VATICANO, 30 de nov de 2007 às 09:13
A Santa Sé publicou hoje a nova encíclica do Papa Bento XVI "Spe Salvi", (Salvos pela Esperança) em que o Pontífice explica o papel da virtude da esperança no mundo contemporâneo e a urgência de que os cristãos recuperem para si e o mundo seu verdadeiro sentido.
No documento de 75 páginas divulgado esta sexta-feira em Roma durante uma coletiva de imprensa, o Pontífice assinala que "o presente, embora seja um presente fatigante, pode-se viver e aceitar se levar para uma meta, se podemos estar seguros desta meta e se esta meta for tão grande que justifique o esforço do caminho".
Na encíclica, enriquecida com numerosas entrevistas e meditações bíblicas, além de exemplos e entrevistas tirados da vida de Santos e Padres da Igreja, o Pontífice assinala que a partir do anúncio do Evangelho pelo Jesus Cristo, "a porta obscura do tempo, do futuro, foi totalmente aberto. Quem tem esperança vive de outra maneira; deu-lhe uma vida nova". "Chegar a conhecer deus, ao Deus verdadeiro, isso é o que significa receber esperança", adiciona.
Mais adiante, ao referir-se ao conceito de esperança apoiada na fé no Novo Testamento, a encíclica recorda que "o cristianismo não trazia uma mensagem sócio-revolucionária como o de Espartaco que, com lutas cruentas, fracassou". "O que Jesus trouxe, tendo morrido Ele mesmo na cruz, era algo totalmente diverso: o encontro com o Senhor de todos os senhores, o encontro com o Deus vivo e, assim, o encontro com uma esperança mais forte que os sofrimentos da escravidão, e que por isso transforma de dentro a vida e o mundo".
"Não são –explica o Santo Padre– os elementos do cosmos, a leis da matéria, o que em definitiva governa o mundo e o homem, mas sim é um Deus pessoal quem governa as estrelas, quer dizer, o universo; a última instância não são as leis da matéria e da evolução, mas sim a razão, a vontade, o amor: uma Pessoa. E se conhecermos esta Pessoa, e ela a nós, então o inexorável poder dos elementos materiais já não é a última instância; já não somos escravos do universo e de suas leis, agora somos livres".
Com efeito, Jesus "diz-nos quem é em realidade o homem e o que deve fazer para ser verdadeiramente homem. Ele nos indica o caminho e este caminho é a verdade", explica o Papa.
Em seguida, meditando sobre a passagem de Hebreus 11,1; Bento XVI assinala que "a fé não é somente um tender da pessoa para o que tem que vir, e que está ainda totalmente ausente; a fé nos dá algo. Dá-nos já agora algo da realidade esperada, e esta realidade presente constitui para nós uma ‘prova’ do que ainda não se vê".
"A fé –prossegue– outorga à vida uma base nova, um novo fundamento sobre o que o homem pode apoiar-se, de tal maneira que precisamente o fundamento habitual, a confiança na renda material, fica relativizado".
Vida eterna e mundo atual
Spe Salvi aborda em seguida a pergunta sobre o que é a vida eterna. Ali o Santo Padre interroga: "a fé cristã é também para nós agora uma esperança que transforma e sustenta nossa vida?". "De verdade queremos isto: viver eternamente?"
"Talvez muitas pessoas –explica o Sumo Pontífice– rechaçam hoje a fé simplesmente porque a vida eterna não lhes parece algo desejável. Em modo algum querem a vida eterna, mas sim a presente e, para isto, a fé na vida eterna lhes parece mas bem um obstáculo. Seguir vivendo para sempre –sem fim– parece mais uma condenação que um dom".
Assim o Papa observa: "obviamente, há uma contradição em nossa atitude, que faz referência a um contraste interior de nossa própria existência. Por um lado, não queremos morrer; os que nos amam, sobre tudo, não querem que morramos. Por outro lado, entretanto, tampouco desejamos seguir existindo ilimitadamente, e tampouco a terra foi criada com esta perspectiva. Então, o que é realmente o que queremos?"
"No fundo –responde o Pontífice– queremos apenas uma coisa, a ‘vida bem-aventurada’, a vida que simplesmente é vida, simplesmente ‘felicidade’".
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É individualista a esperança cristã?
Sob este subtítulo, Bento XVI aborda a questão de se a esperança cristã, centrada no desejo pessoal da salvação, pode terminar sendo individualista, até egoísta.
A respeito, o Papa argumenta que esta visão da salvação não tem suas raízes nem nas Sagradas Escrituras nem no cristianismo primitivo; e por isso se pergunta na encíclica: "Como se chegou a interpretar a ‘salvação da alma’ como fuga da responsabilidade em relação às coisas em seu conjunto e, por conseguinte, a considerar o programa do cristianismo como busca egoísta da salvação que se nega a servir a outros?"
"Para encontrar uma resposta a esta questão temos que nos fixar nos elementos fundamentais da época moderna", assinala. E logo depois de explicar o impacto do pragmatismo racionalista do intelectual inglês Francis Bacon (1561-1626), para quem "o restabelecimento do ‘paraíso’ perdido, já não se espera da fé, mas sim da correlação apenas descoberta entre ciência e praxe"; assinala que "esta visão programática determinou o processo dos tempos modernos e influi também na crise atual da fé que, em seus aspectos concretos, é sobre tudo uma crise da esperança cristã. Por isso, em Bacon a esperança recebe também uma nova forma. Agora se chama: fé no progresso".
Assim, "durante o desenvolvimento ulterior da ideologia do progresso, a alegria pelos visíveis adiantamentos das potencialidades humanas é uma confirmação constante da fé no progresso como tal", adverte o Santo Padre.
"Ao mesmo tempo, –explica em seguida– há duas categorias que ocupam cada vez mais o centro da idéia de progresso: razão e liberdade. O progresso é sobre tudo um progresso do domínio crescente da razão, e esta razão é considerada obviamente um poder do bem e para o bem. O progresso é a superação de todas as dependências, é progresso para a liberdade perfeita".
Entretanto, o Papa adverte que "em ambos os conceitos chave, ‘razão’ e ‘liberdade’, o pensamento está sempre, tacitamente, em contraste também com os vínculos da fé e da Igreja".
De uma perspectiva histórica, o Pontífice assinala a "a Revolução Francesa como a tentativa de instaurar o domínio da razão e da liberdade": "Em s. XVIII não faltou a fé no progresso como nova forma da esperança humana".
"Entretanto –explica– o avanço cada vez mais rápido do desenvolvimento técnico e a industrialização que comportava criaram muito em breve uma situação social completamente nova: formou-se a classe dos trabalhadores da indústria e o assim chamado ‘proletariado industrial’".
"Depois da revolução burguesa de 1789 –explica o Papa– tinha chegado a hora de uma nova revolução, a proletária… Karl Marx recolheu esta chamada do momento e, com vigor de linguagem e pensamento, tratou de represar este novo e, como ele pensava, definitivo grande passo da história para a salvação".
A promessa marxista, "graças à acuidade de sua análise e à clara indicação dos instrumentos para a mudança radical, fascinou e fascina ainda hoje de novo", adiciona.
Entretanto, essa promessa "em lugar de iluminar um mundo são, deixou atrás de si uma destruição desoladora. O engano de Marx não consiste sozinho em não ter ideado os ordenamentos necessários para o novo mundo… Seu engano está mais ao fundo. Esqueceu que o homem é sempre homem. esqueceu ao homem e esqueceu sua liberdade. Esqueceu que a liberdade é sempre liberdade, inclusive para o mal. Acreditou que, uma vez solucionada a economia, tudo ficaria solucionado. Seu verdadeiro engano é o materialismo", destaca o Papa na Spe Salvi.
Para ler a encíclica completa, em espanhol, acesse: http://www.acidigital.com/Documentos/spesalvis.htm