Roma, 27 de fev de 2014 às 14:29
As Igrejas cristãs de Kiev (Ucrânia) converteram-se nas últimas semanas em hospitais clandestinos, conforme informou o Arcebispo Mor de Kyiv-Halych, Dom Sviatoslav Shevchuk, os templos abriram suas portas aos manifestantes do movimento Maidan e inventaram um sistema de translado clandestino de feridos, por temor às represálias do governo.
Dom Shevchuk, que preside a Igreja Grego-Católica neste país, explicou em 25 de fevereiro na sede da Rádio Vaticana em Roma, que as diferentes confissões cristãs do país superaram suas diferenças e se uniram para assistir o movimento Maidan, gravemente atacado pelo exército ucraniano, ao qual se referem como “o corpo sofredor de Cristo”.
As Igrejas “têm sido mediadoras de paz e, como boa Mãe, a Igreja fez todo o possível para salvar os seus filhos, para cobri-los com seu manto e salvar suas vidas”, afirmou Dom Shevchuk.
“Quando a situação se agravou de maneira dramática, o governo atirava, e lançava granadas. Havia tantos feridos que chegou um momento no qual não se podiam transportar a todos e tivemos que converter a Catedral Católica de Kiev em uma sala operatória, justo diante do altar, onde se celebra a Eucaristia”.
“Nossas catedrais se converteram em hospitais clandestinos. Nestes dias realmente frios, com uma temperatura de menos 20 °C abaixo de zero, as pessoas com pneumonia e outras doenças, queriam acabar com a corrupção, e só encontraram resguardo em uma igreja luterana próxima ao edifício da administração do ex-presidente Viktor Yanukovich”.
“Ali, sobre o altar, os médicos e voluntários realizaram operações para salvar vidas. Depois, digamos que houve um traslado clandestino de feridos para levar a estes feridos de batalha, sempre com o medo de que no processo alguém nos perseguisse e fizesse represálias”.
Dom Shevchuk disse que os feridos ucranianos tinham medo de ir aos hospitais estatais porque o governo decretou que os médicos tinham o dever de denunciá-los como criminais.
Além disso, expressou que poderia compartilhar “milhares de histórias de perseguição”, por exemplo, em uma delas “um jovem de 20 anos que tinha perdido um olho teve que pular do segundo andar de um hospital para fugir da polícia”.
Torturas e sequestros
Por outro lado, Dom Shevchuk denunciou que desde finais de janeiro existe um novo fenômeno nas ruas de Kiev, no qual um grupo de desconhecidos sequestra os manifestantes para torturá-los e abandonar seus cadáveres nos bosques próximos à capital.
“Aqueles que sobreviveram –disse Dom Shevchuk-, asseguraram que falavam russo com um sotaque diferente ao do território ucraniano e a pergunta principal que lhes fazem é: ‘Quem está pagando vocês?’”. “Estes não entendem que ninguém nos paga. A nossa própria consciência é o que nos move”, declararam as vítimas.
Quanto ao pretexto do governo para limpar a praça de “terroristas” na noite entre os dias 18 e 19 de fevereiro, Dom Shevchuk, explicou que antes de ir para lá, os manifestantes formaram longas filas para receber o sacramento da confissão “antes da morte”.
“Estavam dispostos a morrer e a ir às barricadas por defender seus valores. E eu me pergunto, mas este é o comportamento de um terrorista? Aposto que não, porque ninguém foi confessar-se com armas”.
Na quinta-feira passada, 22 de fevereiro, o governo assassinou a mais de 75 pessoas.
A crise ucraniana
Até o momento os conflitos causaram a morte de mais de 100 pessoas, centenas de feridos e se denunciaram dezenas de desaparecimentos.
A União Europeia reconheceu nos últimos dias a Alexander Turchinov, novo presidente interino ao ser eleito ontem legitimamente pelo Parlamento ucraniano, enquanto que o presidente russo, Dimitri Medvedev, disse que a chegada ao poder das novas autoridades da ex-república
soviética foi resultado de uma “insurreição armada”.
Segundo a autoridade eclesiástica, o movimento Maidan se desvincula de qualquer partido político ou divisão entre cidadãos, está formado por todos os estratos sociais, inclui em suas reivindicações a identidade cristã como símbolo de sua cultura europeia e pede ao governo o fim da corrupção e a volta da democracia.
Atualmente na Ucrânia “vivemos um período de escuridão, porque ninguém sabe como vai terminar isto, mas por outro lado um período de esperança, porque Maidan se converteu de verdade em um fermento que tem feito fermentar toda a sociedade ucraniana”, concluiu Dom Shevchuk.
Dom Shevchuk retornou no dia 26 de fevereiro à capital ucraniana, durante a sua estadia em Roma agradeceu ao Papa Francisco pelo seu chamado à paz, e anunciou que durante o próximo mês de março se reunirá em audiência privada com o Santo Padre no Vaticano.