ROMA, 19 de fev de 2013 às 09:30
Peter Seewald, o jornalista alemão que escreveu o livro-entrevista com o Papa Bento XVI publicado com o título de “Luz do mundo”, assinaloou ontem em um artigo no jornal italiano Il Corriere della Sera, onde descreve o Santo Padre como um pensador e um fie radical, cuja humilde espada é a simplicidade do amor.
“Um pensador radical, esta era minha impressão, e um crente radical que ainda na radicalidad de sua fé não toma a espada, mas outra arma muito mais potente: a força da humildade, da simplicidade e do amor”, escreve.
Para o jornalista, a pesar do cansaço, Bento XVI é um homem de paradoxos, vontade inquebrável, linguagem singela, voz forte, mansidão e rigor.
“Pensa muito bem, mas dispõe atenção aos detalhes. Encarna uma nova inteligência para reconhecer e revelar os mistérios da fé. É um teólogo, mas defende a fé do povo ante a religião dos acadêmicos... Um pensador que reza, e para quem, os mistérios de Cristo representam a realidade determinante da criação e da história do mundo”.
“Um amante do homem que, ante a pergunta de quantos caminhos levam a Deus, não duvida em responder: ‘Há tantos quanto os homens”.
Ninguém antes do Papa deixou ao povo de Deus uma obra tão imponente sobre Jesus –acrescenta- referindo-se à trilogia Jesus de Nazaré.
“É o maior teólogo alemão de todos os tempos”, categorizou.
Seewald assinala que a última entrevista que manteve com o Pontífice, foi há dez semanas no Palácio Apostólico, com o propósito de prosseguir a reconstrução de sua biografia. Naquela ocasião falaram, entre outras coisas, sobre a relação de Bento XVI com seus pais; de quando dissertou do exército hitleriano; e dos discos que escutava para aprender idiomas.
Durante o encontro, recorda que notou ao Santo Padre mais cansado do habitual, “a audição tinha diminuído, já não via do olho esquerdo, e o corpo se estava emagrecendo”, e “se tornou muito delicado, ainda mais amável e humilde, totalmente reservado. Não parecia doente, mas o cansaço que se apoderou de sua pessoa, corpo e alma, não podia ser ignorado por mais tempo”, acrescenta.
A primeira entrevista que uniu ambos, foi em novembro de 1992, na sede da Congregação para a Doutrina da Fé, quando o Papa ainda era o Cardeal Ratzinger.
Seewald explica que se precaveu desde o começo de sua sensibilidade sobre o conceito atual de progresso: “perguntava-se sobre se realmente se podia medir a felicidade do homem em função do produto interno bruto”, escreve.
Quatro anos depois, tiveram várias jornadas de trabalho para falar sobre o projeto de um livro dedicado à fé, à Igreja, ao celibato, entre outros temos; e explica que em sua atitude, sempre demonstrou um traço de humildade.
“Meu interlocutor não caminhava pela habitação dando voltas como costumam fazer os professores. Não havia nele o mais mínimo traço de vaidade, nem de presunção”. Além disso, o Papa “sempre levou a vida modesta de um monge, o luxo lhe era estranho e era completamente indiferente a um ambiente com um conforto superior ao estritamente necessário”, afirma.
“Impressionava-me sua superioridade, o pensamento que não ia de acordo ao passado do tempo e ao mesmo tempo, deixava-me surpreso de escutar as respostas pertinentes aos problemas de nossos tempos que aparentemente não tinham virtualmente solução, extraídos de grande tesouro de revelação, da inspiração dos Padres da Igreja e das reflexões desse guardião da fé que se sentava ante mim”, relata.
Os Vatileaks não foram motivo de renúncia para o Papa
O escritor explicou que também entrevistou o Papa em agosto passado em sua residência do verão de Castel Gandolgo, onde falaram sobre a fuga de documentos de caráter privado do Vaticano, mais conhecido como o caso Vatileaks.
“Este evento não fez que o Papa perdesse a bússola, nem lhe fez sentir o cansaço do seu cargo, ‘porque isto sempre pode acontecer’. O importante para ele era que durante o caso no Vaticano, se garantisse a independência do poder judicial, e que o monarca não possa dizer: eu me encarrego disto!'”, escreve Seewald.
“Não me deixo levar por uma espécie de desespero ou de dor universal”, “simplesmente me parece incompreensível. Inclusive tendo em conta a pessoa –Paolo Gabriele, ex-mordomo de Papa–, não entendo o que esperava. Não consigo entender sua psicologia”, disse Bento XVI em referência a seu ex-mordomo processado, condenado e posteriormente perdoado pelo Papa pelo caso Vatileaks.
Ante sobre que se podia esperar de seu pontificado, o Papa respondeu ao Seewald “De mim? Do meu (pontificado) não muito. Sou um homem ancião e as forças estão me abandonando. Acredito que basta o que tenho feito”, em referência a um hipotético retiro, acrescentou “depende do que me imponha minha energia física”.
Pequenos detalhes que comportam uma profunda mensagem
O escritor destaca também que o Papa é um homem de pequenos detalhes que encerram uma profunda mensagem. Como por exemplo que seu primeiro ato fosse uma carta dirigida à comunidade judia; que tirasse a tiara de seu emblema, símbolo do poder terrestre da Igreja; ou que nos sínodos para os bispos pedisse falar também com os hóspedes de outras religiões.
“Pela primeira vez um Papa visitou uma sinagoga alemã, e pela primeira vez um Papa visitou o mosteiro de Martin Lutero, um ato histórico sem igual”, adverte.
Outra mensagem é a supressão de beijar a mão ao Pontífice. Em uma ocasião, “um ex-aluno seu se ajoelhou para beijar-lhe o anel, tirou-o do braço e lhe disse: ‘comportemo-nos normalmente’, escreve assombrado Seewald.
Peter Seewald considera que Bento XVI é um homem de tradição, confia naquilo que está consolidado, mas sabe distinguir entre o que é verdadeiramente eterno e o que é válido só pela época em que saiu à luz.
“E se for necessário, como no Caso da Missa Tridentina, une o antigo ao novo, para que unidos não se reduza o espaço litúrgico, mas na verdade se amplie”, adiciona.
Para Seewald, o Papa foi apresentado pela imprensa internacional como um persecutor quando na verdade foi um perseguido, uma espécie de “bode expiatório ao qual atribuir qualquer injustiça”, assinala.
“Entretanto, ninguém jamais o escutou lamentar-se. Ninguém escutou dizer uma palavra maldosa ou um comentário negativo sobre outras pessoas”.
Bento XVI “se vai, mas seu legado permanece. O sucessor deste muito humilde Papa da era moderna seguirá seus passos. Terá outro carisma, seu próprio estilo, mas uma mesma missão… incentivar aqueles que unem o patrimônio da fé, que permanecem valentes, anunciam uma mensagem, e dão testemunho autêntico”, conclui.