Roma, 3 de mar de 2011 às 11:27
Em seu novo livro, a segunda parte de "Jesus de Nazaré", o Papa Bento XVI demonstra uma vez mais que o estudo científico das Sagradas Escrituras pode e deve estar sempre acompanhado de uma atitude orante que permita uma aprofundamento claro sobre os mistérios da vida do Senhor.
De maneira inesperada o Escritório de Imprensa do Vaticano e o L'Osservatore Romano deram a conhecer ontem alguns extratos do livro, uma semana antes da apresentação do texto, que será no Vaticano no dia 10 de março, e que trata os últimos dias de Jesus desde sua entrada a Jerusalém até sua ressurreição.
Estes extratos se referem a Judas, a data da Última Ceia e o juízo de Cristo ante Pôncio Pilatos.
Sobre os judeus durante o juízo de Jesus, o Papa afirma que no Evangelho de São João, esta designação sobre quem instigou a morte do Senhor não deve ser interpretada como algo "racista" ou uma condenação contra o povo do Israel.
"Depois de tudo, João mesmo era etnicamente um judeu, como também eram Jesus e seus seguidores", precisa o Papa. "Toda a primeira comunidade cristã estava formada por judeus. No Evangelho de João estas palavras têm um significado claro e definido: ele está se referindo à aristocracia do Templo".
Sobre a crucificação do Senhor, o Santo Padre assinala que "os cristãos recordarão que o sangue de Jesus fala um idioma distinto ao do sangue de Abel: não clama por vingança ou castigo, traz reconciliação. Não se derrama contra ninguém, derrama-se por muitos, por todos... À luz da fé... estas palavras não são uma maldição, mas redenção e salvação".
Quanto à traição de Judas, Bento XVI assinala que sua história é relevante para os cristãos de todos os tempos.
"A traição de Judas não foi a última infidelidade que Jesus teve que sofrer... A ruptura da amizade se estende até a comunidade sacramental da Igreja, onde as pessoas seguem tomando o 'seu pão' e traindo-o", escreve.
Judas sabia que tinha pecado ao entregar ao Senhor, entretanto "já não acreditava no perdão" para si. "Seu remorso se transforma em desespero. Mostra-nos o tipo equivocado de remorso: o tipo que é incapaz da esperança. (...) O remorso genuíno está certamente marcado pela certeza da esperança nascida da fé no poder superior da luz que se fez carne em Jesus".
O Papa também escreve sobre a data da Última Ceia, um tema tratado por diversos peritos desde os primeiros tempos do cristianismo.
Os quatro evangelhos estão de acordo ao assinalar que Jesus morreu uma sexta-feira, antes de anoitecer e ao início do Sabbath judeu. Entretanto, segundo o evangelho de São João, Jesus foi condenado ao mesmo tempo que os cordeiros para a Páscoa eram sacrificados no Templo judeu. Isso significaria que morreu antes da Páscoa, ao contrário do que dizem os outros evangelistas.
Sobre este tema o Papa recomenda "com certas reservas" a solução proposta pelo Pe. John Meier, um perito em Bíblia nos Estados Unidos e autor do estudo em quatro volumes: "Um judeu marginal: Repensando o Jesus histórico".
Meier conclui que nenhum dos quatro Evangelhos apresenta a Última Ceia de Jesus como uma ceia tradicional de Páscoa. Em outras palavras, é provável que Jesus tenha sido crucificado antes da Ceia de Páscoa que se celebrava esse ano, consistente então com o relato de João.
A Última Ceia, escreve o Papa, "foi a Páscoa de Jesus. E neste sentido celebrou e não celebrou a Páscoa: os antigos rituais poderiam não ter sido cumpridos porque ao chegar a hora Jesus já havia morrido. Mas na realidade Ele se entregou, e então verdadeiramente tinha celebrado a Páscoa com eles. O antigo não foi abolido, foi levado ao seu pleno significado".