Nazaré é um lugar complexo e difícil de ler arqueologicamente. De fato, nunca foram encontrados vestígios de casas do tempo de Jesus. Só a partir da época bizantina se pôde começar a identificar a gruta que agora está sob a Basílica moderna da Anunciação da Virgem Maria.

Por isso a cautela é absolutamente necessária antes de anunciar “a descoberta da casa de Jesus” como alguns meios estiveram fazendo nos últimos dias. Os motivos são muitos.

Ken Dark da Universidade de Reading (Inglaterra) acredita ter encontrado a casa onde Jesus cresceu em um lugar diferente ao da Basílica. Entretanto, ao dar a notícia da “descoberta”, coloca um sinal de interrogação no título do artigo que publicou em uma revista bimestral de arqueologia.

Dark trabalhou desde 2006 em uma escavação que define o primeiro século depois de Cristo baseando-se em um texto do chamado peregrino Arnulfo que data do ano 690.

“Conheço bem os restos arqueológicos aos quais faz referência, embora não tenho lido ainda a relação científica de Dark –explica o Pe. Eugenio Alliata, arqueólogo do Studium Biblicum Franciscanum de Jerusalém– e o que posso dizer sobre a notícia é que é necessário que seja verificada com as provas que poderá oferecer ou não o estudioso. Teremos que esperar”.

À pergunta sobre o lugar do qual fala Dark, o sacerdote disse que “os restos foram encontrados e apresentados pela primeira vez em 1800 (e depois algumas outras vezes em 1900), na época em que as religiosas proprietárias, as Damas de Nazaré, adquiriram-no. Uma tradição popular nazarena chamava o lugar de ‘Túmulo do justo’ e daí se criou a relação com São José. Além de um túmulo, foram encontrados restos de quartos, e talvez não tenham requisitado tantas provas científicas neste então, por isso se teve uma evidente contraposição com o santuário franciscano já existente da ‘Igreja de São José’”.

Os dois lugares tentaram apresentar-se como herdeiros do Santuário bizantino da Nutrição, descrito pelo peregrino Arnulfo no ano 670. Este santuário não deve confundir-se com o Santuário da Anunciação, também conhecido por alguns como a Casa de Maria. A diferença desta, o Santuário bizantino da Nutrição desapareceu, por isso a sua identificação permanece incerta. A discussão só é útil à medida que ofereça novos elementos para a busca desta “Igreja da Nutrição”.

Sobre como os fiéis vivem esta situação, o sacerdote especialista indica que “as irmãs de Nazaré guardam no coração a sua ‘tradição’ enquanto os franciscanos construíram e continuam oficiando em seu lugar conhecido como Igreja de São José ou da Santa Família. Eles acreditam que é prejudicial, para os peregrinos, a duplicação de um santuário. Os papas que visitaram Nazaré mantiveram a mesma linha fazendo homenagens apenas no lugar dos franciscanos”.  

O Pe. Alliata explica também que “não se trata de questões de particularismos. A ciência tem suas leis: permite hipótese e discussões baseadas nos elementos apresentados, inclusive se tiverem pouco peso. A pastoral prefere uma linha unitária, que não muda a não ser em função de uma certeza proporcionada por uma descoberta espetacular, que de fato acontece às vezes e a pastoral muda”.

Em resumo, mais que uma descoberta sensacional se trataria de um debate arqueológico aberto que oferece mais dúvidas que certezas.

Com efeito, o mistério de Nazaré permanece aberto também nos estudos bíblicos e teológicos. O próprio Bento XVI fala disso em seu livro sobre a infância de Jesus, enfrentando de forma teológica a proveniência de Jesus.
 

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