Vaticano, 11 de mai de 2011 às 15:32
Na Audiência Geral desta quarta-feira celebrada na Praça de São Pedro, o Papa Bento XVI explicou que a oração é a expressão do desejo que possui toda pessoa de Deus, e é ao mesmo tempo um desafio “pois nela o homem toma consciência de si mesmo e de sua situação ante Deus”.
A seguir ACI Digital oferece uma tradução na íntegra do texto da catequese desta manhã proferida em italiano:
Queridos irmãos e irmãs:
Hoje queria seguir refletindo sobre como a oração e o sentido religioso fazem parte do homem ao longo de toda sua história.
Vivemos em uma época em que são evidentes os sinais do secularismo. Deus parece ter desaparecido de vários ou parece haver-se convertido em uma realidade ante a qual se permanece indiferente. Entretanto, vemos ao mesmo tempo, muitos sinais que nos falam de um despertar do sentido religioso, um redescobrimento da importância de Deus para a vida do homem, uma exigência de espiritualidade, de superar uma visão puramente horizontal, uma visão material da vida humana.
Olhando a história recente, aprecia-se que fracassou a previsão de quem, desde a época do Iluminismo, antecipou o desaparecimento das religiões e exaltou uma razão absoluta, separada da fé, uma razão que teria feito desaparecer as trevas dos dogmatismos religiosos e dissolvido o ‘mundo do sagrado’ restituindo ao homem sua liberdade, sua dignidade e sua autonomia de Deus.
A experiência do último século, com as duas trágicas Guerras mundiais pôs em crise aquele progresso que a razão autônoma, o homem sem Deus, parecia poder garantir.
O Catecismo da Igreja Católica afirma: "Pela criação, Deus chama todos os seres do nada à existência... Mesmo depois de, pelo pecado, ter perdido a semelhança com Deus, o homem continua a ser à imagem do seu Criador. Conserva o desejo d'Aquele que o chama à existência. Todas as religiões testemunham esta busca essencial do homem" (n 2566).
Podemos dizer –como mostrei na última catequese– que não houve nenhuma grande civilização, desde os tempos mais longínquos até nossos dias, que não tenha sido religiosa.
O ser humano é religioso por natureza, é homo religiosus como é homo sapiens e homo faber: "o desejo de Deus –afirma também o Catecismo– está inscrito no coração do homem, porque o homem foi criado por Deus e para Deus" (n. 27).
A imagem do Criador está impressa em seu ser e sente a necessidade de encontrar uma luz para dar uma resposta às interrogantes sobre o sentido profundo da realidade; uma resposta que não pode encontrar em si mesmo, no progresso, na ciência empírica.
O homo religiosus não emerge só dos mundos antigos, ele atravessa toda a história da humanidade. Por este motivo, o rico terreno da experiência humana viu surgir variadas formas de religiosidade, no intento de responder ao desejo de plenitude e de felicidade, à necessidade de salvação, à busca de sentido.
Tanto o homem "digital" como o das cavernas, procura na experiência religiosa o caminho para superar sua finitude e para assegurar sua precária aventura terrena. De resto, a vida sem um horizonte transcendente não teria um sentido definido e a felicidade, à que todos tendemos, é projetada espontaneamente para o futuro, em um amanhã que ainda está por cumprir-se.
O Concílio Vaticano II, na declaração Nostra aetate, sublinhou-o sinteticamente: "Os homens esperam das diversas religiões resposta para os enigmas da condição humana, os quais, hoje como ontem, profundamente preocupam seus corações: que é o homem? qual o sentido e a finalidade da vida? que é o pecado? donde provém o sofrimento, e para que serve? qual o caminho para alcançar a felicidade verdadeira? que é a morte, o juízo e a retribuição depois da morte? finalmente, que mistério último e inefável envolve a nossa existência, do qual vimos e para onde vamos" (n.1).
O homem sabe que não pode responder por si mesmo à necessidade fundamental de entender. Inclusive se for iludido e se ilude sendo auto-suficiente, tem a experiência de não bastar-se a si mesmo. Tem necessidade de abrir-se ao outro, a alguma coisa ou alguém, que possa dar-lhe o que lhe falta, deve sair de si mesmo rumo Àquele que está em capacidade de preencher a amplitude e profundidade de seu desejo.
O homem leva em si uma sede de infinito, uma nostalgia de eternidade, uma busca de beleza, um desejo de amor, uma necessidade de luz e de verdade, que o dirigem para o Absoluto, o homem leva em si o desejo de Deus. E o homem sabe, de qualquer forma, que pode dirigir-se a Deus, sabe que pode rezar a Ele.
Santo Tomás de Aquino, um dos maiores teólogos da história, define a oração como a "expressão do desejo que o homem tem de Deus". Esta atração para Deus, que Deus mesmo pôs no homem, é a alma da oração, que se reveste logo depois de muitas formas e modalidades segundo a história, o tempo, o momento, a graça e apesar do pecado de cada orante.
A história do homem conheceu, em efeito, variadas formas de oração, porque ele desenvolveu diversas modalidades de abertura para o Outro, tanto assim que podemos reconhecer a oração como uma experiência presente em toda religião e cultura.
De fato, queridos irmãos e irmãs, como vimos na quarta-feira passada, a oração não está vinculada a um contexto particular, mas está inscrita no coração de toda pessoa e de toda civilização. Naturalmente, quando falamos da oração como experiência do homem assim como tal, do homo orans, é necessário ter presente que esta é uma atitude interior, antes que uma série de práticas e fórmulas, é um modo de ser ante Deus antes que o cumprimento de atos de culto ou pronunciar palavras.
A oração tem seu centro e se funda nas raízes do mais profundo da pessoa, por isso não é facilmente decifrável e, pelo mesmo motivo, pode estar sujeita a maus entendidos e mistificações.
Também neste sentido podemos entender a expressão: rezar é difícil. De fato, a oração é o lugar por excelência da gratuidade, da tensão para o Invisível, o Inesperado e o Inefável. Por isso, a experiência da oração é para todos um desafio, uma "graça" a ser invocada, um dom daquele a quem nos dirigimos.
Na oração, em toda época da história, o homem se considera a si mesmo e sua situação ante Deus, a partir de Deus e em ordem a Deus, e experimenta ser uma criatura necessitada de ajuda, incapaz de procurar por si mesmo o cumprimento da própria existência e da própria esperança.
O filósofo Ludwig Wittgenstein recordava que "rezar significa sentir que o sentido do mundo está fora do mundo". Na dinâmica desta relação que quem dá sentido à existência, com Deus, a oração tem uma de suas típicas expressões no gesto de ajoelhar-se. É um gesto que leva consigo uma radical ambivalência: de fato, posso ser obrigado a me ajoelhar –condição de indigência e escravidão– mas posso também me ajoelhar espontaneamente, declarando meu limite e assim, o meu ter necessidade de um Outro. Declaro-lhe ser fraco, necessitado, "pecador".
Na experiência da oração a criatura humana expressa toda sua consciência de si, tudo o que consegue captar da própria existência e, ao mesmo tempo, dirige-se toda ela para o Ser ante o qual está, orienta a própria alma àquele Mistério do qual se espera o cumprimento dos desejos mais profundos e a ajuda para superar a indigência da própria vida. Neste olhar um Outro, neste dirigir-se "além de" está a essência da oração, como experiência de uma realidade a superar o sensível e o contingente.
Entretanto somente em Deus que se revela a busca do homem encontra pleno cumprimento. A oração que é abertura e elevação do coração a Deus, converte-se assim em relação pessoal com Ele.
E mesmo se o homem esquecer o seu Criador, o Deus vivo e verdadeiro não deixa de chamá-lo primeiro ao misterioso encontro da oração. Como afirma o Catecismo: "Na oração, é sempre o amor do Deus fiel a dar o primeiro passo; o passo do homem é sempre uma resposta. A medida que Deus Se revela e revela o homem a si mesmo, a oração surge como um apelo recíproco, um drama de aliança. Através das palavras e dos actos, este drama compromete o coração e manifesta-se ao longo de toda a história da salvação". (N. 2567).
Queridos irmãos e irmãs, aprendamos a passar mais tempo ante Deus, ante Deus que se revelou em Jesus Cristo, aprendamos a reconhecer no silêncio, dentro de nós mesmos, sua voz que nos chama e nos reconduz à profundidade de nossa existência, à fonte da vida e a salvação, para superar o limite de nossa vida e nos abrirmos à medida de Deus, à relação com Ele, que é Infinito Amor. Obrigado".
No fim da Catequese, o Papa fez uma saudação aos grupos de brasileiros presentes na Praça e concedeu a todos a sua benção apostólica.
“Amados peregrinos de língua portuguesa, sede bem-vindos! A todos saúdo com grande afeto e alegria, particularmente aos fiéis brasileiros vindos das paróquias em Goiânia e Teresópolis, e aos grupos da Família Franciscana e de Schoenstatt. Aprendei a reconhecer no vosso íntimo a voz de Deus que, na oração, chama à profundidade da vossa existência, à fonte da vida e da salvação. Que Ele vos abençoe a vós e as vossas famílias!”.