CARACAS, 20 de fev de 2014 às 11:26
Uma jornalista e mãe de família venezuelana compartilhou a experiência do profundo drama que a Venezuela atravessa nestes dias, entre os multitudinários protestos pacíficos de estudantes e as violentas repressões do governo.
Em um artigo publicado hoje no jornal El Universal, María Denisse Capriles recordou que em um dos cartazes que os jovens venezuelanos usaram durante as passeatas se lê “nos tiraram tanto, que acabaram tirando-nos o medo”, e assegurou que os jovens que hoje protestam contra o governo perderam o medo à morte.
“Eu nunca pensei viver o que estou vivendo nestes momentos. Quando era estudante de jornalismo queria ser repórter de guerra, e nunca tive medo à morte. Hoje eu gostaria de mudar-me por causa dos meus filhos e não sofrer a angústia que possam matar a algum deles nas ruas. Mas isso não é possível, o que estamos vivendo é quase como o que vemos nos filmes, coisas que ninguém nunca imaginou viver”.
Até a data, a repressão do governo contra os estudantes cobrou cinco vítimas mortais. A mais recente delas é Génesis Carmona, Miss Turismo 2013, de apenas 22 anos, que recebeu um tiro na cabeça durante uma manifestação em 18 de fevereiro, e faleceu ontem ao meio dia.
María Denisse Fanianos de Capriles assegurou que “todas as mães venezuelanas sabem que há anos ficamos com o coração apertado, e começamos a rezar, cada vez que nos despedimos de nossos filhos para que Deus os proteja da delinquência”.
“Passamos noites acordadas esperando vê-los entrar pela porta. E até que não a fecham e passam a chave, não podemos descansar. Quando eram pequenos era muito fácil, os colocávamos no berço ou na cama e santa paz, mas quando passam dos 16 a coisa é muito diferente”.
A violência e os crimes no país não deixaram de crescer. No sábado passado, 15 de fevereiro, dois menores que tinham entre 13 e 15 anos entraram no colégio Dom Bosco de Valência e assassinaram a um sacerdote e a um religioso, ambos salesianos. As autoridades suspeitam que tenha sido um roubo.
A jornalista assinalou que os venezuelanos “fomos acostumando-nos a ter muito trabalho, a sofrer, a chorar de impotência, a ser desprendidos até do indispensável, a ter muita paciência... Isso fez-nos fortes, muito fortes!”.
“E hoje me dou conta que os nossos filhos absorveram tudo isso. Nossos jovens estão demonstrando uma fortaleza tão impressionante que nunca acreditei que fosse ver algo parecido. Mas penso que o que nunca podemos acostumar-nos é que nos matem um filho. A pessoa pode leva-lo com fortaleza, mas que difícil é isso meu Deus!”.
María Denisse assinalou que agora entende que “meus filhos, e muitos filhos da Venezuela, não têm nem medo à morte, porque eles sabem que isto aqui é um passo, e que logo lhes chegará a grande recompensa, porque viveram diante de Deus e deixaram semeadas boas coisas nesta terra”.
“No dia 12 de fevereiro, quando os meus meninos foram sozinhos para a concentração, estavam particularmente emocionados. Com as suas duas garrafinhas de água, um celular para comunicar-nos e tirar fotos, a carteira de identidade no bolso e a graça de Deus. Era tudo o que levavam”, recordou.
“Eu os abracei com força e me despedi deles (novamente) como se fosse a última vez. Mas desta vez foi diferente porque saíam para defender a sua Venezuela”.
Seus filhos, recordou, “como às duas da tarde chegaram direto à cozinha para almoçar porque vinham mortos de fome. Minutos mais tarde, quando estávamos vendo a reportagem do RTN Notícias, ficamos sabendo que um jovem tinha morrido no mesmo lugar onde eles tinham estado minutos antes, isso me deu uma dor de cabeça terrível. Logo o sinal deste canal foi cortado. Fui para a cama cedo porque estava esgotada e comecei a rezar”.
“No dia 13 de madrugada quando me levantei para revisar o Twitter porque é o único que nos resta para informar-nos, o primeiro que vi foi a foto de Roberto Redman que dizia: ‘Amava Ávila e seu país, e morreu por ele’. Comecei a chorar desconsolada porque senti como se ele fosse meu filho, porque agora todos os filhos da Venezuela os sinto como meus. E é que de tanto sofrer o nosso coração se torna gigante. E como me dizia uma amiga a quem lhe contei o que senti nesse momento: ‘Chora amiga, que as lágrimas são a oração dos olhos’”.
A jornalista venezuelana assegurou que “não é nada fácil estar na nossa pele. Estamos sofrendo muito, mas ao mesmo tempo estamos felizes porque sabemos que se não lutarmos pelo nosso país e ‘gritamos que é de todos’ (como dizia minha amiga cubana) o vamos perder definitivamente”.
“O que me impressiona muito é a coragem que os nossos jovens mostraram. Meu marido e eu nos sentamos várias vezes com eles para explicar-lhes que o protesto é bom sempre que for pacífico; e que é necessário ser muito prudentes porque os grupos armados têm armas até nos dentes e disparam a quem seja, como seja e onde seja”.
A jornalista reconheceu que inicialmente, “como mãe que sou, tentei que os meus meninos não saíssem, mas isso é impossível”.
“Uma amiga me contava que seu filho lhe gritava: ‘Eu saio, queira ou não queira, eu tenho que defender o meu país’. Isso acontece porque eles estão cansados, estão fartos de ver tanta mentira, ineficácia, corrupção, injustiça. Estão fartos de sofrer e de nos ver sofrer! Eles também veem em nós tantos cabelos brancos e ‘rugas aceleradas’ (como disse Henrique Capriles), que temos por causa de tanto trabalho, tanta dor e tanta angústia”.
“Aos meus amados jovens venezuelanos digo algo: hoje mais que nunca estou imensamente orgulhosa de sua geração, para mim única no mundo! Vocês serão a nossa salvação, com a ajuda de Deus e da Santíssima Virgem de Coromoto. E nada de medo, meus filhos de minha pátria, porque ‘Se Deus está conosco, a que teremos medo?’”, concluiu.
Recentemente, o Bispo de Cidade Guayana (Venezuela), Dom Mariano José Parra Sandoval exortou os estudantes venezuelanos a que protestem pacificamente nestes dias no país e a que mantenham o seu protesto no marco da lei, assegurando-lhes que “têm a arma da razão e o poder da sabedoria”.