REDAÇÃO CENTRAL, 24 de fev de 2016 às 20:00
As afirmações difundidas na mídia de que o Papa Francisco teria autorizado o uso de contraceptivos, após uma entrevista dada no voo de retorno do México para Roma, foram interpretações inadequadas das palavras do Pontífice, conforme explicou à ACI Digital o Prof. Felipe Aquino. Segundo ele, o que Santo Padre fez foi uma “reflexão pastoral” e não uma definição de “verdade de fé”.
Membro da Comunidade Canção Nova, Felipe Aquino é autor de diversos livros e conhecido por abordar temas relacionados à doutrina católica, espiritualidade, família, entre outros. Ele comentou a resposta do Papa ao ser questionado sobre a epidemia de Zika vírus e a possibilidade de se evitar legitimamente uma gravidez neste caso.
Para esclarecer o pronunciamento do Papa Francisco em comparação com a repercussão que teve, Aquino cita a explicação dada pelo porta-voz da Santa Sé, Pe. Federico Lombardi, segundo quem, “estamos vendo o surgimento de um gênero totalmente novo de discurso do Papa – informal, espontâneo, e às vezes confiado a outros em termos da sua articulação final”.
De acordo com as palavras do porta-voz, “um novo gênero precisa de uma ‘nova hermenêutica’, em que não damos tanto valor às palavras individuais, mas sim ao sentido geral”. Além disso, expressou que “o que o Papa está fazendo é dando reflexões pastorais que não foram revisadas de antemão palavra por palavra por 20 teólogos, a fim de ser mais preciso sobre tudo”.
Diante disso, alertou Pe. Lombardi, é preciso diferenciar (as palavras do Papa) "de uma encíclica, por exemplo, ou de uma exortação apostólica pós-sinodal que são documentos magisteriais”.
O Prof. Felipe Aquino reforça que “isto significa que o Santo Papa fez uma ‘reflexão pastoral’, não definindo uma verdade de fé como Chefe Supremo da Igreja”, portanto, afirma que “suas palavras podem ser analisadas, com todo o respeito à Sua autoridade e ao Magistério da Igreja”.
Ele recorda ainda que, “pela doutrina da Igreja, imutável e bem definida por seu Sagrado Magistério, o ato sexual deve estar aberto à vida, não podendo haver contracepção por método artificial”. Neste sentido, cita o parágrafo 2370 do Catecismo da Igreja Católica, o qual por sua vez cita a encíclica do Beato Paulo VI, Humanae Vitae.
“‘A continência periódica, os métodos de regulação da natalidade baseados na auto-observação e nos recursos aos períodos infecundos’ (HV, 16)... Em compensação, é intrinsecamente má ‘toda ação que, ou em previsão do ato conjugal, ou durante a sua realização, ou também durante o desenvolvimento de suas consequências naturais, se proponha, como fim ou como meio, tornar possível a procriação’ (HV, 14)”, sublinha o documento.
Na referida entrevista do Pontífice, ele cita o caso em que Paulo VI, “em uma situação difícil, na África, permitiu às religiosas de usar anticoncepcionais para os casos de violência”, referência esta que contribuiu para a repercussão da interpretação da mídia secular, juntamente com a frase “evitar a gravidez não é um mal absoluto”.
Também neste caso, o Prof. Felipe recorda o que Pe. Federico Lombardi esclareceu, ressaltando que “o Papa distingue, claramente, a radicalidade do mal do aborto como supressão de uma vida e a possibilidade do recurso à contracepção ou preservativos de emergência ou situações particulares, em que, desta forma, não se suprime uma vida humana, mas se evita uma gravidez”.
Segundo palavras do Pe. Lombardi, as afirmações do Santo Padre não indicam que seja “aceito e usado o recurso sem nenhum discernimento”, ao contrário, disse que “pode ser levado em consideração em casos particulares de emergência”.
Dessa forma, o porta-voz sublinhou que o exemplo da autorização dada por Paulo VI para o uso da pílula por religiosas do Congo que corriam contínuo risco de violência em tempo de guerra “faz entender que não é que fosse uma situação normal em que isto era levado em consideração”.
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Pe. Lombardi recordou também a discussão envolvendo o livro do Papa emérito Bento XVI, Luz do Mundo, “em que ele falava à propósito do uso do preservativo em situações com risco de contágio, por exemplo, da AIDS”.
Baseado na explicação do porta-voz da Santa Sé, Prof. Felipe Aquino destaca que, “no caso citado do Papa Beato Paulo VI, entende-se que se trata de ‘legítima defesa’ das irmãs violentadas, e não com o objetivo de evitar uma concepção, o que seria um efeito colateral, e não um fim”.
Já em relação ao caso de Bento XVI, ele pontua que o Papa emérito, na ocasião, colocou duas situações. “Primeiro ele disse que seria possível um casal com AIDS usar preservativo; não para evitar a gravidez, mas para se proteger. Assim, a contracepção seria um efeito colateral também, e não buscado como um fim. Em outra declaração, sobre o fato de prostitutas usarem preservativo, ele disse que elas tinham senso moral, pois queriam preservar a sua saúde e dos seus clientes. Mas ele não disse que elas podiam usar o preservativo”, acrescenta.
Entretanto, especificamente no que diz respeito à pergunta lançada pelo jornalista no avião papal, que foi sobre a epidemia de Zika, Aquino adverte que “ainda não está confirmada a ligação do Zika vírus com a microcefalia”.
“No caso do vírus Zika – observa –, entendo, salvo melhor juízo da Igreja, que o que o Papa Francisco quis dizer com ‘evitar a gravidez não é um mal absoluto’, deve estar de acordo com o que ele explicou sobre as concessões feitas por Paulo VI e Bento XVI; isto é, os métodos contraceptivos poderiam ser usados em casos particulares e de emergência, onde não se vise diretamente a contracepção, ainda que esta possa acontecer como efeito secundário, colateral”.
Mas, e se um católico diante da epidemia de Zika vírus, quiser espaçar ou evitar uma gravidez estando de acordo com a doutrina, o que deve fazer? Diante dessa pergunta, Prof. Felipe Aquino recorda o que foi ensinado pelo Beato Paulo VI na Humanae Vitae, onde diz que “a Igreja aceita, exclusivamente, os métodos naturais que tenham como fim desejado espaçar os nascimentos por uma razão justa, em vista de uma paternidade responsável, e não evitar a fecundação, como se o filho fosse um mal indesejado”.
Aquino ressalta ainda o trecho do documento no qual se lê: “Se, portanto, existem motivos sérios para distanciar os nascimentos, que derivem ou das condições físicas ou psicológicas dos cônjuges, ou de circunstâncias exteriores, a Igreja ensina que então é lícito ter em conta os ritmos naturais imanentes às funções geradoras, para usar do matrimônio só nos períodos infecundos e, deste modo, regular a natalidade, sem ofender os princípios morais que acabamos de recordar”.
Sendo assim, conclui Prof. Aquino: “Penso que o casal, que, diante da epidemia do vírus Zika queira espaçar ou evitar uma gravidez, de acordo com a doutrina, deve usar um método natural, como Billings”.
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— ACI Digital (@acidigital) 18 de fevereiro de 2016