Roma, 19 de dez de 2011 às 13:58
O Papa Bento XVI respondeu na prisão de Rebibbia em Roma uma série de perguntas dos presidiários. Respondendo à pergunta de um réu que sofre de AIDS sobre a forma em que algumas pessoas se referem a eles, o Santo Padre disse que também há quem fale mal do Papa, porém isso não deve desanimar-nos mas levar-nos a seguir adiante.
A seguir apresentamos uma síntese das perguntas dos reclusos e as respostas do Papa às mesmas apresentadas hoje pelo Vatican Information Service:
Pergunta 1 – situação das prisões italianas
Chamo-me Rocco. Antes de tudo, gostaria de manifestar o nosso e o meu agradecimento pessoal por esta visita que nos é muito apreciada e assume, em um momento tão dramático para os cárceres italianos, um grande conteúdo de solidariedade, humanidade e conforto. Desejo perguntar a Sua Santidade se este seu gesto será compreendido na sua simplicidade, também por nossos políticos e governantes, a fim de que seja restituída aos últimos, incluindo os detentos, a dignidade e a esperança que devem ser reconhecidas a todos os seres viventes. Esperança e dignidade indispensáveis para retomar o caminho rumo a uma vida digna de ser vivida.
Resposta
Obrigado pelas suas palavras. Sinto o seu afeto pelo Santo Padre, e sou comovido por esta amizade que sinto de todos vós. E gostaria de dizer que penso com frequência em vós e rezo sempre por vós, porque sei que estão em uma condição muito difícil que, muitas vezes, ao invés de ajudar a renovar a amizade com Deus e com a humanidade, torna a situação ainda pior, também no íntimo. Venho, sobretudo, para mostrar-vos a minha proximidade pessoal e íntima, na comunhão com Cristo, que vos ama, como disse. Mas certamente esta visita, que desejei ser pessoal a vós, é também um gesto público que lembra aos nossos cidadãos, ao nosso governo, o fato de que há grandes problemas e dificuldades nas prisões italianas. E, certamente, o sentido dessas prisões é precisamente ajudar a justiça, e a justiça implica como primeiro fato a dignidade humana. Portanto, devem ser construídas de tal modo que cresça a dignidade, que seja respeitada a dignidade e vós possais renovar em vós mesmos o sentido de dignidade, a fim de responder melhor a essa vocação íntima. Ouvimos a ministro da Justiça, ouvimos como sente convosco, como sente toda a vossa realidade e, assim, podemos estar confiantes de que nosso governo e os responsáveis farão o possível para melhorar esta situação, para ajudar-vos a encontrar realmente, aqui, uma boa realização de uma justiça que vos ajude a retornar à sociedade com toda a convicção da vossa vocação humana e com todo o respeito que exige a vossa condição humana. Portanto, eu, enquanto posso, gostaria sempre de dar sinais de o quanto é importante que essas prisões respondam ao seu sentido de renovar a dignidade humana e não de atacar essa dignidade, e de melhorar sua condição. E esperamos que o governo tenha a oportunidade e todas as possibilidades de responder a esta vocação. Obrigado.
Pergunta 2 – intercessão pelo sofrimento
Chamo-me Omar. Santo Padre, gostaria de perguntar-lhe um milhão de coisas, que sempre pensei, mas hoje, que posso, torna-se difícil para mim fazer-lhe uma pergunta. Estou emocionado por este evento, pois a sua visita aqui no cárcere é um fato muito forte para nós, detidos cristãos católicos, e, por isso, mais que uma pergunta, prefiro pedir-lhe que leve consigo o nosso sofrimento e o dos nossos familiares, como um cabo elétrico que se comunica com o Senhor Nosso. Amo-te.
Resposta
Também eu te amo, e sou grato por estas palavras, que tocam meu coração. Penso que essa minha visita mostra que eu gostaria de seguir as palavras do Senhor que me tocam sempre, onde diz, como li no meu discurso, no juízo final: " visitastes-me na prisão e era eu que vos esperava". Essa identificação do Senhor com os prisioneiros exige profundamente de nós e eu mesmo devo me perguntar: Agi de acordo com esse imperativo do Senhor? Tive presente essa palavra do Senhor? Essa é uma razão pela qual eu vim, porque sei que o Senhor está esperando por mim em vós, que tendes necessidade desse reconhecimento humano que tendes necessidade dessa presença do Senhor que, no Juízo Final, pergunta-nos exatamente sobre esse ponto e, por isso, espero que sempre mais possa, aqui, ser realizado o verdadeiro propósito dessas penitenciárias, de ajudar a reencontrar a si mesmo, de ajudar e continuar adiante consigo mesmo, na reconciliação consigo mesmo, com os outros, com Deus, para entrar de novo na sociedade e ajudar na progresso da humanidade. O Senhor vos ajudará. Nas minhas orações, estou sempre convosco. Sei que, para mim, é uma obrigação particular rezar por vós, puxá-los, por assim dizer, ao Senhor, no alto, porque o Senhor, através da nossa oração, ajuda a oração, é uma realidade. Exorto também todos a rezar, como um grande cordão, por assim dizer, que vos puxa para o Senhor e nos une entre nós, porque andando rumo ao Senhor somos também ligados entre nós. Estais seguros dessa força da minha oração e convido também os outros a unir-se convosco na oração e, assim, encontrar uma espécie de corda que segue rumo ao Senhor.
Pergunta 3 – retorno à família
Chamo-me Alberto. Santidade, parece-vos justo que, após ter perdido um a um todos os membros da minha família, agora que sou um homem novo, e há um mês papai de uma esplêndida menina de nome Gaia, não me concedam a possibilidade de voltar á casa, apesar de ter amplamente pago a dívida com a sociedade?
Resposta
Antes de tudo, parabéns! Sou feliz porque sois pai, que se considere um homem novo e que tenha uma esplêndida filha: isso é um dom de Deus. Eu, naturalmente, não conheço os detalhes do seu caso, mas espero que o quanto antes possa retornar para a sua família. Vós sabeis que, para a doutrina da Igreja, a família é fundamental, é importante que o pai possa ter a filha em seus braços. E, assim, rezo e espero que o quanto antes possa ter realmente nos braços a sua filha, estar com sua mulher e sua filha para construir uma bela família e, assim, colaborar com o futuro da Itália.
Pergunta 4 – presos são mal-vistos pela sociedade em geral
Santidade, sou Federico, falo em nome das pessoas detidas no G14, que é o setor da enfermaria. O que podem pedir os homens detidos, doentes e soropositivos ao Papa? Ao nosso Papa, já agravado pelo peso de todos os sofrimentos do mundo, pedem que reze por eles? Que lhes perdoe? Que lhes tenha presente no seu grande coração? Sim, é isso que nós queremos pedir, mas, sobretudo, que levasse a nossa voz onde não é ouvida. Estamos ausentes das nossas famílias, mas não na vida, caímos e, nas nossas quedas, fizemos mal aos outros, mas estamos nos levantando.
Pouco se fala de nós, na maioria das vezes de modo tão feroz, como que a querer eliminar-nos da sociedade. Isso faz-nos sentir subumanos. Vós sois o Papa de todos e nós rezamos para que não seja dilacerada a nossa dignidade, juntamente com a liberdade. Para que não seja mais dado assumido que recluso queira dizer excluído para sempre. A sua presença é, para nós, uma honra grandíssima! Os nossos mais queridos votos pelo Santo Natal, a todos.
Resposta
Sim, me haveis dito palavras memoráveis, caímos, mas estamos aqui para reerguer-nos. Isso é importante, essa coragem de levantar-se, de andar adiante com o auxílio do Senhor e com o auxílio de todos os amigos. Vós também dissestes que se fala de modo feroz sobre vós, infelizmente é verdade, mas gostaria de dizer não somente isso, há também outros que falam bem de vós e pensam em vós. Penso na minha pequena família papal – sou circundado por quatro consagradas leigas – e falamos frequentemente sobre esse problema, pois elas têm amigos em diversos cárceres. Recebemos também presentes deles e retribuímos esses dons. Portanto, essa realidade está presente de modo muito positivo na minha família e, penso, em tantas outras. Devemos suportar que alguns falem de modo feroz, falam de modo feroz também contra o Papa e ainda assim seguimos em frente. Parece-me importante encorajar a todos a pensar bem, que tenham o sentido dos vossos sofrimentos, tenham a sensação de ajudar no processo de reerguimento e eu farei a minha parte para convidar a todos a pensar de modo justo, não depreciativo, mas humano, pensando que qualquer um pode cair, mas Deus quer que todos cheguem a Ele. Devemos cooperar com o espírito de fraternidade e de reconhecimento também da própria fragilidade, para que possais realmente vos levantar e seguirdes em frente com dignidade e encontreis sempre respeitada a vossa dignidade, para que cresça e possam, assim, também encontrar a alegria na vida, porque a vida nos é dada pelo Senhor e com a sua ideia. E, se reconhecemos essa ideia do Deus que está conosco, também os passos obscuros têm o seu sentido, para dar-nos mais conhecimento sobre nós mesmos, para ajudar e tornarmo-nos mais nós mesmos, mais filhos de Deus e, assim e realmente, sermos felizes por sermos homens, porque criados por Deus também em diversas condições difíceis. O Senhor vos ajudará e nós estamos próximos a vós.
Pergunta 5 – absolvição dos pecados
Chamo-me Gianni, da Seção G8. Santidade, foi-me ensinado que o Senhor vê e lê o nosso interior. Pergunto-me porque a absolvição foi delegada aos padres? Se eu a pedisse de joelhos, sozinho, dentro de um quarto, dirigindo-me ao Senhor, me absolveria? Ou seria uma absolvição com um valor diferente? Qual seria a diferença?
Resposta
Sim: é uma grande e verdadeira questão aquela que me coloca. Eu diria duas coisas. A primeira: naturalmente, se vos coloca de joelhos e com verdadeiro amor a Deus reza para que Ele vos perdoe, Ele perdoa. Sempre foi Doutrina da Igreja que, se alguém, com verdadeiro arrependimento, isto é, não somente para evitar as penas e dificuldades, mas por amor ao bem, por amor a Deus, pede perdão, recebe o perdão de Deus. Essa é a primeira parte. Se eu realmente reconheço que fiz o mal e se, em mim, é reavivado o amor pelo bem, a vontade do bem, o arrependimento de não ter respondido a esse amor, e peço a Deus, que é o Bem, o perdão, Ele o dá. Mas há um segundo elemento: o pecado não é somente algo "pessoal", individual, entre mim e Deus; o pecado tem sempre também uma dimensão social, horizontal. Com o meu pecado pessoal, no entanto, ainda que ninguém saiba sobre ele, danifiquei também a comunhão com a Igreja, suja a comunhão com a Igreja, suja a humanidade. E, por isso, essa dimensão social, horizontal do pecado, exige que seja absolvido também no nível da comunidade humana, da comunidade da Igreja, quase corporalmente. Então, essa segunda dimensão do pecado, que não é somente contra Deus, mas concerne também a comunidade, exige o sacramento, que é o grande dom em que posso, na confissão, libertar-me disso e posso realmente receber o perdão no sentido também de uma plena readmissão na comunidade da Igreja viva, do Corpo de Cristo. E assim, nesse sentido, a absolvição requerida da parte do sacerdote, o sacramento, não é uma imposição que limita a bondade de Deus, mas, ao contrário, é uma expressão da bondade de Deus, porque me demonstra que também concretamente, na comunhão da Igreja, recebi o perdão e posso recomeçar de novo. Portanto, diria que é preciso manter presentes estas duas dimensões: a vertical, com Deus, e a horizontal, com a comunidade da Igreja e da humanidade. A absolvição do padre, a absolvição sacramental é necessária para, realmente, resolver-me, absolve-me desta prisão do mal e reintegrar-me na vontade de Deus, na óptica de Deus, completamente na sua Igreja, e dar-me a certeza, também quase corpórea, sacramental: Deus me perdoa, recebe-me na comunidade dos seus filhos. Penso que devemos aprender a compreender o sacramento da penitência neste sentido: a possibilidade de encontrar, quase corporalmente, a bondade do Senhor, a certeza da reconciliação.
Pergunta 6 – oração dos pobres
Santidade, chamo-me Nwaihim, seção G11. Santo Padre, no mês passado, esteve em visita pastoral à África, na pequena nação do Benin, uma das nações mais pobres do mundo. Vi a fé e a paixão desses homens por Jesus Cristo. Já vi pessoas sofrerem por causas diversas: racismo, fome, trabalho infantil... Pergunto-vos: eles colocam a esperança e a fé em Deus e morrem em meio à pobreza e violência. Por que Deus não lhes escuta? Será que Deus escuta somente aos ricos e poderosos que, ao contrário, não tem fé? Obrigado, Santo Padre.
Resposta
Deixe-me começar por dizer que fiquei muito feliz em vossa terra; a recepção por parte dos africanos foi muito calorosa, senti essa cordialidade humana que, na Europa, é um pouco obscurecida porque temos tantas outras coisas sobre nosso coração que tornam um pouco mais duro também o coração. Foi uma cordialidade exuberante, por assim dizer; senti também a alegria de viver, e essa foi uma das impressões belas para mim, que, apesar de toda a pobreza e todos os grandes sofrimentos que também vi – cumprimentei leprosos, vítimas da Aids, etc –, há uma alegria de viver uma alegria de ser uma criatura humana, porque há uma consciência original de que Deus é bom e me ama e o homem é ser amado por Deus. Portanto, essa foi para mim, digamos, a impressão preponderante, forte; ver em um país que sofre alegria, mais do que nos países ricos. E isso também me faz pensar que, nos países ricos, a alegria está muitas vezes ausente, estamos todos totalmente ocupados com muitos problemas: como fazer isso, como conservar isso, comprar de novo... E com a massa das coisas que temos, somos cada vez mais afastados de nós mesmos e desta experiência original de que Deus existe e é próximo a mim; e, por isso, diria que ter grande propriedade e ter poder não torna necessariamente alguém feliz, não é o maior presente. Também podem ser, digamos, algo ruim, que me impede de viver verdadeiramente. As medidas de Deus, os critérios de Deus, são diferentes dos nossos, Deus dá também a esses pobres alegria, o reconhecimento da sua presença, faz sentir que é próximo também no sofrimento, dificuldades, e, naturalmente, chama-nos a todos para que façamos todo o possível para sair dessas escuridão das doenças, da pobreza. É tarefa nossa e assim, ao fazer isso, também nós podemos nos tornar mais alegres. Portanto, as duas partes devem completar-se, nós devemos também ajudar para que também a África, esses países pobres, possam encontrar a superação desses problemas, da pobreza, ajudá-los a viver, e que eles possam ajudar-nos a compreender que as coisas materiais não são a última palavra. E devemos rezar a Deus: mostra-nos, ajuda-nos, para que haja justiça, para que todos possam viver na alegria de ser teus filhos!
Terminadas as perguntas um presidiário leu uma prece que tinha composto, chamada "Oração atrás das grades", na qual pedia a Deus que "encurte as noites de insônia" e dizia: "Recorda-te, Pai, daqueles que estão fora daqui e que ainda me querem bem, para que, pensando neles, recorde-me que somente o amor dá vida, enquanto o ódio destrói e o rancor transforma em inferno as longas e intermináveis jornadas. Recorda-te de mim, ó Deus. Amém!
Depois o Papa rezou junto com os presidiários o Pai Nosso e ao sair da igreja abençoou um cipreste plantado no pátio como lembrança de sua visita.