Vaticano, 24 de abr de 2011 às 17:56
O Papa Bento XVI fez história esta Sexta-feira Santa ao aparecer pela primeira vez em um programa televisivo -o show "A Sua Imagem", que se transmite na estação italiana RAI1- e responder sete perguntas pré-gravadas vindas de todo o mundo e referidas ao medo, a dor, o estado de coma, a perseguição de cristãos, a ressurreição e a Virgem Maria.
A seguir, a íntegra das respostas do Papa Bento:
P: Santo Padre, quero agradecer-lhe pela sua presença que nos enche de alegria e nos ajuda a recordar que hoje é o dia em que Jesus demonstra Seu amor no modo mais radical, morrendo na cruz como inocente. Precisamente sobre o tema da dor inocente é a primeira pergunta que vem de uma menina japonesa de sete anos, que lhe diz: meu nome é Elena, sou japonesa e tenho sete anos. Tenho muito medo porque a casa em que me sentia segura tremeu muitíssimo, e porque muitas crianças da minha idade morreram. Não posso ir brincar no parque. Quero perguntar-lhe: por que tenho que passar tanto medo? Por que as crianças têm que sofrer tanta tristeza? Peço ao Papa, que fala com Deus, que me explique isso.
R: Querida Elena, eu a saúdo com todo o coração. Também eu me pergunto: por que é assim? Por que vós tendes que sofrer tanto, enquanto outros vivem comodamente? E não temos resposta, mas sabemos que Jesus sofreu como vós, inocentes, que Deus verdadeiro se mostra em Jesus, Ele está ao seu lado. Isto me parece muito importante, apesar de que não temos respostas, se a tristeza seguir: Deus está ao seu lado, e devemos estar seguros de que isto os ajudará. E um dia poderemos compreender por que aconteceu isto. Neste momento me parece importante que você saiba Deus me ama, embora pareça que não me conhece. Não, Ele me ama, está a meu lado, e devemos estar seguros de que no mundo, no universo, há tantas pessoas que estão a seu lado, que pensam em vós, que fazem todo o possível por vocês, para ajudá-los. E ser conscientes de que, um dia, eu compreenderei que este sofrimento não era uma coisa vazia, não era inútil, mas atrás do sofrimento há um projeto bom, um projeto de amor. Não é uma coincidência. Sinta-se segura, estamos a seu lado, ao lado de todas as crianças japoneses que sofrem, queremos ajudá-las com a oração, com nossos atos, e devem estar seguros de que Deus os ajuda. E deste modo rezamos juntos para que a luz chegue a vocês o quanto antes.
P: A segunda pergunta nos põe diante de um calvário, porque se trata de uma mãe que está junto à cruz de um filho. É italiana, chama-se Maria Teresa e lhe pergunta: Santidade, a alma de meu filho, Francesco, em estado vegetativo desde o dia de Páscoa do 2009, abandonou seu corpo, visto que está totalmente inconsciente, ou ainda está nele?
R: Certamente a alma está ainda presente no corpo. A situação é um pouco como a de um violão que tem as cordas partidas e que não se pode tocar. Assim também o instrumento do corpo é frágil, vulnerável, e a alma não pode tocar, para dizê-lo de algum modo, mas segue presente. Estou também seguro de que esta alma escondida sente em profundidade seu amor, apesar de que não compreende os detalhes, as palavras, etc., mas sente a presença do amor. E por isso esta sua presença, queridos pais, querida mãe, junto a ele, horas e horas cada dia, é um verdadeiro ato de amor muito valioso, porque esta presença entra na profundidade desta alma escondida e seu ato é um testemunho de fé em Deus, de fé no homem, de fé, digamos de compromisso a favor da vida, de respeito pela vida humana, inclusive nas situações mais trágicas. Por isso os animo a prosseguir, sabendo o que fazem um grande serviço à humanidade com este sinal de confiança, com este sinal de respeito da vida, com este amor por um corpo lacerado, uma alma que sofre.
P: A terceira pergunta nos leva ao Iraque, entre os jovens de Bagdá, cristãos perseguidos que lhe enviam esta pergunta: Saudamos o Santo padre desde o Iraque –dizem-. Nós, cristãos de Bagdá somos perseguidos como Jesus. Santo Padre, de que modo podemos ajudar a nossa comunidade cristã para que reconsiderem o desejo de emigrar a outros países, convencendo-lhes de que partir não é a única solução?
R: Queria em primeiro lugar saudar com todo o coração a todos os cristãos do Iraque, nossos irmãos, e tenho que dizer que rezo cada dia pelos cristãos do Iraque. São nossos irmãos que sofrem, como também em outras terras do mundo, e por isso os sinto especialmente próximos a meu coração e, na medida de nossas possibilidades, temos que fazer todo o possível para que possam resistir à tentação de emigrar, que –nas condições nas que vivem- resulta muito compreensível. Diria que é importante que estejamos perto de vós, queridos irmãos do Iraque, que queiramos ajudá-los e quando vierem, recebê-los realmente como irmãos. E naturalmente, as instituições, todos os que têm uma possibilidade de fazer algo pelo Iraque, devem fazê-lo. A Santa Sé está em permanente contato com as distintas comunidades, não só com as comunidades católicas, mas também com as demais comunidades cristãs, com os irmãos muçulmanos, sejam xiitas ou sunitas. E queremos fazer um trabalho de reconciliação, de compreensão, também com o governo, ajudá-lo neste difícil caminho de recompor uma sociedade rasgada. Porque este é o problema, que a sociedade está profundamente dividida, lacerada, já não têm esta consciência: Nós somos na diversidade, um povo com uma história comum, no qual cada um tem seu lugar. E devem reconstruir esta consciência que, na diversidade, têm uma história comum, uma comum determinação. E nós queremos, em diálogo precisamente com os distintos grupos, ajudar o processo de reconstrução e animar a vós, queridos irmãos cristãos do Iraque, a ter confiança, a ter paciência, a ter confiança em Deus, a colaborar neste difícil processo. Tenham a segurança de nossa oração.
P: A seguinte pergunta é de uma mulher muçulmana da Costa do Marfim, um país em guerra há anos. Esta senhora se chama Bintú e lhe envia uma saudação em árabe que pode ser traduzida deste modo: Que Deus esteja em meio de todas as palavras que nos diremos e que Deus esteja contigo. É uma frase que utilizam ao começar um diálogo. E depois prossegue em francês: Querido Santo Padre, aqui na Costa do Marfim vivemos sempre em harmonia entre cristãos e muçulmanos. Freqüentemente as famílias estão formadas por membros de ambas as religiões; existe também uma diversidade de etnias, mas nunca tivemos problemas. Agora tudo mudou: a crise que vivemos, causada pela política, esta semeando divisões. Quantos inocentes perderam a vida! Quantos prófugos, quantas mães e quantas crianças traumatizados! Os mensageiros exortaram à paz, os profetas exortaram à paz. Jesus é um homem de paz. Você, como embaixador de Jesus, o que aconselharia a nosso país?
R: Quero responder à saudação: que Deus esteja também contigo, e sempre te ajude. E tenho que dizer que recebi cartas dilaceradoras da Costa do Marfim, onde vejo toda a tristeza, a profundidade do sofrimento, e fico triste porque podemos fazer tão pouco. Sempre podemos fazer uma coisa: orar com vós, e na medida do possível, fazer obras de caridade, e sobre tudo queremos colaborar, segundo nossas possibilidades, nos contatos políticos, humanos. Encarreguei que o cardeal Tuckson, que é presidente do nosso Conselho de Justiça e Paz, fosse a Costa do Marfim e tente mediar, falar com os diversos grupos, com as distintas pessoas, para facilitar um novo começo. E sobre tudo queremos fazer ouvir a voz de Jesus, em quem você também acredita como profeta. Era sempre o homem da paz. Podia pensar-se que, quando Deus veio à terra, fá-lo-ia como um homem de grande força, que destruiria as potências adversárias, que seria um homem de uma forte violência como instrumento de paz. Nada disto: veio débil, veio sozinho com a força do amor, totalmente sem violência até ir à cruz. E isto nos mostra o verdadeiro rosto de Deus, e que a violência não vem nunca de Deus, nunca ajuda a produzir coisas boas, mas é um meio destrutivo e não é o caminho para sair das dificuldades. É uma forte voz contra todo tipo de violência. Convido fortemente a todas as partes a renunciar à violência, a procurar as vias da paz. Para a recomposição de seu povo não podem usar meios violentos, embora pensem ter razão. A única via é a renúncia à violência, recomeçar o diálogo, as tentativas de encontrar juntos a paz, uma nova atenção dos uns para os outros, a nova disponibilidade abrir-se o um ao outro. E este, querida senhora, é a verdadeira mensagem de Jesus: procurem a paz com os meios da paz e abandonem a violência. Rezamos por vós para que todos os componentes de sua sociedade sintam esta voz de Jesus e assim retorne a paz e a comunhão.
P: Santo Padre, a próxima pergunta é sobre o tema da morte e a ressurreição de Jesus e chega da Itália. Eu a leio: Santidade: Que fez Jesus no lapso de tempo entre a morte e a ressurreição? E, já que no Credo se diz que Jesus depois da morte descendeu aos infernos: Podemos pensar que é algo que nos passará também , depois da morte, antes de subir ao Céu?
R: Em primeiro lugar, esta descida da alma de Jesus não deve imaginar-se como uma viagem geográfica, local, de um continente a outro. É uma viagem da alma. É preciso ter em conta que a alma de Jesus sempre toca a do Pai, está sempre em contato com o Padre, mas ao mesmo tempo, esta alma humana se estende até os últimos limites do ser humano. Neste sentido desce às profundidades, vai rumo ao perdidos, dirige-se a todos aqueles que não alcançaram a meta de suas vidas, e transcende assim os continentes do passado. Esta palavra da descida do Senhor aos infernos significa, sobre tudo, que Jesus alcança também o passado, que a eficácia da redenção não começa no ano zero ou no ano trinta, mas sim se estende ao passado, abrange o passado, a todas as pessoas de todos os tempos. Dizem os Padres, com uma imagem muito formosa, que Jesus toma pela mão Adão e Eva, quer dizer a humanidade, e a encaminha para frente, para as alturas. E assim cria o acesso a Deus, porque o homem, por si mesmo, não pode elevar-se à altura de Deus. Jesus mesmo, sendo um homem, tomando o homem pela mão, abre o acesso. Que acesso? À realidade que chamamos céu. Assim, este descida aos infernos, quer dizer, nas profundidades do ser humano, nas profundidades do passado da humanidade, é uma parte essencial da missão de Jesus, de sua missão de Redentor e não se aplica a nós. Nossa vida é diferente, o Senhor já nos redimiu e nos apresentamos ao Juiz, depois de nossa morte, sob o olhar de Jesus, e este olhar em parte será purificador: acredito que todos nós, em maior ou menor medida, precisaremos ser purificados. O olhar de Jesus nos purifica e ademais nos torna capazes de viver com Deus, de viver com os Santos, sobre tudo de viver em comunhão com nossos seres queridos que nos precederam.
P: Também a seguinte pergunta é sobre o tema da ressurreição e vem da Itália: Santidade, quando as mulheres chegam ao sepulcro, no domingo depois da morte de Jesus, não reconhecem o Mestre, confundem-no com outro. O mesmo acontece com os Apóstolos: Jesus tem que mostrar as feridas, partir o pão para que o reconheçam precisamente por seus gestos. O seu é um corpo real de carne e osso, mas também um corpo glorioso. O fato de que seu corpo ressuscitado não tenha as mesmas características que antes, o que significa? E o que significa, exatamente, corpo glorioso? E a ressurreição, será também assim para nós? "
R: Naturalmente, não podemos definir o corpo glorioso porque está além de nossa experiência. Só podemos interpretar alguns dos sinais que Jesus nos deu para entender, ao menos um pouco, aonde aponta esta realidade. O primeiro sinal: o sepulcro está vazio. Quer dizer, Jesus não abandonou seu corpo à corrupção, ensinou-nos que também a matéria está destinada à eternidade, que ressuscitou realmente, que não ficou perdido. Jesus assumiu também a matéria, por isso a matéria está também destinada à eternidade. Mas assumiu esta matéria em uma nova forma de vida, este é o segundo ponto: Jesus não morre mais, quer dizer: está além das leis da biologia, da física, porque os submetidos a elas morrem. Portanto há uma condição nova, diversa, que não conhecemos, mas que se revela no ocorrido a Jesus, e essa é a grande promessa para todos nós de que há um mundo novo, uma nova vida, para a qual estamos encaminhados. E, estando já nessa condição, para Jesus é possível que os outros o toquem, pode dar a mão a seus amigos e comer com eles, mas, entretanto está além das condições da vida biológica, como a que nós vivemos. E sabemos que, por uma parte, é um homem real, não um fantasma, vive uma vida real, mas é uma vida nova que já não está sujeita à morte e essa é nossa grande promessa. É importante entender isto, ao menos o que nos seja possível, com o exemplo da Eucaristia: na Eucaristia, o Senhor nos dá seu corpo glorioso, não nos dá carne para comer em sentido biológico; nos dá Ele mesmo; quão novo é Ele , entra em nosso ser homens e mulheres, no nosso, em meu ser pessoa, como pessoa e chega a nós com seu ser, de modo que podemos nos deixar penetrar por sua presença, transformar-nos em sua presença. É um ponto importante, porque assim já estamos em contato com esta nova vida, este novo tipo de vida, já que Ele entrou em mim, e eu saí de mim e me estendo para uma nova dimensão de vida. Penso que este aspecto da promessa, da realidade que Ele se entrega para mim e me faz sair de mim mesmo, me eleva, seja a questão mais importante: não se trata de decifrar coisas que não podemos entender mas de encaminhar-nos para a novidade que começa, sempre, de novo, na Eucaristia.
P: Santo Padre, a última pergunta é sobre Maria. Aos pés da cruz, há um comovedor diálogo entre Jesus, sua mãe e João, no que Jesus diz a Maria: Eis aqui o teu filho e a João: Eis a tua mãe. Em seu último livro, "Jesus de Nazaré", você o define como uma disposição final de Jesus. Como devemos entender estas palavras? O que significado tinham naquele momento e que significado têm hoje em dia? E já que estamos no tema de confiar. Você pensa renovar uma consagração à Virgem no início deste novo milênio?
R: Estas palavras de Jesus são acima de tudo um ato muito humano. Vemos Jesus como um homem verdadeiro que leva adiante um gesto de verdadeiro homem: um ato de amor por sua mãe confiando-a ao jovem João para que esteja segura. Naquela época no Oriente uma mulher sozinha se encontrava em uma situação impossível. Confia sua mãe a este jovem e lhe confia sua mãe. Jesus realmente atua como um homem com um sentimento profundamente humano. Parece-me muito formoso, muito importante que antes de qualquer teologia vejamos aqui a verdadeira humanidade, o verdadeiro humanismo de Jesus. Mas é obvio este gesto tem várias dimensões, não corresponde só a este momento: concerne a toda a história. Em João, Jesus confia a todos nós, a toda a Igreja, a todos os futuros discípulos a sua mãe e sua mãe a nós. E isto se cumpriu ao longo da história: a humanidade e os cristãos entenderam cada vez mais que a mãe de Jesus é sua mãe. “E cada vez mais pessoas se confiaram à sua Mãe: basta pensar nos grandes santuários, nesta devoção à Maria, onde cada vez mais o povo sente: Esta é a Mãe.” E inclusive alguns que quase têm dificuldade para chegar a Jesus em sua grandeza do Filho de Deus, confiam-se à Mãe sem dificuldade. Alguns dizem: Mas isso não tem fundamento bíblico. Aqui eu gostaria de responder com São Gregório Magno: À medida que se lê - diz - crescem as palavras da Escritura." Quer dizer, desenvolvem-se na realidade, crescem , e cada vez mais na história se difunde esta Palavra. Todos podemos estar agradecidos porque a Mãe é uma realidade, a todos deram uma mãe. E podemos nos dirigir com muita confiança a esta mãe, que para cada cristão é sua Mãe. Por outro lado a Mãe é também expressão da Igreja. Não podemos ser cristãos sozinhos, com um cristianismo construído segundo minhas idéias. A Mãe é imagem da Igreja, da Mãe Igreja e confiando-nos a Maria, também temos que confiar-nos à Igreja, viver a Igreja, ser Igreja com Maria. Chego agora ao tema da consagração: os papas - Pio XII, Paulo VI e João Paulo II - fizeram um grande ato de consagração à Virgem Maria e acredito que , como gesto ante a humanidade, diante de Maria mesmo, foi muito importante. Eu acredito que agora seja importante interiorizar esse ato, deixar que nos penetre, para realizá-lo em nós mesmos. Por isso visitei alguns dos grandes santuários marianos do mundo: Lourdes, Fátima, Czestochowa, Altötting , sempre com o fim de fazer concreto, de interiorizar esse ato de consagração, para que seja realmente nosso ato. Acredito que o ato grande, público, já foi feito. Talvez algum dia se deverá repeti-lo, mas no momento me parece mais importante vivê-lo, realizá-lo, entrar nesta consagração para fazê-la nossa verdadeiramente. Por exemplo, em Fátima, percebia como os milhares de pessoas presentes eram conscientes dessa consagração, confiaram-se, encarnando-a em si mesmos, para si mesmos. Assim essa consagração se faz realidade na Igreja viva e assim cresce também a Igreja. A entrega a Maria, que todos nos deixemos penetrar e formar por essa presença, o entrar em comunhão com Maria, faz-nos Igreja, faz-nos, junto com Maria, realmente esposa de Cristo. De modo que, pelo momento, não tenho intenção de uma nova consagração pública, mas sim gostaria de convidar a todos a incorporar-se a essa consagração que já está feita, para que a vivamos verdadeiramente dia após dia e cresça assim uma Igreja realmente Mariana que é Mãe e Esposa e Filha de Jesus.