogavelmente para sempre, faz uma falsa promessa, pois ignora a liberdade humana", adiciona.
"As boas estruturas ajudam, mas por si só não bastam. O homem nunca pode ser redimido somente do exterior", assinala o Papa.
A resposta cristã
Na Spe Salvi, Bento XVI assinala que "devemos constatar também que o cristianismo moderno, ante os êxitos da ciência na progressiva estruturação do mundo, concentrou-se em grande parte sozinho sobre o indivíduo e sua salvação. Com isto reduziu o horizonte de sua esperança e não reconheceu tampouco suficientemente a grandeza de seu encargo".
O Papa recorda em seguida que "não é a ciência a que redime ao homem. O homem é redimido pelo amor. Isso é válido inclusive no âmbito puramente intramundano".
"Neste sentido, –adiciona– é verdade que quem não conhece deus, embora tenha múltiplos esperança, no fundo está sem esperança, sem a grande esperança que sustenta toda a vida".
Neste ponto o Sumo Pontífice se pergunta: "não recaímos possivelmente no individualismo da salvação?"; e responde que "estar em comunhão com Jesus Cristo nos faz participar de seu ser ‘para todos’, faz que este seja nosso modo de ser. Compromete-nos em favor de outros, mas apenas estando em comunhão com Ele podemos realmente chegar a ser para outros, para todos".
O resumo do Papa
"Resumamos", diz o Pontífice no número 30 da encíclica, "o que até agora aflorou no desenvolvimento de nossas reflexões".
"Ao longo de sua existência, –assinala– o homem tem muitas esperanças, maiores ou menores, diferentes segundo os períodos de sua vida".
"Na juventude –adiciona– pode ser a esperança do amor grande e satisfatório; a esperança de certa posição na profissão, de um ou outro êxito determinante para o resto de sua vida".
"Está claro que o homem necessita uma esperança que vá mais à frente. É evidente que apenas pode contentar-se com algo infinito, algo que será sempre mais do que nunca poderá alcançar", assinala.
Entretanto, hoje, "a esperança bíblica do reino de Deus foi substituída pela esperança do reino do homem, pela esperança de um mundo melhor que seria o verdadeiro ‘reino de Deus’", mas "resultou evidente que esta era uma esperança contra a liberdade".
"Nós –explica em seguida o Santo Padre– precisamos ter esperanças, maiores ou menores, que dia a dia nos mantenham em caminho. Mas sem a grande esperança, que tem que superar todo o resto, aquelas não bastam. Esta grande esperança sozinho pode ser Deus".
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Como aprender a esperança
Bento XVI chega assim ao ponto no que propõe "lugares de aprendizagem e do exercício da esperança" para os cristãos.
"Um primeiro lugar e essencial de aprendizagem da esperança é a oração. Quando já ninguém me escuta, Deus ainda me escuta", explica o Papa em primeiro lugar.
"Rezar não significa sair da história e retirar-se no canto privado da própria felicidade. O modo apropriado de orar é um processo de purificação interior que nos faz capazes para Deus e, precisamente por isso, capazes também para outros".
Mas "para que a oração produza esta força purificadora deve ser, por uma parte, muito pessoal, uma confrontação do meu eu com Deus, com o Deus vivo. Mas, por outra, tem que estar guiada e iluminada uma e outra vez pelas grandes orações da Igreja e dos Santos, pela oração litúrgica", adiciona o Santo Padre.
O Santo Padre assinala em seguida "o atuar e o sofrer" como lugares de aprendizagem da esperança; e explica que "toda atuação séria e reta do homem é esperança em ato".
Mas "o esforço cotidiano por continuar nossa vida e pelo futuro de todos nos cansa ou se converte em fanatismo, se não estar iluminado pela luz daquela esperança maior que não pode ser destruída", adverte.
"Assim com ao obrar, –adiciona em seguida– também o sofrimento forma parte da existência humana".
"O que cura o homem –diz o Sumo Pontífice– não é esquivar o sofrimento e fugir ante a dor, mas sim a capacidade de aceitar a tribulação, amadurecer nela e encontrar nela um sentido mediante a união com Cristo, que sofreu com amor infinito".
"Também o ‘sim’ ao amor é fonte de sofrimento, porque o amor exige sempre novas renúncias do meu eu, nas quais me deixo modelar e ferir", explica o Papa; e acrescenta que "sofrer com o outro, pelos outros; sofrer por amor da verdade e da justiça; sofrer a causa do amor e com o fim de converter-se em uma pessoa que ama realmente, são elementos fundamentais de humanidade, cuja perda destruiria ao homem mesmo".
O Pontífice adiciona em seguida outro importante aspecto do sofrimento cristão: "a idéia de poder ‘oferecer’ as pequenas dificuldades cotidianas, que nos afligem uma e outra vez como pontadas mais ou menos molestas, dando assim um sentido, eram parte de uma forma de devoção ainda muito difundida até não faz muito tempo, embora hoje talvez menos praticada".
"Possivelmente devamos nos perguntar realmente se isto não poderia voltar a ser uma perspectiva sensata também para nós", propõe.
O Julgamento Final
Um lugar fundamental de fortalecimento da esperança cristã, explica em seguida Bento XVI, é a meditação obre o Julgamento Final.
"Na época moderna, –destaca– a idéia do Julgamento Final se desviou: a fé cristã se entende e orienta sobre tudo para a salvação pessoal da alma; a reflexão sobre a história universal, em troca, está dominada em grande parte pela idéia do progresso".
"Em grande parte dos homens, isso podemos supor, fica no mais profundo de seu ser uma última abertura interior à verdade, ao amor, a Deus. Mas nas opções concretas da vida, esta abertura se empanou com novos compromissos com o mal; há muita sujeira que recobre a pureza, da qual, entretanto, fica a sede e que, apesar de tudo, rebrota uma vez mais do fundo da imundície e está presente na alma", explica o Papa.
E em seguida se pergunta "O que acontece com estas pessoas quando comparecem ante o Juiz? Toda a sujeira que acumulou em sua vida, far-se-á de repente irrelevante?".
"A salvação dos homens pode ter diversas formas… algumas das coisas construídas podem consumir-se totalmente… para salvar-se é necessário atravessar o ‘fogo’ em primeira pessoa para chegar a ser definitivamente capazes de Deus e poder tomar parte na mesa do banquete nupcial eterno", responde o Papa.
"O encontro com Ele é o ato decisivo do Julgamento. Ante seu olhar, toda falsidade se desfaz. É o encontro com Ele o que, nos queimando, transforma-nos e nos libera para chegar a ser verdadeiramente nós mesmos. Nesse momento, tudo o que se construiu durante a vida pode manifestar-se como palha seca, vácua fanfarronice, e derrubar-se", explica o Santo Padre.
Mas adiciona que "na dor deste encontro, no qual o impuro e insalubre de nosso ser nos apresenta com toda claridade, está a salvação".
Entretanto, em relação à salvação, Bento XVI recorda que "nossos estoque estão em profunda comunhão entre si, entrelaçadas umas com outras através de múltiplos interações. Ninguém vive sozinho. Ninguém peca sozinho. Ninguém se salva sozinho. Em minha vida entra continuamente a dos outros: no que penso, digo, ocupo-me ou faço".
E por isso conclui: "deveríamos nos perguntar também: O que posso fazer para que outros se salvem e para que surja também para eles a estrela da esperança? Então terei feito o máximo também por minha salvação pessoal".
Para ler a encíclica completa, em espanhol, acesse: http://www.acidigital.com/Documentos/spesalvis.htm