WASHINGTON DC, 24 de set de 2015 às 16:29
O Papa Francisco protagonizou um fato histórico na nesta quinta-feira, ao se tornar o primeiro Pontífice a discursar no Congresso dos Estados Unidos, em Washington D.C. Aos parlamentares, o Santo Padre recordou algumas figuras importantes para a nação norte-americana citando-as como exemplo para abordar temas específicos como liberdade, imigrantes, valor da vida, pobreza, conflitos e família.
“Estes homens e mulheres dão-nos uma possibilidade de ver e interpretar a realidade. Ao honrar a sua memória, somos estimulados, mesmo no meio de conflitos, na vida concreta de cada dia, a haurir das nossas mais profundas reservas culturais”, disse ao mencionar Abraham Lincoln, Martin Luther King, Dorothy Day e Thomas Merton.
No seu discurso, o Santo Padre se referiu primeiramente a Abraham Lincoln, presidente que aboliu a escravatura nos EUA, para falar sobre liberdade. Ele destacou duas questões às quais deve-se estar atento: o fundamentalismo e o reducionismo simplista.
“Devemos prestar especial atenção a qualquer forma de fundamentalismo, tanto religioso como de qualquer outro gênero”, alertou o Pontífice. Segundo ele, “é necessário um delicado equilíbrio para se combater a violência perpetrada em nome de uma religião, de uma ideologia ou de um sistema econômico, enquanto, ao mesmo tempo, se salvaguarda a liberdade religiosa, a liberdade intelectual e as liberdades individuais”.
Por outro lado, Francisco declarou que o reducionismo leva a ver as coisas de maneira polarizada, “o bem ou o mal”, “justos e pecadores”. E advertiu: “Sabemos que, na ânsia de nos libertar do inimigo externo, podemos ser tentados a alimentar o inimigo interno. Imitar o ódio e a violência dos tiranos e dos assassinos é o modo melhor para ocupar o seu lugar. Isto é algo que vós, como povo, rejeitais”.
Diante desses fatos, Francisco indicou que “a nossa resposta deve ser uma resposta de esperança e cura, de paz e justiça. É-nos pedido para fazermos apelo à coragem e à inteligência, a fim de se resolverem as muitas crises econômicas e geopolíticas de hoje”.
“Os desafios, que hoje enfrentamos, requerem uma renovação deste espírito de colaboração, que produziu tantas coisas boas na história dos Estados Unidos”, aconselhou o Papa, ressaltando a necessidade de um apoio mútuo que respeite “as diferenças e convicções de consciência”.
Em seguida, Francisco dedicou especial atenção à situação dos imigrantes, lembrando a “marcha que Martin Luther King guiou de Selma a Montgomery, há cinquenta anos, como parte da campanha para conseguir o seu ‘sonho’ de plenos direitos civis e políticos para os afro-americanos”.
“Alegro-me por a América continuar a ser, para muitos, uma terra de ‘sonhos’: sonhos que levam à ação, à participação, ao compromisso; sonhos que despertam o que há de mais profundo e verdadeiro na vida das pessoas”, expressou, sublinhando que também ele, como muitos americanos, é filho de imigrantes.
O Bispo de Roma observou que o mundo enfrenta atualmente a maior crise de refugiados desde a II Guerra Mundial, o que impõe grandes desafios. “Também neste continente, milhares de pessoas sentem-se impelidas a viajar para o Norte à procura de melhores oportunidades. Porventura não é o que queríamos para os nossos filhos?”, questionou.
Francisco orientou a não se deixar assustar pelo número de imigrantes, mas sim a “olhá-los como pessoas, fixando os seus rostos e ouvindo as suas histórias, procurando responder o melhor que pudermos às suas situações”. Assim, recordou “a regra de ouro: ‘O que quiserdes que vos façam os homens, fazei-o também a eles’”.
Esta regra, conforme indicou o Papa, “põe-nos diante também da nossa responsabilidade de proteger e defender a vida humana em todas as fases do seu desenvolvimento”. E, frente a isso, condenou a pena de morte.
“Recentemente, os meus irmãos bispos aqui nos Estados Unidos renovaram o seu apelo pela abolição da pena de morte. Não só os apoio, mas encorajo também todos aqueles que estão convencidos de que uma punição justa e necessária nunca deve excluir a dimensão da esperança e o objetivo da reabilitação”, declarou.
O Santo Padre chamou atenção ainda para a questão da pobreza, relembrando a Serva de Deus Dorothy Day, que fundou o Movimento Operário Católico.
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Ele sublinhou que muito foi feito “nestes primeiros anos do terceiro milênio para fazer sair as pessoas da pobreza extrema”. Mas, disse aos parlamentares: “Sei que partilhais a minha convicção de que se tem de fazer ainda muito mais e de que, em tempos de crise e dificuldade econômica, não se deve perder o espírito de solidariedade global”.
“A luta contra a pobreza e a fome deve ser travada com constância nas suas múltiplas frentes, especialmente nas suas causas”, expressou, salientando que “naturalmente uma grande parte deste esforço situa-se na criação e distribuição de riqueza”.
O Pontífice citou também a sua encíclica Laudato Si, para encorajar os norte-americanos a “mudar de rumo” e “evitar os efeitos mais sérios da degradação ambiental causada pela atividade humana”.
“Estou convencido de que podemos fazer a diferença e não tenho dúvida alguma de que os Estados Unidos – e este Congresso – têm um papel importante a desempenhar. Agora é o momento de empreender ações corajosas e estratégias tendentes a implementar uma ‘cultura do cuidado’ e ‘uma abordagem integral para combater a pobreza, devolver a dignidade aos excluídos e, simultaneamente, cuidar da natureza’”, manifestou.
Ao recorrer à sua quarta e última figura história, o monge cisterciense Thomas Merton, Francisco destacou a importância do diálogo e, olhando para o contexto atual, referiu-se à reaproximação entre Estados Unidos e Cuba.
“Nesta perspectiva de diálogo, gostaria de saudar os esforços que feitos nos últimos meses para procurar superar as diferenças históricas ligadas a episódios dolorosos do passado”, disse o Papa, ao assumir como seu “dever construir pontes e ajudar, por todos os modos possíveis, cada homem e cada mulher a fazerem o mesmo”.
De acordo com Francisco, esse diálogo exigiu “coragem e audácia, o que não significa irresponsabilidade”. “Um bom líder político é aquele que, tendo em conta os interesses de todos, lê o momento presente com espírito de abertura e sentido prático”, explicou.
Ainda tendo como ponto central o diálogo, o Santo Padre aproveitou para lançar um apelo à redução dos conflitos armados em todo o mundo. Enfático, questionou: “Por que motivo se vendem armas letais àqueles que têm em mente infligir sofrimentos inexprimíveis a indivíduos e sociedade?”.
“Infelizmente – constatou o Pontífice – a resposta, como todos sabemos, é apenas esta: por dinheiro; dinheiro que está impregnado de sangue, e muitas vezes sangue inocente. Perante este silêncio vergonhoso e culpável, é nosso dever enfrentar o problema e deter o comércio de armas”.
Por fim, Francisco recordou que motivo central de sua viagem aos Estados Unidos, o Encontro Mundial das Famílias, na Filadélfia. Aos congressistas, o Papa expressou preocupação por ver as famílias ameaçadas. “As relações fundamentais foram postas em discussão, bem como o próprio fundamento do matrimônio e da família”, observou, pedindo especial atenção aos jovens.
E concluiu: “Uma nação pode ser considerada grande, quando defende a liberdade, como fez Lincoln; quando promove uma cultura que permita às pessoas «sonhar» com plenos direitos para todos os seus irmãos e irmãs, como procurou fazer Martin Luther King; quando luta pela justiça e pela causa dos oprimidos, como fez Dorothy Day com o seu trabalho incansável, fruto duma fé que se torna diálogo e semeia paz no estilo contemplativo de Thomas Merton”.
Confira a versão na íntegra do Discurso do Santo Padre em nosso especial: